Você com certeza já conhece esse título se trocar o gênero. Eu nasci mulher e acreditei por anos e anos que, por mais que nem todas as mulheres façam isso, fingir orgasmo era praga do universo feminino.

Nunca tinha ouvido falar que homens fingem gozar. Primeiro porque o orgasmo do homem você vê, é físico, como é que vai simular? Além disso, pra quê eles precisam representar?

Acreditei nisso até o dia que um cara fingiu mal e eu percebi. Sabe aquele truque de tirar a camisinha de costas e jogar fora correndo. Jovem que eu era, achei muito esquisito. Fiquei sem entender e mas achei que isso era coisa pontual.

Anos e namoros depois, essa discussão voltou à tona e, pra ter mais opiniões, resolvi perguntar num grupo de Facebook se os rapazes fingiam ou se, pelo menos, conheciam um brother que já tinha fingido. Achei que ia ser coisa pontual. De achar uns dois, coisa que acontece mais não muito e que sempre que acontece é com o amigo de alguém, mas nunca com a pessoa.

Nem muito, nem pouco

Se acontece muito ou pouco eu não tenho como definir, mas uma pesquisa feita pelo New York Time Out apontou que 30% dos homens de Nova York já fingiram. Na minha pesquisa de Facebook, choveram respostas e histórias de caras que já fingiram e mais de uma vez.

Tá, se você é homem isso não deve ser muita novidade, ou talvez até seja, porque aqui do meu mirante feminino, parece que ninguém fala disso.

Sempre a mesma história

As histórias, e foram muitas, não mudam quase nada. É assim: O cara geralmente demora pra gozar (ou estava cansado, ou já tinha bebido algumas) e não ia rolar de gozar mesmo. Aí, depois de bastante tempo de transa, o cara queria acabar, mas, como não ia conseguir gozar, fingiu. É que ele só queria acabar na boa, sem ter de explicar porque não gozou, ou criar algum tipo de climão que dê a entender uma insatisfação.

Mas tem que explicar?

Finge-se para evitar explicações, mas por que tem que explicar, afinal? É no roteiro padrão que nasce o problema. Parece que em todo texto dessa humilde colunista que vos fala a gente tem que voltar nesse ponto,  no suado, cansado, desgastado roteiro sexual que não foi inventado mas foi disseminado em massa pelos filmes pornôs. O roteiro em que gozar é o fim do sexo: a finalidade dele e o aviso de final.

Nesse universo limitado de prática padronizada, o gozo acaba sendo:

  • O objetivo principal da transa;
  • O ápice: nenhum prazer do meio do desfrute será maior que este;
  • A coisa mais fácil do mundo pro homem, afinal, eles sabem exatamente como fazê-lo.

E aí essa regras se enraízam nas pessoas. Naquelas em que a raiz foi se fincando mais fundo, mais forte, seja homem ou mulher, quando o parceiro não goza, bate um sentimento de falha, fracasso. Bate insegurança, medo de não ter feito direito e aí começam os questionamentos que dão medo e preguiça:

"Você não gozou por que não foi bom? Por que não me acha atraente? O que você quer que eu faça pra você chegar lá? Por que você não quer tentar mais? Você não tem tesão em mim? Você está com problemas pessoais?"

As almas bondosas que se prontificaram a falar comigo sobre isso, contaram que não gozar não tem nada a ver com a transa ter sido boa ou ruim. Pra uns é só que às vezes não é tão importante, o ápice foi em outro pedaço, e não tem mais timming, o parceiro já gozou e deu aquela amolecida, ai parece mais convidativo se derreter ao lado da outra pessoa, que se pressionar pra um gozo obrigatório. Pra não rola por causa do cansaço, ou da bebida, ou às vezes não tem explicação, e nem importância.

Justamente porque não tem essa importância, é que não parece muito convidativo ter que justificar como se fosse um problema. Ai pra facilitar, há quem escolha simular.

Desse nosso jeitinho de lidar com o sexo, a gente chega em duas questões, dois problemas diferentes que acabam indissociáveis: a obrigatoriedade do gozo, e o fingimento dele. Criam-se as cenas teatrais porque parece que, seja artificial ou real, esse elemento não pode faltar.

E por que não ser sincero e só não gozar?

Essa foi a primeira pergunta que eu fiz, porque, claro, me parece mais simples. Mas aí me deram excelentes respostas mostrando que as coisas nem sempre são tão fáceis como parece.

Numa das histórias dos rapazes que não fingiu e não gozou, a moça que acompanhava acabou aos prantos porque mesmo com todas as explicações dele, nada tirava da cabeça que ela não tinha sido boa, nem atraente o suficiente.

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Depois lembrei de uma história de um grande amigo meu que me contou ter terminado com um rapaz com quem ele estava saindo. O caso tava meio chato mas a gota d'água foi quando o rapaz (vamo chamar o chato de Jorge) brigou com meu amigo quando ele não quis gozar.

Jorge ficou inconformado e, não interessava o que o amigo dissesse, Jorge queria fazer o parça gozar a qualquer custo, se bobear estava até disposto a usar a força.

Quando o homem finge X quando a mulher finge

Alguém me disse: Ué, mas as mulheres também fingem, qual o espanto em saber que os homens o fazem?

Eu, pessoalmente, achei por um bom tempo que essa era uma pressão que os homens não sofriam. Que a obrigação do gozo era mera natureza masculina: homem goza sempre porque ele é assim, porque ele quer assim e porque pra ele é fácil ser assim.

Pensando na mulher, das muitas conversas que já tive com a minha mãe e minhas tias, com as minhas amigas, ou com gente estranha na Internet, eu chego numa história genérica padrão que se parece um pouco com a do homem, mas que é diferente em muitos outros pontos.

Geralmente é assim: já estava bom de transar, ai pra acabar logo, eu fingi, assim o cara já goza logo e pronto. Seja para agradar ou para dar um fim a uma transa que não está agradável, o fingimento da mulher é uma tentativa de agradar o outro, e de anunciar o fim, mas também é, sobretudo, um aval para o masculino que deve suceder. É quase como se todo fingimento feminino fosse em função de evocar o gozo masculino, o mais obrigatório de todos.

De olhos fechados, reproduzindo roteiros

Durante o debate da sexualidade no Homens Possíveis, estávamos numa rodinha em que começamos a conversar sobre essas pressões padronizadas. É como se o cara se pressionasse a gozar ou a fingir porque acha que isso é essencial para a outra pessoa da transa não se sentir ofendida ou melindrada.

Do lado de lá, esse outro, está tentando entender se é hora de se encostar no ombro e dormir, ou se é preciso dar todo o sangue até levar o companheiro à ejaculação. Por via das dúvidas, todos escolhem o caminho do roteiro, que é o caminho seguro.

No fim, concluiu um rapaz do nosso grupo "ficam duas pessoas transando de olho fechado, criando obrigações nas suas cabeças, seguindo o mesmo esquema manjado, sem abrir o olho e ver o que está acontecendo de verdade com o outro. Sem sentir puramente para onde o clima está levando."

Deita aqui, vamos trocar uma ideia

Tá. Não é fácil viver nas contradições desse mundo. A gente cria liberdades, mas ainda tem raízes naquele velho caldo de costumes onde a gente cresceu. Eu gostaria de terminar dizendo "não finja, fale a verdade. A gente precisa cultivar relações com mais diálogo e sinceridade.".

Eu posso fazer isso, mas eu sei que em muitos casos, essa não vai ser a solução perfeita, porque não tem solução perfeita. Mesmo com toda a sinceridade do mundo, pode ser que alguém saia de coração doído, pode ser que seja preciso encarar uma DR num momento inoportuno (como no meio de uma transa).

Tentando pensar num meio termo, levando muito em consideração os relatos de quem finge pra evitar conflito, eu queria deixar dois pensamentos mais ou menos conclusivos: O primeiro, pros caras que apelam para a encenação quando precisam, e o segundo para as pessoas que saírem com alguém que não tá afim de gozar.

O primeiro: Se você achar melhor fingir para evitar o conflito, ok. Mas tenta não deixar o assunto quieto, pra não reforçar o estigma. Depois, numa outra hora, puxa essa conversa, fala que às vezes você não quer ou não chega lá e que tá tudo bem. Fala e pergunta como funciona para o outro, assim fica todo mundo se entendendo e se conhecendo melhor.

O segundo: Tenha paciência. Abre o olho e sente a vibe da pessoa. Não fique preso no que tem que ser, sente o que vai ser melhor e mais natural. Se ficar alguma insegurança depois, porque a pessoa não gozou, espera um pouco, aproveita a calma do cansaço pós sexo e deixa pra perguntar um pouco depois, numa boa, aberto a ouvir a confiar no que a pessoa disser em seguida.

Tem que ser gostoso, no final das contas.

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP