O título do novo filme do Homem-Aranha, De Volta ao Lar, diz bastante à respeito do que essa nova produção da franquia promete. Após Sony e Marvel Studios entrarem num acordo que trouxe a decisão criativa sobre o personagem de volta à Marvel, o novo Homem-Aranha passa a compartilhar o universo dos demais super-heróis da editora.
Mas não é só isso. Nessa versão, Peter Parker está mais jovem que suas encarnações anteriores. Se nas edições anteriores, o herói interpretado por Toby Macguire e Andrew Garfield era um recém formado estudante do Ensino Médio que começava a vida adulta na universidade, dessa vez a escolha de Tom Holland, um ator bem mais jovem, traz o protagonista de volta ao contexto original dos quadrinhos criados em 1963 por Stan Lee e Steve Ditko: uma metáfora sobre a adolescência masculina.
Dessa vez não vamos ver a origem do personagem novamente. Em grande parte porque o Homem de Ferro já nos introduziu ao Peter Parker dotado de superpoderes no filme Capitão América – Guerra Civil. O foco então será a emocionalmente atribulada morte simbólica do pai, que é, em termos psicanalíticos, o rito de passagem para a maturação da personalidade masculina.
Na história original dos quadrinhos o pai e a mãe de Peter morreram e ele é criado por um casal de tios. Seu tio Ben é então a figura paterna contra a qual o adolescente se rebela quando ganha poderes, uma metáfora para hormônios. A morte literal do tio Ben e a culpa que Peter se impõe é que levam o personagem a escolher uma vida de vigilante mascarado.
Em outra palavras, Peter Parker (o Ego) passa a controlar sua libido (Id, força vital representado pelos seus poderes) usando a bússola moral (Superego) de seu tio Ben internalizada pela culpa. Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades. O dilema do herói é se ele vai abusar de seus superpoderes ou vai ser capaz de sublimá-los.
No novo filme a figura paterna do tio Ben é substituída por Tony Stark, o Homem de Ferro, que apadrinha o herói adolescente. Como qualquer adolescente sem pai, Peter quer agradar de todas as maneira a presença masculina que preenche esse vazio. Mas a adolescência o impele à contestar a autoridade.
Com esse pano de fundo, entre a necessidade de aceitação e a rebeldia, o cotidiano do herói na escola entre paqueras, provas, bullying, redes sociais e, no caso de Peter, uma identidade secreta para preservar, vão criando identificação entre público e personagem.
Afinal, quem nunca teve que acordar cedo e se sentiu como um zumbi toda a manhã no colégio, que ficou de castigo sem poder sair, que ouviu que ainda é muito jovem e que vai entender quando estiver maior? Quem nunca sentiu as mudanças da puberdade em um corpo fora de controle, com as teias esguichando pelas mãos (metáfora pouco discreta sobre a explosão hormonal)?
Não é por acaso que o Homem-Aranha é o maior sucesso da Marvel e que existem dezenas de outros personagens que tentam seguir a mesma fórmula. Nos quadrinhos o herói ficou adulto, casou e perdeu sua essência, e as versões que tentaram retornar à sua juventude perdida são clones ou contrapartes de universos paralelos. Com o filme temos a possibilidade de retorno à adolescência para os fãs de longa data e de uma identificação imediata para uma nova geração de fãs. A volta ao lar é, sobretudo, uma volta às origens.
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Esse texto faz parte da parceria editorial entre o PapodeHomem e os Quadrinheiros. Estamos publicando um artigo original por mês, pra você, sempre às sextas-feiras, mas quem quiser mais é só conferir o site e o canal no Youtube deles. Vale.
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