Aprendi em teoria e carne que tudo na vida pode ter uma generalização básica – teorias, preceitos, leis etc – mas a vivência real das coisas é sempre singular. Vou contar como vem sendo o meu jeito de treinar Triathlon, desde o inicio até os dias atuais. Então, não se preocupe se perceber que faz diferente, que acredita ser melhor de outro jeito. E se você tiver alguma sugestão, por favor, diga.
Se tem uma coisa que gosto e não canso de fazer na vida, essa coisa é aprender.
“Confusion will be my epitaph. As I crawl a cracked and broken path. If we make it we can all sit back and laugh. But I fear tomorrow I’ll be crying…” –Epitaph, do King Crimson
Em um belo dia de janeiro de 2012 percebi que meu cotidiano já estava praticamente esgotado e não me valia mais. Meu corpo e minhas relações diziam claramente isso para mim: era hora de mudar. Os excessos da vida urbana não me levariam longe em nenhum aspecto que considero importante, muito menos com a qualidade que um dia, jovem, esbanjei.
Como sou daqueles que não sabe mudar apenas um pouco, dar uma repaginada, maquiar a realidade, senti que a transformação deveria ser geral e intensa.
Elegi então o esporte como minha ferramenta central de mudança. Central porque ele agrega outras ferramentas fundamentais como alimentação, organização entre outras, aliadas a uma prática clara e definida. Só tinha um problema: qual esporte?
Os esportes coletivos nos quais fui razoavelmente bom um dia (basquete e futebol) requerem coordenação motora e um grupo para compartilhar a prática. Seria difícil encontrar uma galera para agendar aqueles jogos semanais, pois eu estava morando havia pouco tempo em uma nova cidade e, por isso, sem muitos amigos. Também havia o alto risco de lesões, uma vez que estava há mais de 10 anos sem interagir sistemática e simultaneamente com equipes e seus respectivos objetos esféricos de disputa – a bola de futebol e a bola de basquete.
Passei algum tempo refletindo sobre o assunto, às vezes até participando de alguma “pelada”. Foi então que li na internet uma matéria sobre o Ironman, competição de Triathlon que seria disputada em Florianópolis-SC alguns meses depois. Meus olhos brilharam!
Mudar era necessário, mas precisava saber mais sobre a prática, materiais envolvidos, tudo o que demandava para ser um triatleta.
Busquei vídeos no Youtube, encontrei sites, revistas especializados e conversei com educadores físicos. Descobri um pouco mais sobre o destino para o qual o Triathlon me levaria e como faria isso.
Avaliação física e cuidados preliminares
Depois de me informar, o passo seguinte foi fazer uma avaliação física completa junto a um cardiologista e posteriormente junto a um educador físico. É necessário que se faça a avaliação para verificar se existe alguma restrição para algum dos esportes envolvidos. Coração em dia e corpo sem restrições articulares e musculares nos leva ao próximo passo: a prática, ou melhor, as práticas dos esportes envolvidos.
Parece loucura, e talvez seja em alguma análise, uma pessoa praticamente sem intimidade nenhuma com esportes de alta resistência querer praticar Triathlon. Mas outra coisa que aprendi – e hoje afirmo – é que devagar se vai longe. Sem pressa, sabia que estava começando do zero e que o percurso seria longo e árduo. E como eu não tinha muito condicionamento minha estratégia inicial foi não ter uma muito rígida. Pratiquei os esportes individualmente sem pensar no conjunto e paralelamente desenvolvi trabalhos de fortalecimento muscular.
Nesta época eu realmente não cuidava da alimentação e inclusive praticava alguns excessos em lanches e pizzas por acreditar que devido à alta quantidade de exercícios isto não seria prejudicial. Erro básico em triatletas amadores: achamos que podemos comer tudo, já que temos um alto índice de gasto calórico. O resultado é uma menor energia e disposição para os treinos e dificuldade na perda de peso, uma vez que a alimentação não fornece os nutrientes adequados e ainda é repleta de açúcar e gordura de tipo ruim para o corpo.
Após as avaliações, a ação seguinte foi me matricular na natação e na academia onde eu faria os trabalhos de fortalecimento muscular, corrida na esteira e bicicleta ergométrica. Vale ressaltar mais uma vez aqui que eu era um iniciante e que não conseguia correr nem 100m sem perder o fôlego. Nesta fase eu caminhava e corria intercaladamente na esteira e pedalava na bicicleta ergométrica duas a três vezes na semana.
Este período foi bem dolorido, meu corpo não estava acostumado com exercícios diários. Talvez tenha ficado um mês com dores musculares. Foi também desanimador, pois alcançava distâncias pequenas perto de qualquer atleta mais preparado e me cansava facilmente. No entanto, os benefícios físicos como perda de peso e bem-estar vieram rápido e isso sustentou a sequência de treinos, principalmente por não ter um parceiro para dividir as mazelas e prazeres do esporte. Fui descobrindo que este projeto poderia ser um pouco solitário às vezes, então eu deveria me aprimorar como companhia de mim mesmo.
Com o tempo a situação foi melhorando pro meu lado. Depois de alguns meses meu condicionamento físico era perceptivelmente melhor. Fui “esticando” as distâncias percorridas aos poucos, sempre com a orientação do instrutor da natação e o da academia, pois nunca tive uma acessoria especifica.
Vale dizer aqui que cada pessoa tem um ritmo, uma experiência de exercício, uma disponibilidade diferente. Assim, a forma de treinar e a evolução serão sempre individualizadas. Portanto, cuidado ao se comparar com outros atletas, como fiz no inicio. Isso pode resultar em desmotivação ou até mesmo uma sobrecarga de treinamento e possíveis lesões.
Minha primeira competição
Minha primeira prova de corrida de rua foi depois de seis meses de treino. Posso avaliá-la sob diversos aspectos. Posso dizer que ela foi um sucesso e que foi um fiasco. Comecei totalmente errado. Não acordei atrasado, mas sem uma boa antecedência.
Erro 1: Alimentei-me com dois pedaços de pizza da noite anterior, ou seja, já havia me alimentado errado na véspera. Isso reverberou em meu estomago durante toda a corrida e me obrigou a caminhar alguns trechos.
Erro 2: era pra estar inscrito na prova de 5 km, mas por engano meu amigo me inscreveu na de 10 km. Como era estreante, fiquei abalado. Incentivaram-me a completar os 10 km, mas eu não passava dos 5 km nos treinos. Não me sentia capaz. Segui e completei o percurso dos 5 km.
Tudo bem no final. Terminei a prova, não desisti como alguns fazem e recebi minha medalha de participação. Foi uma experiência muito boa, conheci pessoas, vi que a corrida é uma cultura completa e que nas provas as pessoas desenvolvem historias juntas, constroem relacionamentos em torno dos treinos e competições.
Como defini a rotina de treinos
Minhas escalas de treino com o tempo foram sendo mais bem elaboradas. O conhecimento adquirido com a leitura de matérias específicas nos sites e revistas embasou as adaptações que fui fazendo e consultando meus instrutores. Agora eu já podia dizer que tinha uma estratégia flexível, mas estabelecida.
Já sabia quando eu preferia mesclar corrida com bicicleta, natação com corrida etc, pois sempre pensei meus treinos de acordo com minhas atividades do dia. Assim, acredito que consegui equilibrar os ritmos de treinamento com a vida social, sem me prejudicar no trabalho por estar cansado demais ou lesionado, chegar atrasado ou faltar a compromissos sociais.
Hoje, minha vida me permite uma dedicação menor do que gostaria, mas tenho uma rotina razoável de treinamento. Não sou profissional. Nado duas vezes na semana, em média 1600m em um treino de 45min.
Pedalo duas vezes na semana por 30 minutos no ‘rolo de treinamento’ e duas vezes na estrada, em média de 30 a 40km por treino.
Corro três por semana e às vezes corro também no domingo quando treino ‘transição seca’ – passagem da pedalada para a corrida sem intervalo – na rua ou pista de corrida.
Em todos os dias da semana também faço exercícios funcionais para fortalecimento muscular. Com o tempo a tendência é aumentar mais a intensidade e o tempo dos treinos. Só assim atingirei o condicionamento e resistência necessários para o Ironman. Vale ressaltar que meu objetivo não é corpo sarado e bonito para o verão, então não me forço alem do necessário em exercícios de academia, nem tenho qualquer pretensão por resultados estéticos, o que pode desviar o caminho de treinamento. Mesmo por que o triatleta não é o que a mídia e sociedade colocam como modelo de beleza física.
Já passei por provas de 8 km, 10 km e recentemente completei minha primeira meia-maratona (21 km). Vou corrigindo erros e evoluindo minhas distâncias e tempos. Ainda não participei de um Triathlon, mas tenho minha estréia prevista para 01/12 em Tramandaí–RS na prova do Sesc. Enquanto isto eu participo de outras provas de corrida, aquathlon (nado e corrida) e duathlon (corrida/pedal/corrida).
Programo minha primeira maratona (42,195 km) para ano que vem e assim construo meu caminho até o Ironman. Em que ano? Não sei. Talvez 2015 talvez 2016.
Quais cuidados tomar com alimentação?
Nesse complexo projeto de vida, um dos pontos principais é a alimentação e suplementação nutritiva esportiva. Como não sou nutricionista ou outro profissional habilitado não posso indicar ou propor dieta especifica. No entanto, posso comentar como é estruturada minha alimentação. Busco equilibrar as quantidades adequadas de calorias, carboidratos, lipídeos, proteínas, vitaminas e minerais. Outro fator que não posso me esquecer nunca e também indispensável é a hidratação.
O controle nutricional não deve ser realizado apenas no período de competições. A programação alimentar deve ser parte da rotina diária normal, assim como no pré e pós treino também. Como o treinamento é muito intenso, porém particular, a demanda energética é elevada, e por isso é importante adequar esses valores às necessidades de cada atleta.
Minha rotina nutricional teve acompanhamento inicial de um nutricionista que formulou um cardápio especifico para aquele meu período de treinamento, posteriormente fui fazendo alterações adicionais.
No primeiro café da manhã, logo que acordo, consumo uma fruta – geralmente banana – e um copo de leite de soja com achocolatado. Faço também minha suplementação de vitaminas e minerais. No segundo, após o primeiro treino, um lanche com queijo e presunto magros no pão de forma integral, mais uma fruta e café puro sem açúcar. No meio da manhã, 4 unidades de biscoito integral.
Almoço no refeitório do serviço. Lá, me sirvo à vontade da salada do dia, ¼ do prato de arroz, ¼ do prato de feijão, ¼ do prato do legume cozido do dia e a porção única de carne animal do dia. A sobremesa, normalmente gelatina e fruta – geralmente maçã – eu guardo para meu café da tarde juntamente com mais 4 unidades de biscoito integral.
À noite, após o segundo treino, faço uso de suplementação isotônica com proteína, evito excesso de carboidratos e me concentro em proteínas. Quando ceio é uma porção pequena de granola com leite de soja e logo antes de dormir eu tomo uma caneca de algum chá sem cafeína.
Nos finais de semana consumo um pouco mais de massa, mas sempre com receitas magras e bastante legume e proteína. Açúcar, refrigerantes, doces em geral estão geralmente fora, mas não sou dos mais chatos e às vezes concedo exceções à minha paixão por doces de fruta e chocolate amargo, pois ninguém é de ferro. Às vezes significa quinzenalmente no máximo, se possível menos.
Meus objetivos são complexos e vão muito além de atravessar a linha de chegada do Ironman. Eu sei que conseguiria isso hoje. Não quero competir com atletas de ponta como os irmãos britânicos Alistair e Jonathan Brownlee, o australiano Craig Alexander e nossos conterrâneos Diego Sclebin e Reinaldo Colucci. Quero ser um Ironman com o mínimo de qualidade e responsabilidade. Além disso, quero me manter assim até os 100 anos como o indiano Fauja Singh que aos 101 anos participava de corridas de longa distância.
Sou um trabalhador-atleta comum. Acordo cedo, ando de ônibus, tenho uma noiva, uma casa e dois gatos para cuidar. Gosto de ler e estou fazendo pós-graduação na minha área profissional (sou Terapeuta Ocupacional em Saúde Mental). Frequento meus atuais amigos e tenho uma rotina estabelecida.
Mesmo com uma rotina assim, eu treino diariamente de uma a duas modalidades. E para mim, o ponto chave, o momento diferencial para o resultado é o segundo onde venço a preguiça logo antes do exercício. Depois de iniciado, o treino em geral é uma delícia. Depois que o corpo acerta o ritmo e os batimentos do coração, a sensação de poder e liberdade são incomparáveis.
Ao longo desse um ano e meio de treinos orientados, me sinto novamente dono do meu corpo, da minha mente e do meu cotidiano. A dedicação, o esforço, a disciplina, o comprometimento comigo mesmo e com um objetivo maior ocorrem diariamente.
Alcançar as metas propostas, as pequenas e grandes vitórias, as derrotas e desistências do percurso, o respeito e superação de limites pessoais, tudo isso acontece enquanto você treina e também no momento de uma prova. Tudo isso ocorre dentro de você, mas também na rua, na piscina e enquanto a “roda gira”.
Dessa maneira, já perdi 20 kg, larguei o cigarro e o consumo de álcool há um ano e tudo isso transformou minha qualidade de vida. Como moro distante dos antigos parceiros de boemia e meus novos amigos não consomem álcool, essa transição foi tranqüila e do entendimento de todos.
Hoje tenho capacidade de levar meu corpo ao limite e ultrapassá-lo pela disciplina, gerenciando meus treinos e desenvolvendo o máximo em cada modalidade sem prejuízo em outras esferas. Não virei o ‘chato do triathlon’. Aliás muitas pessoas próximas do trabalho e outras atividades nem sabem que treino.
Depois que atingir meu objetivo? A vida trará novos desafios. E, graças a todas essas lições, eu me sinto preparado!
Para saber mais
- IronMan Brasil 2013 (Florianópolis-SC)
- IronMan
- Prova Sesc de Tramandaí-RS
- Site/Blog de brasileiro triatleta com doença celíaca
- Revista Mundo Tri
- Revista Tri Sport
- Revista Triathlete
- Revista 3zone
- IronMan Hawaii
- Biggest Loser
- Iron Man no SBT Repórter: Parte 1, parte 2, parte 3
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