Entre todos os elementos regionais que compõe a rotina dos grandes líderes latinos em imagens históricas, um destaca-se pela presença constante em momentos de reflexão: o chimarrão. Não por se tratar de uma bebia típica da América do Sul, berço de revolucionários. Mas porque o sentimento de beber chimarrão se confunde com o sentimento de ser cisplatino.
O chimarrão tem origens indígenas. Um hábito legado pelas culturas quíchuas, aimarás e guaranis. O primeiro homem branco a provar o mate, de acordo com o livro A História do Chimarrão, de Barbosa Lessa , foi o General Domingo Martínez de Irala, em 1554. Ele teria gostado da sensação de relaxamento causado pelas ervas e prestigiado a cultura difundindo o mate entre colonizadores na Argentina e Uruguai.
A bebida quente feita com ervas foi caindo no gosto dos fazendeiros do pago gaúcho. A partir de adaptações na bomba, porongo e hábitos que geraram etiquetas na divisão de um mate, a partilha da água quente tornou-se uma cerimônia. O chimarrão passou do status de bebida para um espírito democrático. O afago refletido em dividir uma cuia reflete a união, confiança e coletividade.
Por isso a importância de encontrar a cuia perfeita.
O material utilizado para a produção da cuia é o porongo. A primeira colheita se faz no mês de janeiro, quando o porongo está ficando maduro e pronto para ser raspado manualmente. Deve-se ter uma atenção redobrada no processo de secagem para não xuringar o fruto, permitindo a secagem uniforme e homogenia. Começa aí o processo de beneficiamento do porongo para transformá-lo em cuia.
Já extraída do porongo, a cuia fica no estaleiro que circula corrente de ar. A ideia é não rachar e perder o cheiro bastante próprio. Após isso, fura-se o centro da cuia retirando do interior o bagaço mole até chegar na parede dura da cuia.
A parte do acabamento fica por conta de uma boa cera de polir e um motor de alta rotação para dar brilho uniforme. Surge assim uma cuia lisa e polida. Independente do formato.
Pois engana-se quem acha que cuia é igual
Cuia uruguaia: coquinho, gajeta e torpedo
Esse formato de cuia coquinho é o tradicionalmente utilizado pelo gaúcho solitário do campo. Destaca-se por ser mais, digamos, estilosa e popular entre os mais jovens. O tamanho do bocal de inox varia de acordo com a região. No Uruguai, por exemplo, é bastante discreto. Na Argentina o detalhe ganha contornos mais chamativos.
A gajeta, produzida com o porongo grosso, é feita basicamente para quem consome o chimarrão solito. Por ser bastante curta, tem vantagem de possibilitar o consumo rápido e antes que a água esfrie. Foi criada pelos índios e é muito encontrada no interior do Paraná e oeste do Paraguai. Não necessita de suporte e tem um manuseio muito prático.
Já a torpedo não possui muitas diferenças quando comparada com a chamada coquinho, o primeiro exemplo. O grande avanço dela é não necessitar de suporte móvel. O formato quadricular permite o apoio sem quaisquer riscos de queda. O ponto fraco é meramente estético, uma vez que esse estilo perde-se um pouco no padrão das outras cuias.
Cuia gaúcha
A cuia gaúcha tem como principal ponto o diferenciado tamanho. Com uma curva ao centro que desconstrói o modelo redondo imortalizado pelos uruguaios e argentinos, torna-se ideal para quem visa compartilhar o chimarrão em rodas. Não que seja uma bobagem para quem deseja ficar sozinho, mas esse espaço de abastecimento cabe ao usuário que necessita de uma cuia para tomar em grupo.
Não há uma questão lógica no tamanho na cuia. É como escolher um cachimbo. Vai do perfil do consumidor. Das mais trabalhadas e personalizadas até as rústicas e clássicas, a cuia deve servir para te identificar dentro de uma sociedade. Como se fosse uma extensão da sua personalidade charrua imortalizada por meio de rituais que sobreviveram centenas de anos.
Bó.
Me puxei agora.
Com a cuia perfeita, aquela adquirida após você analisar todos os bons momentos que vai compartilhar – ou não – o chimarrão, é hora de algo mais importante ainda: o preparo. Trata-se de uma cerimônia única. Algo que deveria ser ensinado em escolas do sul do Brasil. Deixar a cuia perfeitamente preparada para receber a água quente é um ritual que envolve paciência, técnica e bons minutos de saudosismo.
Como bem explica nesse artigo o nosso autor Luiz Mindium, na roda de chimarrão a figura principal é a do mateador. Além de preparar, é o primeiro a beber, em sinal de educação, já que o primeiro chimarrão é o mais amargo. Também é de praxe o que fica com a chaleira ou a térmica, para encher e passar para as mãos de outra pessoa, iniciando a roda. Ele também alerta aos iniciantes que devem tomar o chimarrão totalmente, fazendo a “cuia roncar”, pois assim toda a água é sorvida e o próximo vivente pode tomar um mate zerado.
Outros importantes lembretes para você que vai curtir um mate:
- Água não é fervendo. Apenas esquente a água. Água fervendo queima a erva e modifica o gosto.
- Acabou o chimarrão? Passa pra frente. Mas não antes de encher a cuia de novo. Quanto mais o chimarrão roda, mas ele fica melhor.
- O dono da casa faz o primeiro mate. Isso significa um gesto de amizade, boas vindas e receptividade. Sem contar que o primeiro é sempre o pior. Então o dono da casa que se vire.
- Chimarrão se passa com a mão direita. Entregar a cuia para o amigo com a mão esquerda significa falta de educação.
- Faça roncar a bomba. Não passe o chimarrão antes da bomba roncar. Isso significa que ainda há água e você está negando. Se a água, você deve bebe-la.
Partiu chimas na redença?
Nota do editor: fonte e referência: Chimarrão.com
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