Assim como aviões, carros e outros aparatos mecânicos, nosso organismo não deixa de ser uma máquina.
Grosseiramente podemos comparar nossa nutrição com o abastecimento de um tanque de gasolina; nossos vasos sanguíneos como o sistema hidráulico de um avião… E por aí vai. De forma análoga (e paradoxal), procuramos seguir à risca a manutenção programada destas máquinas –que de forma comprovada, reduz o risco de panes e acidentes potencialmente fatais. O caso dos aviões é emblemático: os critérios de manutenção são rigorosíssimos, tendo em vista os desastres que podem ocorrer em caso de falhas.
Porém, quando se trata de nós mesmos, a coisa degringola. Quem aqui já fez um check-up médico completo?
Eu mesmo nunca fiz. Médicos são ótimos para cuidar dos outros. Dos outros. Fui descobrir que os níveis de colesterol devem ser monitorados a partir dos 20 anos só depois de formado, quando estava fazendo o curso preparatório para a prova da residência médica, assim como um sem número de colegas – e estamos falando de uma universidade federal.
Pode até ser algo mais especializado, tipo pós-graduação ou área de cardiologia mesmo, mas eu sinceramente não lembro de receber orientações sobre check-up na faculdade. Em que pese a notória ação intervencionista da saúde brasileira, em detrimento da prevenção, eis onde quero chegar: não surpreende que, se o assunto ainda é algo nebuloso para nós médicos, imagina para o público leigo?
Cuidamos ardorosamente de nossos entes queridos, mas quando se trata de nós mesmos… Quem já foi pai aqui sabe: você leva regularmente o bebê ao pediatra, faz o teste do pezinho, mantém o cartão de vacinação atualizado, leva ao dentista pra botar aquele maldito flúor, fica com a pulga atrás da orelha quando um parente diz que seu filho está mancando ou tem os joelhos para dentro, ao menor sinal de febre no pimpolho já corre para o hospital… Por que é tão difícil ter esse zelo com nosso próprio corpo?
O medo de descobrir alguma doença não tem justificativa lógica, pois ao descobrir logo a doença, você tem suas chances de sobrevida aumentada. Mais ainda, em caso de doenças controláveis, como a hipertensão arterial, você simplesmente pode baixar a zero a sua morbimortalidade.
Por essas e outras é que fui à caça e trago aqui para os homens leitores da PdH um guia prático para a manutenção da sua carroceria. Optei por classificar por faixas etárias, afinal cada uma tem sua necessidade.
Check-up em qualquer idade
Nós quando jovens achamos que somos imortais e livres de riscos, mas não custa nada dar uma conferida. Caso não saibam, a hipertensão arterial teve uma mudança em seu perfil epidêmico: hoje, cada vez mais pessoas vão desenvolver a doença entre os 20 e 30 anos. Em caso de história familiar positiva, o cuidado deve ser redobrado. Além disso, algumas doenças, como as renais, deixam até crianças hipertensas, isso sem falar na obesidade. A aferição da pressão arterial é ridiculamente simples e deve ser feita anualmente.
Você tem o hábito de inspecionar seu corpo? Pois saiba que o câncer de pele pode acometer qualquer faixa etária – em muitos casos, como o do melanoma, pode ser fatal se detectado tardiamente. O auto-exame da pele deve ser feito uma vez por mês; se você notar algo errado, corra ao dermatologista. Isso inclui seus pés e o espaço entre os dedos deles. Bob Marley morreu por causa de um melanoma que apareceu embaixo da unha de um dos dedões do pé.
Finalmente, fique de olho em suas bolas. Tumores testiculares também costumam ocorrer em faixas etárias menores, e uma detecção precoce aumenta a sobrevida ou cura em até 90%. O auto-exame testicular deve ser feita no mínimo mensalmente.
Link YouTube | Depois de achar esse vídeo de auto-exame testicular, resolvemos ilustrar com um exame de mama mesmo
Check-up a partir dos 20 anos: olho e sangue
Como mencionei anteriormente, os níveis sanguíneos de colesterol devem ser monitorados a partir desta faixa etária. Trata-se de um excelente modo de aferir o risco de doenças cardiovasculares como infarto agudo do miocárdio, hipertensão arterial e acidente vascular cerebral – quanto mais cedo controlados, melhor. Se dentro da normalidade, o controle é feito a cada 5 anos.
Nossos olhos também apresentam problemas diversos das clássicas ametropias (miopia, astigmatismo e afins), e também necessitam de um exame oftalmológico a cada 1-3 anos. Lembrando que em pacientes negligentes ou assintomáticos um exame de fundo de olho é capaz de detectar sinais indiretos de diabetes e hipertensão arterial.
A partir dos 30 anos: coração
A critério médico, que avalia o histórico de doenças familiares e as circunstâncias de cada indívíduo, a partir dos 35 anos entram em cena o eletrocardiograma e a dosagem de hormônios tireoidianos, que deve ser repetida a cada 3-5 anos.
A partir dos 40 anos: dedada
Se você não apresenta fator de risco ou sintomas, é hora de começar a pesquisar a presença de diabetes mellitus, via exame de sangue. Essa pesquisa deverá ser feita mais cedo, caso você seja obeso, hipertenso ou tenha outros fatores de risco para diabetes. A testagem deve ser feita a cada 3-5 anos.
E aqui, a partir dos 45 anos, entra um certo check up que a maioria não quer nem ouvir falar. Mas não tem jeito, meu amigo, é a hora da dedada.
O exame preventivo da próstata é plenamente capaz de detectar o câncer em seus estágios iniciais e prover um tratamento muitas vezes curativo. Aos cuecas de plantão que têm preconceito: câncer de próstata mata devagar e de forma muito dolorosa. As metástases do câncer prostático provocam dores praticamente intratáveis e enfraquecem ossos a ponto de estes quebrarem por qualquer peteleco.
Deixar um médico realizar o exame de toque não torna você menos homem. Bom, a não ser que você tenha medo de gostar da experiência, né? Vai saber…
A partir dos 50 anos: anual
Uma causa importante de mortalidade que entra em cena nessa faixa etária é o câncer colorretal. Não menos agradável que o exame de toque, mas ao menos realizado com anestesia, a colonoscopia e a sigmoidoscopia – nada mais que uma “endoscopia na contramão” – devem ser feitas a cada 10 anos (colonoscopia) e 5 anos (sigmoidoscopia). Lembrando que em caso de história familiar de câncer colorretal, a idade para realização dos exames deve ser 10 anos abaixo da idade na qual o parente teve o câncer detectado.
Também para detectar câncer e outras doenças como a doença de Crohn, a pesquisa de sangue oculto nas fezes também deve ser rotineira a partir dos 50 anos. A frequência recomendada é bem fácil de lembrar: anual.
Nesta faixa etária, a pesquisa de diabetes e o eletrocardiograma também passam a ser anuais.
A partir dos 60 anos: isopor
Ainda que as mulheres sejam as maiores vítimas, os homens também podem sofrer de osteoporose. Para a prevenção, a partir dos 65 anos, é recomendada a realização de uma densitometria óssea a cada 5 anos.
Já tive experiências em operar ossos bastante osteoporóticos: é algo parecido com atochar parafuso num isopor. O osso quebra por qualquer trauma banal. E é algo fácil de prevenir.
Observações importantes sobre o guia
1. Os exames citados acima são linhas gerais para um check-up e, em sua maioria, independem de um exame físico ou análise histórica do paciente, pois se fundamentam na epidemiologia das doenças.
2. Ainda assim, o check-up ideal pode variar em outros locais. No Japão, por exemplo, a incidência de câncer gástrico é muito elevada. Se nosso guia fosse para o homem japonês, a partir dos 30 anos, uma endoscopia digestiva alta estaria indicada para toda e qualquer pessoa. Aqui no Brasil, não precisamos disso.
3. Para não ter erro de interpretação: o paciente que passa de uma faixa etária deve continuar fazendo os exames da faixa etária anterior, de forma cumulativa.
4. Para todo e qualquer check-up, é necessária a avaliação de um médico, que, de acordo com os dados colhidos na anamnese e na semiologia, indicará exames adicionais ou aumentará a periodicidade dos exames rotineiros. Não citei aqui os exames de sangue básicos, como o hemograma, pois eles estão inclusos em toda e qualquer rotina de check-up.
E nada de pegar esse guia e ir apenas fazer o check-up num laboratório! A condução por um profissional médico é essencial.
Um depoimento pessoal
Confesso que cuido melhor da saúde dos outros do que da minha, mas a pouca experiência com check-up que tenho me gerou praticamente uma cura. Portador de rinite alérgica, aos 16 anos, após uma noite mal dormida depois de uma crise violenta, comprei um descongestionante nasal e comecei a usar regularmente.
Descongestionantes nasais atuam causando contração dos vasos sanguíneos locais, o que diminui o volume das adenóides (uma espécie de revestimento interno do nariz) e deixa o ar passar, “desentupindo”. No entanto, quando passa o efeito, existe uma espécie de rebote: os vasos dilatam violentamente e o nariz entope de novo. E você vicia no descongestionante.
Assim foi durante incríveis 12 anos. Eu usava o maldito descongestionante todo santo dia. Chegava a ser cômico. Para sair de casa, eu levava meu celular, chave do carro, carteira… e o descongestionante. Tinha estoque em casa. Não vivia sem. Quase comprava no varejo.
A vasoconstrição que os descongestionantes causam não ocorre só no nariz. Ela ocorre no organismo todo, e isso tem um efeito colateral: Aumenta a pressão arterial. E por não checar minha pressão regularmente, eu sequer sabia o que estava acontecendo.
Um belo dia, quando eu já tinha meus 28 anos, era 2º tenente médico do Exército e estava num plantão no Hospital Central. Acometido por uma crise da rinite, enchi meu nariz de descongestionante. No dia seguinte, antes de um teste de avaliação física (TAF), todos os participantes tiveram a pressão arterial aferida – coisa que eu não fazia há milênios. Eu não pude participar do TAF porque minha pressão deu 150 x 100 mmHg. Eu era oficialmente hipertenso aos 28 anos (leve, mas hipertenso).
Naquele dia, resolvi dar um jeito de parar com o descongestionante. Foi um mês infernal. Eu passava o dia inteiro fungando, respirando pela boca, parecia uma fábrica de catarro. Só usava pra dormir (ninguém era de ferro). Mas passou um mês e com auxílio de corticóide nasal eu consegui me livrar do descongestionante. Ainda uso, mas muito esporadicamente, umas 3 vezes por ano, um dia só.
Então comecei a monitorar minha pressão arterial. Mesmo sem o remédio, ela teimava em continuar alta. Parti então para a segunda parte do meu plano: superar o sedentarismo.
Depois que comecei a malhar, correr e fazer outras atividades físicas, minha pressão arterial, aos 35 anos de idade, é de 110 x 70mg. Digo isso porque toda semana eu dou uma conferida.
Prevenção é tudo. E ver o resultado motiva ainda mais. Eu me curei da hipertensão arterial sem precisar de medicamentos.
Dr Health, cada vez mais Health (se servir de inspiração para que todos se cuidem, fico satisfeito).
…
Oferecimento: Desafio Pharmaton
O pessoal do polivitamínico Pharmaton convidou o PapodeHomem para participar do Desafio Pharmaton (www.desafiopharmaton.com.br), composto por uma série de etapas focadas em melhorar o eixo corpo-mente.
Além de mudar seus hábitos, o Felipe enfrentará corridas, avaliação com nutricionista e check-up médico, entre outras várias ações que relataremos aqui nas próximas semanas. Assista ao vídeo e entenda como se desafiar.
Link YouTube | Dois mestres brasileiros da corrida e o desafio de mudar o hábito de 60 pessoas
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