Aproveitando o momento ufanista que surge pela proximidade da Copa do mundo, percebo como um bom momento para refletirmos sobre nossos valores e preconceitos. Não quero falar sobre o cármico jeitinho brasileiro que tanto nos prejudica e do qual ainda temos.

Se temos algo genuinamente brasileiro do qual devemos nos orgulhar, é nosso drink nacional: a caipirinha. De cachaça, sempre!

Que todo brasileiro é chegado numa caipirinha é fato. Que ela é um dos drinks mais consumidos e apreciados do mundo também. Mas o que poucos brasileiros sabem é que os gringos lá de fora bebem uma Caipirinha muito melhor que a maioria dos brasileiros. E por um motivo muito simples: somos uma nação de preconceituosos que tem vergonha das próprias raízes e por isso deixamos de valorizar uma das mais genuínas expressões culturais do Brasil: a cachaça.

Veja aqui no vídeo como fazer uma legítima Caipirinha e depois aprenda um pouco mais sobre ela.

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Origem misteriosa

Pago a conta de quem me apresentar a história real e oficial da Caipirinha, pois sua primeira aparição é um completo mistério em nossa história. Deduz-se que sua origem data da época da escravatura, já que os escravos tinham sua dura rotina de trabalho aliviada por uma dose da “dengosa”. Alguns escravos que trabalhavam no garimpo nas Minas Gerais passavam o dia abastecidos de cachaça, pois como seu trabalho era ficar na água manuseando a bateia, precisavam beber para manter-se aquecidos.

O que a história da coquetelaria nacional supõe é que provavelmente foi com o intuito de recuperar a saúde de algum escravo gripado tenha-se dado cachaça misturada à energia do açúcar e à vitamina C do limão. Daí a colocar gelo e transformar esse “elixir” num dos drinks mais apreciados do mundo vão-se alguns anos de história.

Receita do Dr. Drinks para fazer uma boa Caipirinha

Pra fazer uma boa Caipirinha você só precisa de:

  • Copo de 300mL (qualquer copo de 300mL)
  • Limão
  • Cachaça (eu usei a excelente J’Reis prata, suave e muito harmônica com o drink)
  • Açúcar
  • Gelo
  • Mudler (socador de, perdoem-me o pleonasmo, caipirinha)

Corte o limão ao meio verticalmente e tire a junção dos gomos, uma membrana branca muito azeda que pode acabar com seu drink. Faça alguns cortes na casca do limão para o suco fluir com mais facilidade. Ponha as duas metades do limão e duas colheres de sopa de açúcar no copo e macere bem com o mudler até que o suco do limão tenha dissolvido todo açúcar. Acrescente algumas pedras de gelo, complete o copo com cachaça e mexa com o utensílio que achar mais apropriado. Simples assim.

Coqueteleira pra fazer Caipirinha é de um artificialismo sem tamanho. Primeiro porque o segredo da boa caipirinha é macerar o limão junto com o açúcar, e segundo porque a mexida com uma colher, um misturador ou um palito de madeira dão o paladar ideal ao drink, que não é uma mistura totalmente homogênea. Portanto quando for pedir uma Capirinha é sempre “stirred, not shaken”.

Créditos: cxwww | E, por favor, não beba com o canudinho

Questão de identidade

No México, em um passado não muito distante, a tequila era considerada uma bebida inglória, rejeitada pelos próprios mexicanos que eram marginalizados nos EUA e deixavam-se levar por valores que não eram os deles. Mas isso mudou de uma forma tal que hoje a tequila é um símbolo nacional mexicano e um destilado apreciadíssimo no mundo inteiro, inclusive nos EUA, sendo intimamente ligada à sedução. Talvez pela loucura sem noção que a maioria das pessoas fica depois de algumas doses…

Aqui no Brasil temos preconceito contra a cachaça. Muitos acham que é uma bebida de baixo nível, “coisa de pobre, de preto e de favelado” (como se isso fosse algum xingamento!). Mas analise por outro prisma: é a única bebida genuinamente brasileira. Se até um mendigo é capaz de comprar e beber, isso a torna uma bebida democrática.

Aliás, falando em democracia, veja o que fala o decreto nº 4.851, de 2/10/2003:

“Caipirinha é a bebida típica brasileira, com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida exclusivamente com Cachaça, acrescida de limão e açúcar (Art. 1º, § 4º).”

Atualizado pelo decreto nº 6.871, de 4/6/2009:

“A bebida prevista no caput, com graduação alcoólica de quinze a trinta e seis por cento em volume, a vinte graus Celsius, elaborada com cachaça, limão e açúcar, poderá ser denominada de caipirinha (bebida típica do Brasil), facultada a adição de água para a padronização da graduação alcoólica e de aditivos.”

O presidente por trás? Sim, ele mesmo, o Lula, a quem muitos chamam de cachaceiro. Foi justamente esse senhor que teve a grande sacada de publicar um decreto-lei visando proteger um de nossos maiores patrimônios e ajudar a dar a nosso drink o status de símbolo da nação. Por mais quixotesco que seja isso, lá fora qualquer gringo conhece três símbolos do Brasil: bunda, favela e caipirinha. Não necessariamente nessa ordem.

Propaganda de uma marca americana de cachaça

Cachaça, vodka, rum ou sakê?

Essa pergunta me parece um tanto óbvia na resposta, mas tenho visto tantas adaptações depreciativas da boa e velha caipirinha que achei necessário ter ao menos dois parágrafos para falar sobre isso.

Muita gente acha que a única diferença entre o rum e a cachaça é o país de origem, já que os dois são derivados da cana de açúcar. Ledo engano, pois o rum é fermentado e destilado a partir do melaço de cana, uma etapa à frente da nossa “branquinha”, feita a partir da fermentação do caldo da cana. Por isso a cachaça tem mais gosto de cana que o rum, pois sua origem é mais natural enquanto o rum já é feito a partir de uma primeira fase de industrialização do caldo de cana.

E pra encerrar este tópico acho importante salientar que devemos todos andar dentro dos limites da lei e assim evitar problemas judiciais e com a polícia. Portanto faça-se cumprir a lei e peça sua caipirinha sempre com cachaça. Até porque se não for com cachaça não será caipirinha. Pode ser caipiroska, caipiríssima, sakerinha. Tão genuínas quanto uma feijoada de grão de bico…

Por que gostar de cachaça?

Primeiro porque não existem somente aquelas cachaças vagabas de garrafa plástica. Temos diversos bons alambiques no país que foram melhorando e aprimorando seus processos de destilagem e fabricação ao longo dos últimos anos. Se isso ainda não lhe bastar, reforço dizendo que existem cachaças apreciadíssimas fora do país e que uma garrafa delas lá fora custa mais caro que uma garrafa de whisky.

Depois, porque bebendo cachaça estamos bebendo nossas próprias raízes e reafirmando o valor de nossa história. A cachaça é a expressão viva de nossa cultura, é uma peculiaridade de nossa identidade como país. Nenhum outro aspecto cultural brasileiro define tão bem o espírito de nossa gente do que um martelinho da “marvada”.

E você, sabe apreciar nossas riquezas culturais como a caipirinha com cachaça ou é mais um daqueles que acha que tudo que vem de fora é mais gostoso? Falem sobre suas experiências com caipirinha e com cachaça, pois acho que esse tema dá debate pra mais alguns posts e gostaria muito da colaboração de vocês pra, quem sabe, nos próximos textos falar mais sobre cachaça, suas formas de produção e como degustar de maneira correta uma boa pinguinha.

Agradecimentos especiais aos leitores engajados

Aos leitores que enviaram material para o post dos leitores na semana passada. O feedback que vocês me deram por e-mail me fez ver o quanto vale à pena fazer este trabalho. E aos meus amigos Jonathas e Lívia da JReis que produzem uma excelente cachaça prata e uma ouro que não tenho nem palavras pra descrever. Long life to cachaça!

Dr. Drinks na web

No Twitter @juniorwm, eu compartilho muita coisa sobre bebidas. E meu email, com vocês sabem, é drdrinks@papodehomem.com.br

Junior WM

Um grande apreciador de história e histórias. Vive a vida de forma que seja lembrada como honrada e humana. Ama os prazeres da vida e sua família. Escreve sobre passar pelo mundo com dignidade e alegria. Contribui com a revolução digital por acreditar em seu caráter humanitário e num mundo melhor.

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