Cada vez mais tenho gostado de estar e passear por São Paulo. Principalmente pelo centro.

A realidade dessa região da cidade é, sim, um pouco deprimente, mas arrisco dizer que é um lugar cada vez mais democrático. Tem todo tipo de gente, de comércio, de conversa, de restaurante, boteco e, certamente, muitas histórias a serem contadas.

Fico pensando se esse encantamento curioso talvez não tenha sido o mesmo que acabou atraindo a indústria cinematográfica em meados da década de 70 para cá (com certa margem de erro em anos para mais e para menos).

Digo isso principalmente porque a região entre as ruas Triunfo e Aurora, rebatizada no início dos anos 90 de Cracolândia e que infelizmente virou cenário de certa repressão à população que ali vive (na rua mesmo), foi cenário para diversos filmes (chegam a falar de uns 700!), principalmente da pornochanchada (mas não só).

Na época, a então ‘Boca do Lixo’ era um cenário relativamente barato para as produções autorais que batiam de frente com o avanço das produções enlatadas.

Nesta toada, parte dos diretores buscavam mesmo era retratar personagens mais popularescos, ruas reais (ou sujas), enfim, gente que desse veracidade às histórias nas telonas. Tanto que os gêneros filmados por ali variavam entre o terror, policial, drama, tragicomédia e erótico. Todos sempre com um toque experimental. Esse ato de ressignificar um espaço de estética degradada é realmente encantador.

Outro fato que me deixou surpreso sobre a Boca do Lixo é que, lembremos, na época de seu auge vivíamos a ditadura militar e ali próximo ficava o prédio paulistano da Censura Federal.

Por fim, a Boca (espaço físico) passou a nomear também o movimento cinematográfico da época. 

Os diretores da “Boca”

Claro que não estou sozinho nesse encantamento paulistano.

Muito antes de mim, outros “roteiristas da vida” – estes profissionais – enxergaram na Boca do Lixo um cenário ideal para seus filmes. Falo do roteirista e diretor Carlos Reichenbach, o Carlão, de Corrida em Busca do Amor (1972), O Guru e Os Guris (1973) e um dos maiores sucessos, A Ilha dos Prazeres Proibidos (1979). 

Carlos Reichenbach atrás da câmera

Falo também de Claudio Cunha que esteve à frente de diversos filmes e curtas da época. Como ator esteve em O Clube das Infiéis (1974), como ator e diretor, Damas do Prazer (1978), de Roberto Mauro, Snuff, Vítimas do Prazer (1977), Amada Amante (1978) e tantos outros.

E o Silvio de Abreu? Hoje líder das novelas globais, chegou a ter uma produtora no local, no antigo edifício Soberano, de onde saíram O Bem Dotado (1978), Cada um dá o que tem (1975) e Elite Devassa (1984).

Silvio de Abreu e Fernanda Montenegro

Nessa lista extensa não podemos esquecer de Luiz Castellini, Walter Hugo Khouri, Julio Bressane, Chico Cavalcanti, além, claro, de José Mujica, o Zé do Caixão e o grande Ozualdo Caldeiras que também passaram por ali. 

Da Boca do Lixo ao estrelato

E se tinha muito filme sendo feito por ali, quer dizer que atores e atrizes trabalharam muito nessa época.

Não é difícil, inclusive, nos depararmos com grandes estrelas de hoje que tiveram seu início (ou alguma passagem) na Boca do Lixo.

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É o caso de Nuno Leal Maia, que esteve em Mulher Objeto (1981) e também em Elas São do Baralho (1977), dirigido por Silvio de Abreu e que também tinha Antônio Fagundes no elenco.

Nuno Leal Maia

Jornalista, publicitário, professor de literatura, o saudoso (também ator) Paulo Villaça protagonizou um dos clássicos da época, O Bandido da Luz Vermelha (1968).

Paulo Villaça e Helena Ignez

Cenas do filme, que conta a história de João Acácio Pereira da Costa, que atacava casas luxuosas usando uma lanterna vermelha, foram rodadas ali no quadrilátero do centro de São Paulo.

Até mesmo o nosso repórter policial mais caricato e amado do País, Gil Gomes, deixou sua marca nos filmes da Boca do Lixo. Interpretando a si próprio, teve seus nomes no elenco de O Outro Lado do Crime (1978), de Clery Cunha. 

Gil Gomes

Da ala feminina, Helena Ramos frequentemente entra para a lista das musas dos filmes da Boca do Lixo. A atriz contracenou com Nuno Leal Maia em Mulher Objetivo (1981), Mulher, Mulher (1979) e Iracema – A Virgem dos Lábios de Mel (1979), de Carlos Coimbra.

Helena Ramos

Neide Ribeiro também tem sua história ligada à Boca do Lixo, por sua participação em "Nem as Enfermeiras Escapam" (1977), de André José Adler, "Corpo Devasso" (1980), de Alfredo Sternheim.

Neide Ribeiro

Entram aqui também Aldine Muller e Zilda Mayo. Sem esquecer, claro, das estrelas das pornochanchadas Nicole Puzzi e Monique Lafond. 

Uma lista não faz mal a ninguém

Na pesquisa para entender os grandes nomes da Boca Lixo, claro, me deparei com muitos filmes, alguns que já citei mais em cima.

Outros me chamaram atenção por suas sinopses ou por serem tão obscuros que chega a ser difícil conseguir imagem sobre eles. Estes últimos são os que compartilho a seguir:

O Bandido da Luz Vermelha (1968)
Independência ou Morte, com Tarcísio Meira e Glória Menezes (1972)
À meia noite levarei sua alma (1964)
Onda nova (1983)
Mulher Objeto (1981)

Mecenas: Magnífica 70

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Quando a realidade se torna insustentável, a ficção é a única saída.

A década de 1970 representou anos incríveis: se a realidade era dura, a solução era encontrar fugas. Fossem elas as músicas de Jimi Hendrix; as atuações de Marlon Brando; as jogadas de Pelé; ou a liberdade sexual. Imersa nessa atmosfera, Magnífica 70 mostra o confronto entre o desejado e o proibido, a vontade e a repressão, a liberdade e o preconceito.

Na primeira temporada disponível na HBO GO, Vicente é um paulistano que leva uma vida acomodada e reprimida até começar a trabalhar na produtora de filmes Magnífica e se envolver em golpes e triângulos amorosos. Mas Dora, uma atriz sedutora e viciada, retorna nesta segunda temporada para enfrentar seus dilemas, tentar se livrar da polícia e entregar a conta da farra.

A segunda temporada de Magnífica 70 será transmitida todos os domingos às 22h na HBO Brasil, e os episódios também estarão disponíveis na HBO GO simultaneamente.

Danilo Gonçalves

Um cara alegre e gosta de ser lembrado assim. Jornalista de formação, com um pé na publicidade, gosta de Novos Baianos, Doces Bárbaros e Beatles. Já gostou de Calypso e como todo gay que se preze, é fã da Beyonce.