Você apanhava dos seus pais quando era pequeno? Se sim, quando isso acontecia, você aprendia a não cometer o mesmo erro que levou seus pais a lhe darem um “corretivo”?

Não, né?

Então por que diabos, até hoje, a gente acha que bater em criança resolve? “Pra ela aprender?” sendo que, com a gente, isso nunca funcionou. E nem com nossos pais, veja bem, que apanharam muito, mas muito mais que qualquer um de nós.

Link YouTube | Um pai dos anos 50 ensinando seus filhos (filme: A Árvore da Vida)

Outro dia eu vi um post da Natacha — que é recém mamãe do lindo Theo — falando sobre isso. Discutimos um pouco por lá e me passaram um ótimo conteúdo para falar sobre o assunto que é muito pouco discutido por aí.

Eu tive a sorte de crescer numa família bem aberta. Meus irmãos e eu sempre tivemos liberdade para falarmos sobre qualquer coisa, para fazermos qualquer coisa. Meus pais sempre foram muito abertos em relação a tudo. Lembro de apanhar pouco, mas muito pouco mesmo. E a gente só tomava uns tapas da minha mãe (meu pai raramente intervia). A punição do meu pai era uma colher de pimenta, ou um puxão de orelha.

O único efeito colateral disso tudo acho que foi meu irmão mais velho ter aversão a pimentas de qualquer tipo. Aprendemos também a jamais fazer raiva na minha mãe enquanto ela carregasse algum objeto de qualquer natureza nas mãos.

Importantíssimo dizer que nenhuma dessas punições, nenhuma das vezes, surtia o menor efeito no sentido de educar. No sentido de “não posso fazer mais isso”. Mas essa foi a minha experiência. Uma criança jamais poderia fazer algo tão sério a ponto de ser agredida severamente — ou brandamente — de quem quer que seja, física, verbal ou psicologicamente.

Estudos comprovam por A mais B que bater em criança é, de longe, a pior solução quando o objetivo é educar ou ensinar algo. Pelo contrário, violência física contra crianças ou adolescentes podem trazer resultados péssimos para um ser que poucas vezes é entendido como deveria. E muito disso vem da cultura idiota de que não podemos errar.

Além de ensinar para uma criança que ela tem de ser perfeita, você ensina que violência é uma resposta imediata para algo que você acredita que esteja errado. Encontrei uma citação de duas autoras — Maria Amélia Azevedo e Viviane Nogueira Guerra — que exemplifica bem isso:

“Toda a ação que causa dor física numa criança ou adolescente, desde um simples tapa até o espancamento fatal, representam um só continuum de violência”
— do livro Mania de bater: a punição corporal doméstica de crianças e adolescentes no Brasil

A mesma cultura machista e preconceituosa que impera geração após geração da nossa sociedade, aquela que ensina que a piada da loira burra, de que mulher tem que pilotar fogão e de que preto correndo é ladrão é “só uma piada”. É a mesma que diz que criança que faz pirraça, ou criança mal educada é que não apanhou o bastante. E isso é simplesmente aceito como normal por boa parte de todo mundo. O que pra mim é uma loucura.

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Isso sem contar o enorme número de crianças e adolescentes que, além de serem agredidas física, sexual e psicologicamente, crescem com o sentimento de que elas merecem isso e que a culpa disso tudo é tão somente delas. Você tem noção no adulto que essa criança irá se tornar?

De acordo com a organização End of All Corporal Punishment os principais efeitos são:

  • Impactos negativos na saúde física e mental;
  • Crescimento de agressividade;
  • Crescimento da perpetuação da violência;
  • Comportamento antissocial;
  • Péssimo desenvolvimento cognitivo;
  • Relações entre familiares prejudicadas.

Isso só para citar alguns, que são decorrência de violência contínua. Sem falar, é claro, de danos físicos diretos como ossos e dentes quebrados, desmaios, e até morte. Além dos óbvios efeitos, um me chama atenção no sentido de que ao “educar” com violência, você só estará afastando seus filhos de você mesmo. Imagine o pavor que a criança tem de contar a verdade?

Você sabia que, no ano de 2012, foram registrados mais de 120.000 casos de agressão contra crianças só aqui no Brasil? Se essas foram as registradas segundo os dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, calcule por alto quantidade de crianças agredidas no total. Ou você acredita mesmo que esse número assustador é real? Ele dá — infelizmente — apenas uma ideia de como o problema é sério.

Essa educação medieval de bater em criança “pra ela aprender” (de uma vez por todas), deveria ser muito mais discutida aqui. Só para citar alguns países — e não, não vou citar nenhum primeiro mundo — onde existem leis que proíbem diretamente qualquer tipo de violência física contra crianças e adolescentes; Israel, República do Congo, Togo, Tunísia, Uruguai e Venezuela. Confira alista completa aqui.

Esse texto é só um olhar superficial em algo que está totalmente ligada à educação nosso país. E em como a nossa sociedade perpetua ensinamentos, dogmas e costumes de um tempo que seres humanos eram considerados animais por terem a pele negra. É apenas um ponto de partida e uma lembrança a todos os meus amigos que estão pipocando como papais e mamães por aí.

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Notas

Algumas fontes e dados vieram da ótima fan page Bater em Criança é Covardia, no Facebook, dica da Natacha Orestes e da Andreia Mortensen que me incentivaram a escrever sobre isso e passaram muita informação. Acessem o site da End of All Corporal Punishment para uma visão mais detalhada sobre essa luta no mundo inteiro. Segue um link também de um estudo feito durante 20 anos sobre punição física em crianças.

Já publicamos, também, aqui no PapodeHomem, o belíssimo texto da Isabella Ianelli sobre o assunto, chamado “Palmadas, chineladas e porradas da educação ausente“.

Pedro Turambar

Pedro tinha 25 anos e já foi publicitário. Ganha a vida fazendo layouts, sonha em poder continuar escrevendo e, quem sabe, ganhar algum dinheiro com isso. Fundou o blog <a>O Crepúsculo</a> e tem que aguentar as piadinhas até hoje. No Twitter