Se você acessou a Internet na última semana, provavelmente topou com esse vídeo um tanto quanto surpreendente, em que um barbeiro produzia em seus clientes topetes não apenas incrivelmente grandes e coloridos como também impressionantemente resistentes. E quando eu falo “incrivelmente resistentes” eu falo “num dado momento o cara amassa o cabelo da pessoa com um aparelho de ar-condicionado e o cabelo volta pra posição normal como se nada tivesse acontecido”, é esse o nível de resistência.

E como por trás de todo vídeo peculiar da Internet, existe uma história, seja o vídeo de uma manifestação na França ou de um cachorrinho que anda de jet ski, talvez a essa altura você já saiba que o homem no vídeo é Ariel Barbeiro, dono de um salão na zona norte de São Paulo, um ex-presidiário que aprendeu o ofício enquanto cumpria sua pena e hoje se tornou um fenômeno por pegar o corte conhecido como “pompadour” e elevar a ideia ao seu ápice criativo, o chamado “corte blindado”.

Mas além do óbvio aspecto positivo da narrativa – num país que lida tão mal com sua população carcerária e que vive uma crise econômica tão complicada, um ex-presidiário não apenas retomar sua vida como se tornar um pequeno empresário de sucesso já seria algo de impressionante mesmo sem ele estar fazendo topete indestrutíveis – o vídeo de Ariel Barbeiro, como qualquer coisa que chama um mínimo de atenção na Internet, recebeu também a sua cota de críticas.

Sim, teve gente falando que o corte blindado é “coisa de favelado”, sim, teve gente criticando porque cabelo assim é “hétero top” e claro, também teve gente falando que é feio e derivados. Afinal, se tem uma coisa que nós aprendemos na era das redes sociais é que, hoje em dia, Narciso não só acha feio o que não é espelho como depois vai pra Internet reclamar e dizer que essa coisa nem tem o direito de existir.

E aí surgem duas questões. Primeiro a de como não sabemos lidar com o diferente, mesmo quando é algo simples como um cabelo. Isso porque nos acostumamos ao que é “padrão”, nos cercamos do que é parecido, nos sentimos validados pela nossa permanência dentro de um grupo e de um referencial. Então quando nos deparamos com algo que não apenas é diferente como valida todo um padrão estético destoante daquele que fomos treinados para obedecer – os clientes de Ariel não apenas estão com um corte diferente do seu como estão se sentindo muito foda por isso e vivendo num ambiente que considera esses cabelos foda também – a reação de muitos de nós é rejeitar imediatamente essa informação para reafirmar o nosso senso de pertencimento.

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Isso sem nem entrar nos aspectos sociais de ver pessoas de classe média tentando invalidar uma coisa que aumenta a autoestima das pessoas da “quebrada” ou todo o processo de “comoditização” da imagem alheia que vivemos,  onde todo mundo acha que tem o direito de opinar sobre a aparência do outro como se alguém tivesse a obrigação de ter um visual que coubesse nos nossos padrões – e você pode extrapolar isso para todas as questões de roupa, cabelo, peso ou pêlos que você puder imaginar.

E a segunda questão, diretamente relacionada à outra, é sobre a necessidade que vivemos hoje, principalmente nas redes sociais, de opinar de maneira negativa e contundente sobre questões que muitas vezes não entendemos ou que não são exatamente ligadas a nós. Todos têm o direito de expressar suas opiniões? Claro que sim, é a magia do estado democrático. Mas quando você vê um vídeo sobre um trabalho que você não entende, você agrega alguma coisa ao simplesmente falar “que lixo kkkkkk”? 

Quando você vê a foto de uma pessoa que não conhece, o que você ganha chamando essa pessoa de feia?

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Não que na Internet as pessoas devessem realizar apenas comentários positivos ou críticas construtivas, mesmo porque isso provavelmente acabaria com uns 90% da interação humana nas redes sociais.

Mas é interessante pensar no quanto nós usamos esses canais que foram criados para difundir informações e permitir troca de ideias apenas para sermos aleatoriamente escrotos e descontar em desconhecidos as frustrações que temos com nossa vida, nosso trabalho ou mesmo nossa incapacidade de ter um topete realmente impressionante.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode