Se você acessou a Internet na última semana, provavelmente topou com esse vídeo um tanto quanto surpreendente, em que um barbeiro produzia em seus clientes topetes não apenas incrivelmente grandes e coloridos como também impressionantemente resistentes. E quando eu falo “incrivelmente resistentes” eu falo “num dado momento o cara amassa o cabelo da pessoa com um aparelho de ar-condicionado e o cabelo volta pra posição normal como se nada tivesse acontecido”, é esse o nível de resistência.
They really put a mini-fridge on this man’s head pic.twitter.com/XnT1AE2wL3
— Bailey Carlin (@BaileyCarlin) December 16, 2018
E como por trás de todo vídeo peculiar da Internet, existe uma história, seja o vídeo de uma manifestação na França ou de um cachorrinho que anda de jet ski, talvez a essa altura você já saiba que o homem no vídeo é Ariel Barbeiro, dono de um salão na zona norte de São Paulo, um ex-presidiário que aprendeu o ofício enquanto cumpria sua pena e hoje se tornou um fenômeno por pegar o corte conhecido como “pompadour” e elevar a ideia ao seu ápice criativo, o chamado “corte blindado”.
Mas além do óbvio aspecto positivo da narrativa – num país que lida tão mal com sua população carcerária e que vive uma crise econômica tão complicada, um ex-presidiário não apenas retomar sua vida como se tornar um pequeno empresário de sucesso já seria algo de impressionante mesmo sem ele estar fazendo topete indestrutíveis – o vídeo de Ariel Barbeiro, como qualquer coisa que chama um mínimo de atenção na Internet, recebeu também a sua cota de críticas.
Sim, teve gente falando que o corte blindado é “coisa de favelado”, sim, teve gente criticando porque cabelo assim é “hétero top” e claro, também teve gente falando que é feio e derivados. Afinal, se tem uma coisa que nós aprendemos na era das redes sociais é que, hoje em dia, Narciso não só acha feio o que não é espelho como depois vai pra Internet reclamar e dizer que essa coisa nem tem o direito de existir.
E aí surgem duas questões. Primeiro a de como não sabemos lidar com o diferente, mesmo quando é algo simples como um cabelo. Isso porque nos acostumamos ao que é “padrão”, nos cercamos do que é parecido, nos sentimos validados pela nossa permanência dentro de um grupo e de um referencial. Então quando nos deparamos com algo que não apenas é diferente como valida todo um padrão estético destoante daquele que fomos treinados para obedecer – os clientes de Ariel não apenas estão com um corte diferente do seu como estão se sentindo muito foda por isso e vivendo num ambiente que considera esses cabelos foda também – a reação de muitos de nós é rejeitar imediatamente essa informação para reafirmar o nosso senso de pertencimento.
Isso sem nem entrar nos aspectos sociais de ver pessoas de classe média tentando invalidar uma coisa que aumenta a autoestima das pessoas da “quebrada” ou todo o processo de “comoditização” da imagem alheia que vivemos, onde todo mundo acha que tem o direito de opinar sobre a aparência do outro como se alguém tivesse a obrigação de ter um visual que coubesse nos nossos padrões – e você pode extrapolar isso para todas as questões de roupa, cabelo, peso ou pêlos que você puder imaginar.
E a segunda questão, diretamente relacionada à outra, é sobre a necessidade que vivemos hoje, principalmente nas redes sociais, de opinar de maneira negativa e contundente sobre questões que muitas vezes não entendemos ou que não são exatamente ligadas a nós. Todos têm o direito de expressar suas opiniões? Claro que sim, é a magia do estado democrático. Mas quando você vê um vídeo sobre um trabalho que você não entende, você agrega alguma coisa ao simplesmente falar “que lixo kkkkkk”?
Quando você vê a foto de uma pessoa que não conhece, o que você ganha chamando essa pessoa de feia?
Não que na Internet as pessoas devessem realizar apenas comentários positivos ou críticas construtivas, mesmo porque isso provavelmente acabaria com uns 90% da interação humana nas redes sociais.
Mas é interessante pensar no quanto nós usamos esses canais que foram criados para difundir informações e permitir troca de ideias apenas para sermos aleatoriamente escrotos e descontar em desconhecidos as frustrações que temos com nossa vida, nosso trabalho ou mesmo nossa incapacidade de ter um topete realmente impressionante.
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