Fui surpreendido com a informação de que os shows do Pearl Jam no Brasil não teriam área VIP. A notícia não casava com o registro visual do show da banda no Rio de Janeiro em 2005, em que playboys degladiavam-se ao som de “Alive”.

Sei que Pearl Jam tocou muito na rádio e atinge um público muito além dos ex-grunges. Então, era de se imaginar que haveria um lugar exclusivo, a preço de R$ 800,00 no mínimo por cabeça, para assistir ao show melhor do que os outros.

“O que se passa? Estamos cá, nesse deleitoso recinto, a ver um concerto de roque”

Faço um exercício mental e lembro das vezes em que o destino me fez chegar às mãos gratuitamente  um convite VIP. Estava lá eu, na área seletiva, atormentando a vida de quem não podia ou sabiamente não estava a fim de pagar o preço abusivo para assistir ao show de mais perto.

Olho em volta, vejo a cidade onde eu vivo e tudo me parece natural. Uma amiga que trabalha na – avenida empresarial famosa em São Paulo – Berrini me conta que colegas de trabalho de classe alta a perguntam como ela chega ao escritório. “De ônibus”. Olhares curiosos: “Ué, tem como?”. Das cidades que conheço no Brasil, falo sem medo da característica mais odiosa e latente daquela que mais amo, São Paulo: a rua é enojada e evitada pelos paulistas.

Aqui, é comum ir só de espaço privado para outro espaço privado. E naturalmente no seu automóvel individual. Estar no espaço urbano público é se igualar àquele que pode não ter a mesma situação econômica e cultural que a sua e, assim, estar sujeito às mesmas leis. Tem coisa mais odiosa para um brasileiro elitizado do que estar sujeito aos mesmos princípios que aquele que não goza nem de um terço de sua cultura, riqueza e relações?

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A obra do antropólogo Roberto DaMatta disseca o que faz do Brasil o Brasil. A atitude de achar que, por qualquer motivo particular, você tem preferência sobre o outro é universal do Oiapoque ao Chuí e tem diferentes variações em cada cidade ou região. No Rio ou em Salvador, ser amigo de artista vai te levar de graça às festas e aos camarotes que você vê na televisão.

E, se for bem espertinho, ainda se dá bem com todas as gatinhas do pedaço

Em Brasília, a imunidade consular te permite fazer do trânsito algo similar a uma pista de teste de uma fábrica de automóveis. Em Florianópolis, ser amigo de qualquer político vai garantir petiscos de graça no mercado municipal da cidade.

No boom da mobilidade social no país, tento imaginar as formas de diferenciar os iguais. Já me deparei com uma delas. Numa festa privada no Hotel Unique para poucos convidados, com show de banda gringa, nem todos conseguiam acesso mais próximo ao palco: havia uma área VIP dentro da festa VIP que privilegiava alguns convidados. Tem coisas que só São Paulo faz por você.

Leonardo Moura

<strong>Leonardo Moura</strong> é o carioca mais paulistano que existe. Formado em jornalismo e administração, trabalha há mais de 10 anos em mídia eletrônica segmentada. É autor do livro Como Escrever na Rede - Manual de Conteúdo e Redação para Internet" e do blog <a href="http://omundoem2d.wordpress.com">"O Mundo em 2 Dias"</a>."