Daí que realmente acho que essa história de “não tem coisa mais brochante que uma calcinha bege” é coisa da Victoria’s Secret.

Mito transformado em verdade absoluta mediante esforço brutal de propaganda, ideia vendida desde que inventaram o conceito de “matéria paga” (ok, Cosmopolitan?), explícita cagação de regra sobre o meu, o seu, o nosso tesão.

Conspiração comercial pura, anabolizando gastos no dia dos namorados, no Natal e no dia da secretária. Banalizando o espetáculo.

“Amor, acho que você se confundiu de presente: essa é a calcinha da sua mãe!”
"Amor, acho que você se confundiu de presente: essa é a calcinha da sua mãe!"

Influenciado que também sou pelo mundo que me cerca, acho extremamente prazeroso passar numa loja de lingerie e comprar uma peça sexy para a mulher já há uma década a meu lado. Assim, chegar em casa com a peça e dizer “Olha, te imaginei vestindo isso e não resisti”. Brincar de ajudá-la a me seduzir, embora às vezes soe como ensinar o “Pai Nosso” ao vigário.

Difícil é entender o motivo de tanto esforço de caracterização quando na “Hora G” o mais legal é justamente desembalar o presente, desfazendo o embrulho com pressa, urgência, desatando nós e laços, maltratando rendas, indo com sede ao pote.

Claro, quando abunda não prejudica, mas nem na cama a forma pode ser mais importante que o conteúdo.

Fuga momentânea do ato cotidiano, ideia sempre válida; mudança de cenário, role-playing despertando velhos sentimentos, novas sensações; fantasias propostas, sugeridas, imaginadas, nem sempre confessáveis, nem sempre passíveis de realização, às vezes por isso mesmo ainda mais eficazes como estímulo. Aspectos lúdicos que não se devem jamais perder de vista nessa brincadeira a dois. Pra ficar só em dois.

Fico aqui pensando se não é a tal “lingerie sexy” um tipo de muleta para o ato da sedução, conferindo ao processo todo um ar ritualístico que, no limite, faz com que se perca (às vezes menos, às vezes mais) o foco. O que é realmente importante, afinal?

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Calcinha bege, daquela já com elástico meio frouxo mas ainda superconfortável, é só um detalhe; há muito mais coisas entre esse céu e essa terra – isso pra não apelar pro óbvio “o buraco é mais embaixo”.

Jura que não dá tesão? Jura mesmo? Sério? Só porque a lingerie é bege?
Jura que não dá tesão? Jura mesmo? Sério? Só porque a lingerie é bege?

Bode expiatório? Inaceitável. Há que reconhecer que, seja o embate o primeiro ou o milésimo-primeiro, não há calcinha bege que uma boa performance não seja capaz de deixar em segundo plano. E onde eu disse “calcinha bege” leia-se (também) estria, celulite e qualquer outra pseudo-imperfeição causada por comparações corporais indevidas com Gisele Bündchen, claramente não-humana.

O tempo costuma ser cruel com as relações, mas sou obrigado a admitir: tenho a sorte (embora nisso não acredite) de, vestindo muito, pouco ou coisa nenhuma, ter comigo aos quarenta uma mulher ainda mais bela do que era aos trinta, e, pasmem, três filhos depois. Faço questão de que saiba ela exatamente como a vejo, confete nunca deixei faltar, e observo, aconselho: auto-estima é sexy, muito mais do que qualquer lingerie estrambótica.

Tesão é gênero de primeira necessidade.

Não ouso reclamar da vida: sei que não é pra qualquer um se descobrir vivendo uma relação, tanto na mesa quanto na cama, assim num entrosamento Pelé-Coutinho. E não sou Pelé, nem Coutinho. Mais pra Dario “Dadá” Maravilha, aquele que, ao nos iluminar dizendo “não existe gol feio, feio é não fazer o gol”, podia muito bem estar falando de uma calcinha bege.

Erico Verissimo

Serial father, sistemeiro desenvolvimentista computacional, pessoa humana nas horas vagas. Ateu praticante, corintiano devoto, sempre com fé na vida. Moço casadoiro, aliança no dedo já há uma década. Antecipando a crise dos 40. Jênio incompreendido, vidraça fantasiada de estilingue. De tudo um pouco e mais um pouco em <a>verossimil.wordpress.com</a> ou em @verossimil."