Dois irmãos que passam por dificuldades no interior do Texas pós crise, prestes a perder suas terras por juros de empréstimos, resolvem realizar pequenos assaltos em bancos dos vilarejos próximos. Nada de grande cifras, eles não levam notas altas e rastreáveis. Só o essencial. Só o suficiente para não serem perseguidos. De grão em grão eles pretendem tirar das próprias organizações financeiras o dinheiro para pagá-los.
Só essa bela alusão da derrota financeira já seria motivo o suficiente para eu te convencer a assistir A Qualquer Custo (que tem o nome original com muito mais estilo, Hell or High Water, uma expressão que significa que você está muito determinado a fazer algo, "venha o inferno ou água pra cacete"), mas ainda por cima é um western de primeiríssima qualidade.
Ao melhor estilo Butch Cassidy & Sundance Kid, na pegada mais Bonnie & Clyde, os irmãos Howard são uma dupla humanizada e muito próxima de nós. Fodidos e lascados, passados para trás pelo sistema, eles deliberadamente escolhem o banditismo como último recurso.
Mas será?
Ben Foster, meus amigos. Assistam qualquer coisa que tenha esse nome no elenco. Que baita ator! Aqui ele é Tanner Howard, recém saído da cadeia, caipira red neck típico com cara de quem há muito abandonou esperanças ou convenções sociais. Ele entra nessa porque gosta. A adrenalina faz muito bem pra ele. No oposto, o rosto lindo e cansado que Chris Pine emprega ao outro irmão, Toby Howard, é de alguém que tem tudo sob controle para que aconteça o ganha-ganha: ninguém se machuca, as agências bancárias não se dão mal, a grana subtraída não fará cosquinhas nos rendimentos da indústria bancária e eles podem se ver livres de perder a fazenda que foi de sua mãe.
Na cola deles Jeff Bridges é Marcus Hamilton, um Texas Ranger, força policial civil estadual do Texas, ah vá, que está prestes a se aposentar. Como última aventura, ele aceita o convite de seu parceiro, Alberto Parker, para encontrar quem está assaltando pequenas agências no interior. Hamilton é um velho chato, arrogante, preconceituoso que carrega em seu bolso uma infinidade de ofensas racistas para despejar na cabeça do companheiro mestiço indígena e mexicano.
Um western com roteiro clássico de perseguição, a dualidade entre crime e heroísmo, o dualismo entre a honra de quem cumpre a lei e o asco de quem se vale dela pra ser a pior companhia possível. Quando sozinho, nosso ranger remói pensamentos e não dorme. Vaga acostamentos poeirentos com uma coberta sobre os ombros. A vastidão no horizonte do segundo maior estado norte-americano, paisagens desérticas, hotéis de quinta categoria, o esquecimento daquelas terras, a sensação de abandono naquelas bandas.
A Qualquer Custo nos dá essa grata alegria dupla, a de ser um filme muito bem produzido e a de se utilizar de um gênero clássico e quase ultrapassado pra nos botar diversas problematizações modernas, de como estamos vivendo sob o cerco esmagador financeiro, dos questionamentos do que se é certo e errado, quem é bom e quem é mau, como a vida é muito mais cinza que só preto de um lad e só branco do outro.
Tudo é muito mais complexo em sua extrema simplicidade.
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