Viajar pode ser um ato banal. Arrumamos as malas, abastecemos o carro ou compramos passagens. Percorremos a distância entre um ponto e outro no espaço e alcançamos nosso destino. Ato contínuo, retornamos ao mesmo ponto que saímos, geralmente com uma coleção de histórias, fotos e souvenirs.

Por mais que voltemos ao mesmo ponto, será que continuamos os mesmos que saimos? Apesar do viajar ter se tornado mais uma latinha em nossa prateleira de modernidades, viagens ainda podem significar mais que uísque e eletrônicos baratos.

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Quando viajamos, além da bagagem, carregamos nosso espírito. E quando estamos embarcando para algum lugar, parece que nossa alma abre alguns espaços em branco para serem preenchidos. Podemos não estar em buscas espirituais, mas quando desembarcamos de volta ao lar, raramente continuamos a ver as coisas da mesma forma.

Há muitos que partem intencionalmente nessa jornada. Não buscam conhecer algum lugar em especial, senão a si próprios. Entendem que, trilhando determinados caminhos, podem enxergar perspectivas que lhes escapavam. Esperam que ares diferentes lancem luzes também diferentes aos seus mesmos problemas. São chamados peregrinos. E todos somos um.

Como o viajar se tornou mais uma atividade humana positivamente compreendida, dissecada e categorizada; existem algumas trilhas propositalmente desenhadas para a introspecção e reflexão. Geralmente são inciativas apoiadas por alguma religião, uma vez que o peregrino é uma figura comum em muitas delas (como o budismo e catolicismo).

Em São Paulo, temos o Caminho do Sol. Uma trilha que se estende por 241 quilômetros adentro do interior paulista. Partindo de Santana do Parnaíba, passando por cidades como Itu e Piracicaba, a trilha se encerra na cidadela de Águas de São Pedro. O ponto final é a Casa de Santiago, onde se encontra uma imagem do santo. Uma referência ao caminho de Compostella, cidade ibérica onde o apóstolo Tiago está sepultado.

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No Rio Grande do Sul, budistas impossibilitados de peregrinar no Nepal ou Índia rumam para a cidade de Três Coroas. O peregrino pode chegar ao Templo Khadro Ling e pendurar bandeiras que espalham energias positivas ao vento. A tradição budista seguida pelo templo é a vajrayana.

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Embora o apoio institucional de uma religião seja confortável, podemos criar as nossas próprias peregrinações. E elas não precisam necessariamente cortar trechos ermos e selvagens. Uma caminhada lenta e extensa em sua cidade pode funcionar muito bem como uma bússola da alma. Basta termos a mente aberta para perceber os sinais que nós mesmos emitimos ao longo da jornada.

Dizem que caminhadas acalmam. Na verdade, por trilhar tantos caminhos, acabamos por encontrar nosso destino. Ou ainda nossa própria natureza.

Flaco Marques

Rapaz do interior de SP que vive suas desventuras na cidade grande. Poliglota valente, busca equilibrar o jeito cosmopolita de ser com a simplicidade caipira de viver.