O patriotismo brasileiro é especialmente anti-hispânico.
Todas somos herdeiras dos nossos males de origem: quando o Brasil começou a se pensar enquanto abstração política, a se definir enquanto nacionalidade, a criar seus mitos de formação, uma das primeiras coisas que decidimos foi:
Não sabíamos (ainda) quem éramos enquanto grupo humano mas já sabíamos que não éramos hispânicos como esses nossos vizinhos. Eles eram repúblicas; nós, monarquia. Eles falavam espanhol; nós, português. Eles usavam bigodes grandes e chapéus; nós, deus nos livre, não.
Até hoje, ainda somos prisioneiros dessa ojeriza fundamental.
Temos fronteiras com diversos países hispânicos, mas a influência e presença dessa tradição em nossa cultura é ínfima. (Quantos livros, filmes, músicas hispânicas nós consumimos nos últimos meses?)
Uma alienígena que acompanhasse o noticiário internacional de qualquer grande periódico ou emissora brasileira pensaria que fazemos fronteira com os EUA e com a Europa, jamais com a Bolívia ou com a Colômbia.
Pessoas brasileiras andando pela Europa são rotineiramente confundidas com árabes ou persas. Nunca vi ninguém se ofender. Corrigem com educação e pronto.
Por outro lado, pessoas brasileiras nos Estados Unidos são muitas vezes saudadas por calorosos e carinhosos “buenos dias” ou “hola”, o que já testemunhei causar muita ofensa, irritação, aborrecimetos:
“Caralho, que absurdo! Como esses gringos são arrogantes! Eles acham mesmo que daqui pra baixo, todo mundo fala espanhol! É muito imperialismo! Vá te fuder, gringo babaca! etc”
Só uma profunda, arraigada, irracional ojeriza anti-hispânica pode explicar uma reação tão emocional.
Em primeiro lugar, para qualquer pessoa que tenha um vago conhecimento da América Latina, é um excelente chute, e que estará certo na maior parte das vezes, que uma pessoa latino-americana fala espanhol, seja como falante nativa ou como segunda língua.
(Aliás, não fossem duas ou três batalhas medievais entre meia centena de cavaleiros lusitanos e castelhanos, poderíamos muito bem estar falando espanhol hoje.)
E, em segundo lugar, se uma pessoa norte-americana saúda outra em espanhol, talvez até tenha cometido um erro de cálculo ao presumir que a interlocutora falava essa língua, mas claramente foi uma atitude carinhosa e acolhedora, nunca imperialista e arrogante: estava saindo de sua língua, de sua cultura, de sua zona de conforto para saudar a outra pessoa na língua que presumia ser a dela.
Essa pessoa merece tudo menos a típica hostilidade arrogante anti-hispânica brasileira.
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