Todos nós temos uma preferência, mas você já se perguntou de onde as vieram os tons de pele e cabelo?
Este post foi feito em duas partes complementares, cada uma em um blog. No Rainha Vermelha discuto como perdemos nossos pêlos e quando começamos a usar roupas. Aqui discuto como surgiram os diferentes tons de pele.
Uma vez que perdemos os pêlos, temos que lidar com a exposição à luz ultra-violeta, ainda mais no continente africano. Nossa relação com a luz UV é de um balanço delicado. Graças à ela, nossa pele mudou de cor mais de uma vez ao longo da nossa evolução.
Mulatas e o aumento da melanina
UV em excesso é bem prejudicial.
Ela causa mutações no DNA das células expostas, aumentando em muito as chances de um melanoma (Câncer de pele) em quem se expõe. Mas isto não se encaixa na nossa discussão sobre evolução, uma vez que o câncer de pele geralmente aparece depois da idade reprodutiva, quando a seleção natural não pode mais atuar.
Mais importante ainda, a luz ultravioleta degrada o ácido fólico, também conhecido como vitamina B9. Ela é importante para a nossa produção de proteínas, e entre outras coisas, é essencial para a formação do sistema nervoso do bebê e produção de espermatozóides. Grávidas que tomam ácido fólico durante a gravidez previnem anencefalia e outras má formações do cérebro e coluna. [1]
O que nos leva à seleção natural:
Ao abandonarmos nossos pêlos, nossa pele era clara (basta ver como as partes sem pêlo de um chimpanzé são) e mais exposta.
A proteção da pele contra radiação UV é a melanina, o pigmento que dá tom escuro e absorve UV, protegendo as camadas inferiores da pele.
Quanto mais melanina, mais escura a pele, e as mulheres que tinham a pele mais escura perdiam menos ácido fólico e tinham gestações mais bem sucedidas, ou seja, mais filhos.
Já os homens, mais espermatozóides e mais fertilidade. Justamente o que a seleção natural favorece. Não é à toa que as populações que possuem a pele mais escura, mais rica em melanina, estão nos trópicos. Daí veio o tom de pele negro. [2]
Na verdade, podemos até saber quando e onde isso aconteceu. Pessoas com tons de pele diferentes possuem o mesmo número de melanócitos, as células produtoras de melanina, mas possuem diferentes quantidades de pigmentos (a melanina em si) dentro delas [2]. Dos vários genes e fatores que regulam a cor de pele, um deles é o hormônio melanotropina, produzido na hipófise e reconhecido nas células por um receptor chamado MRC1 (Melanocortin 1 Receptor).
Esse receptor conta uma história muito boa. Em chimpanzés e em pessoas de pele clara, o MRC1 é bem variável em seus componentes, todas variantes fazem a mesma coisa, mas com pequenas diferenças. Já entre os negros, não há diversidade nenhuma de MRC1, são todos iguais. Ou seja, a seleção natural favoreceu apenas um tipo de MRC1, o que determina a pele mais escura. Todos que tinham outras variantes não deixaram descendentes.
E comparando as diferenças entre o DNA de variantes do MRC1 podemos saber quando ele sofreu essa restrição. Há mais ou menos 1,2 milhão de anos atrás, a linhagem que deu origem aos seres humanos acabara de perder os pêlos – pelos motivos que discuti no post complementar a este – e adquiriu uma pele escura para se proteger da luz UV. Então, esqueça todos aqueles homens das cavernas completamente peludos que estamos acostumados a ver em representações, e agradeça ao Sol e à seleção natural pelas mulatas.[3]
Morenas, loiras, asiáticas e a perda da melanina
Mas nossa história não termina na África, pelo contrário, começa. Quando saímos de lá, passamos a enfrentar temperaturas muito mais baixas, e menos luz solar – tanto que passamos a usar roupas. Muita luz UV é um problema, mas a falta dela também. Dependemos dela para produzir vitamina D.
A D3 por exemplo, é formada quando o 7-deidrocalciferol que obtemos do leite se encontra abaixo da pele é atingido pela luz UV. A vitamina D regula a absorção do cálcio no intestino, e a reabsorção do cálcio pelo rim, bem como a deposição dele nos ossos, ou seja, dependemos dela para ter ossos saudáveis.
Quando saímos da África, nos livramos do risco de degradar a vitamina B9, mas agora a melanina na pele está em excesso, e prejudica a formação de vitamina D. Qual a solução? Produzir menos melanina. Quem possuia um tom de pele mais claro, absorveu mais luz UV e produziu mais vitamina D, deixando mais descendentes. Desta vez a seleção natural atuou contra o tom de pele escuro. [4]
O gradiente de melanina acumulado é o que dá a diferença de cores nos cabelos e olhos, do loiro ao castanho escuro, o cabelo tem quantidades crescentes de melanina. E os estudos baseados nos genes que contribuem para a nossa cor de pele indicam que nos europeus e asiáticos o tom de pele claro apareceu independentemente. Ambos provavelmente pelo mesmo motivo, produção de vitamina D. Caso queira entender como o cabelo das asiáticas é mais espetadinho, dê uma olhada aqui. [5]
Aqui, um modelo de como nosso tom de pele deve ter mudado. De clara para escura quando perdemos os pêlos, e depois clara novamente, na Ásia e Europa.
Quanto menor a incidência de UV em uma região, mais claro é o tom de pele dos que lá vivem. Mais ainda, quem tem a pele mais clara são justamente as mulheres, que precisam de mais vitamina D3 tanto para a gravidez quanto a lactação. E as exceções ao caso provam a regra.
Os povos mais ao norte não são os mais brancos, os Inuits ou esquimós possuem a pele mais escura do que os ingleses, mas o segredo é a dieta. Eles se alimentam de carne de foca e baleia, riquíssima em gordura e vitamina D, de modo que não dependem tanto do Sol.
Ou seja, agradeça à falta de Sol pelas morenas, loiras e japinhas. [6]
E as ruivinhas?
Claro que não podia deixar este texto sem uma ruiva. Nós produzimos mais de um tipo de melanina. Duas são mais importantes, a eumelanina, mais escura e que confere proteção contra a luz UV e a maioria das pessoas produz quando se bronzeia. Ela dá os tons de loiro a moreno do cabelo. A faeomelanina possui um tom avermelhado, é produzida em várias regiões do corpo que possuem um tom mais vermelho, como a glande, e não protege contra a radiação UV.
Ruivos produzem justamente a faeomelanina em resposta à luz ultra-violeta. Isso é um problema, já que ela não só não protege contra o Sol, como favorece o aparecimento de radicais livres, que são cancerígenos. Por isso ruivos se queimam facilmente e desenvolvem as sardas.
E quem determina a produção do pigmento avermelhado, ao invés do escuro tradicional, é justamente uma variante do MRC1. Ruivos possuem duas cópias de uma variante muito rara do receptor, que estimula a produção de uma melanina diferente. Pessoas que possuem apenas uma cópia, têm mais dificuldade para se bronzear, mas têm tons de cabelo comuns, como loiro ou moreno. Quando ambos em um casal contém o MRC1 “ruivo” e passam ao filho, a criança é ruiva. [7]
Por isso pessoas morenas ou loiras podem ter filhos ruivos, basta carregar uma cópia do MRC1, que não se manifesta. Há asiáticos ruivos, mas a maior frequência acontece na Europa, principalmente na Escócia, Inglaterra e Irlanda. O que estes locais têm em comum? Justamente a radiação UV mais baixa.
Os ruivos estão entre as variantes de cor de pele que absorvem mais UV e produzem mais vitamina D, e são mais frequentes nos locais onde a seleção natural favoreceu isso. Entre os negros, não existe essa variante do MRC1, só aquela que determina o tom de pele mais escuro, forte indício da seleção negativa.
As ruivas então ficam por conta de uma das variantes de tom de pele mais clarinho que foi favorecida nas altas latitudes.
Conclusão simples:
Afinal, qual o melhor tom de pele, negro ou claro? Depende. Isto é evolução. Não existe uma característica melhor ou pior, existe uma característica que serve melhor em um determinado contexto. Nos trópicos, onde há mais radiação UV, o tom de pele mais escuro foi melhor, e mais selecionado.
Hoje em dia, há o protetor solar para dar uma ajuda, vide os australianos, descendentes de ingleses que foram viver sob o Sol intenso e usam muito protetor solar para se protegerem do câncer de pele.
Nas maiores latitudes, onde há menos luz UV, foi melhor ter pele clara, tanto que negros que vivem em locais como o Canadá atualmente têm mais incidência de raquitismo e osteoporose, e precisam se preocupar em ingerir grandes quantidades de vitamina D (e até fazer bronzeamento artificial) para fixar mais cálcio nos ossos.
Então, seja qual for a sua preferência, lembre do tio Darwin e fique feliz pela seleção natural ser tão diversa.
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Sugestão de leitura complementar:
Mutants: On Genetic Variety and the Human Body. De Armand Marie Leroi, 2005.
Um livro que discute como o corpo humano se desenvolve através de mutações e as alterações que elas causam. Tem um capítulo dedicado à nossa cor da pele, onde discute do albinismo aos ruivos. Destaque para a história de Rita Hoefling, uma mulher que teve um tumor na hipófise produtor de melanotropina. A pele dela escureceu rapidamente.
O cruel é que ela morava em Capetown, na África do Sul, durante o Apartheid. Foi expulsa do bairro de brancos, da família, e só foi aceita entre os negros. 10 anos depois a pele dela voltou para a pigmentação normal.
Infelizmente o livro não foi lançado no Brasil e não tem uma versão em português, comprei o meu pela Amazon.
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Fonte:
[1] Ebisch, I.M.W., C.M.G. Thomas, W.H.M. Peters, D.D.M. Braat, e R.P.M. Steegers-Theunissen. “The importance of folate, zinc and antioxidants in the pathogenesis and prevention of subfertility.” Hum Reprod Update 13, no. 2 (Março 1, 2007): 163-174.
[2] Barsh, Gregory S. “What Controls Variation in Human Skin Color?.” PLoS Biology 1, no. 1 (Outubro 1, 2003): e27 EP.
[3] Rogers, Alan R., David Iltis, e Stephen Wooding. “Genetic Variation at the MC1R Locus and the Time since Loss of Human Body Hair.” Current Anthropology 45, no. 1 (Fevereiro 1, 2004): 105-108.
[4] Loomis, W. Farnsworth. “Skin-Pigment Regulation of Vitamin-D Biosynthesis in Man: Variation in solar ultraviolet at different latitudes may have caused racial differentiation in man.” Science 157, no. 3788 (Agosto 4, 1967): 501-506.
[5] McEvoy, Brian, Sandra Beleza, e Mark D. Shriver. “The genetic architecture of normal variation in human pigmentation: an evolutionary perspective and model.” Hum. Mol. Genet. 15, no. suppl_2 (Outubro 15, 2006): R176-181.
[6] Jablonski, Nina G., e George Chaplin. “The evolution of human skin coloration.” Journal of Human Evolution 39, no. 1 (Julho 2000): 57-106.
[7] Valverde, Paloma, Eugene Healy, Ian Jackson, Jonathan L. Rees, e Anthony J. Thody. “Variants of the melanocyte-stimulating hormone receptor gene are associated with red hair and fair skin in humans.” Nat Genet 11, no. 3 (Novembro 1995): 328-330.
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