O pênalti desperdiçado por Fred contra o Paraguai e o gol do venezuelano Gabriel Cichero contra o Chile foram os pontos-chave para que eu concluísse uma tese. Uma tese que surgiu despretensiosamente no empate entre Argentina e Bolívia. E que ganhou muita força à medida que a competição transcorreu.
A Copa América 2011 foi foda.
Presumo que você tenha ofendido até a minha 19ª geração. Mas eu explico: a CA 2011 teve, de fato, jogos horrorosos (quem viu Colômbia x Costa Rica sabe do que estou falando). Por outro lado, ela quebrou definitivamente vários dos paradigmas que ainda envolvem a análise de boa parte dos comentaristas. Mostrou que uma percepção tradicionalista não é capaz de elucidar as dúvidas levantadas por um esporte tão complexo, porém ainda tratado de maneira banal em função de questões culturais fortemente arraigadas.
Leia os oito principais fatos deixados pela recém terminada Copa.
De uma vez por todas: futebol não se resume à técnica
Se futebol fosse o reflexo direto de condições técnicas, seria um esporte extremamente previsível. Logo, seriam pouquíssimos os adversários capazes de sufocar o Brasil – ainda que temporariamente. É importante lembrar que o futebol é composto pelos aspectos tático, físico e psicológico, formando um ciclo indissociável para a correta compreensão do jogo. A desorganização tática, a falta de confiança evidente em diversos momentos (cujo ápice talvez tenha sido a decisão por pênaltis contra o Paraguai) e o próprio rendimento técnico abaixo do esperado justificam o fracasso brasileiro. Porém, não façamos nossa análise apenas sob o prisma técnico; este, sozinho, dificilmente resolve algo no futebol.
Pênalti e loteria são mutuamente excludentes
André Santos disse algumas vezes, após seu field goal contra o Paraguai, que “pênalti é loteria”. É surpreendente ouvir esta declaração de um jogador esclarecido, relativamente experiente e que já foi dirigido por técnicos de alto nível, como o próprio Mano Menezes. Pênaltis têm pouquíssima relação com o fator sorte. Há estudos importantes que tentam se aprofundar nos diversos fatores que permeiam o sucesso (ou não) de uma penalidade máxima.
Qualquer estímulo psicológico diferente no momento da cobrança (como a movimentação do goleiro sobre a linha do gol, a cor do uniforme do próprio arqueiro, ou mesmo saber que há uma falha na grama que talvez faça você isolar a bola numa cobrança decisiva) pode interferir diretamente no seu resultado. Comparar um pênalti à Mega-Sena é uma alternativa interessante para quem deseja tirar a responsabilidade de si.
Ou mais uma prova da força que determinados conceitos que ouvimos desde moleques têm sobre a nossa percepção. Entretanto, não é, nem de longe, a maneira mais correta para se analisar o resultado de uma disputa de tiros livres da marca da cal.
Não há resultado injusto no futebol, exceto…
…Quando há erros clamorosos de arbitragem. Se não foi o caso, amigão, o placar é absolutamente honesto.
Mas Hudson, o Brasil dominou o Paraguai, era pra ter vencido por 320 x 0…
E por que não ganhou? A mistura de incompetência do setor ofensivo brasileiro, com excelente atuação da defesa paraguaia, sobretudo do goleiro Justo Villar (e não Villalba, como diria um amigo da imprensa), fez com que o jogo terminasse como terminou. A injustiça só se faz presente numa partida de futebol quando um fator externo ao jogo influencia diretamente seu resultado. E não quando os próprios jogadores delineam o placar do cortejo, seja por meio dos seus méritos ou equívocos.
Há caras que entendem muito de futebol nos outros países do continente
Tornou-se um hábito ignorar o crescimento do futebol nos países vizinhos. Já que fomos criados numa cultura que valoriza de modo doentio o Brasil, lembramos da Argentina muito em função da rivalidade (muito maior aqui do que lá, ressalte-se) e fingimos que não há futebol pelo resto da América do Sul. Porém, o trabalho duro de caras como Sergio Markarian, Gerardo Martino, Marcelo Bielsa, Oscar Tabarez, Sergio Farias e vários outros diminuiu a distância que havia entre o dueto Brasil/Argentina e as outras seleções.
O futebol do continente é muito mais equilibrado. Este fato, ao invés de ser encarado como absurdo (“como a seleção X ousa pressionar o Brasil, amigo?”), deve servir como alavanca para a resolução dos inúmeros problemas do futebol no país. O histórico vitorioso contrasta drasticamente com a calamitosa estrutura oferecida aos profissionais da bola.
O Uruguai é um fenômeno a ser observado.
Diego Perez é um dos volantes titulares da seleção uruguaia. Um jogador regular, não mais que isso. Mas, com a bola rolando em um jogo decisivo, vira um monstro. Talvez represente mais objetivamente o que se passa com toda a equipe durante 90 minutos. Se a qualidade com a bola nos pés se resume praticamente aos espetaculares Diego Forlán e Luís Suarez, o sentimento nacionalista colocado dentro de campo vem de todos os lados e merece ser estudado mais profundamente.
A organização tática é visível, já o prazer em defender o país é incomensurável. Valoriza tanto o crescimento recente da seleção celeste quanto faz dela altamente original. Há, no futebol contemporâneo de alto nível, jogadores tão identificados com sua pátria como os uruguaios?
Link YouTube | Perez comemora seu gol contra a Argentina. Síntese do sentimento uruguaio?
Lionel é a solução. O problema são os outros
É comum atribuir a má atuação de um jogador em momentos importantes ao fator psicológico. Dizer que o cara “tremeu” é mais fácil do que elogiar o seu marcador, a equipe adversária como um todo, ou mesmo salientar a desorganização do seu próprio time. Lionel Messi jamais sentiu a pressão de representar seu país. Pelo contrário. Mostra a cada toque na bola que ainda pode fazer muito pela Argentina. O problema é jogar numa seleção altamente bagunçada, que tentou, por exemplo, fazer com que Esteban Cambiasso e Ever Banega fossem as representações argentinas de Xavi e Iniesta.
O abismo técnico evidente na comparação supracitada – e a inconsistência tática da equipe de Sergio Batista – não ajudaram nem um pouco ao melhor jogador do mundo, mais uma vez criticado. Injustamente.
Neymar não é a solução. Ainda
Neymar é um excelente jogador. Porém, colocá-lo no pedestal de senhor onipotente da bola ou compará-lo com Pelé (como se faz repetidamente) é uma heresia futebolística. O começo de carreira é arrebatador, mas a sua consolidação como um jogador extrassérie, caso aconteça, se dará paulatinamente. Um dos fatores para que este fenômeno seja validado é o rendimento pela seleção em jogos importantes.
Na Copa América Neymar não teve desempenho fraco, mas esteve longe de ser espetacular. Isso só acontecerá no momento em que ele adquirir maior experiência e maturidade em jogos de alto nível. Ir jogar na Europa é o seu maior desafio e a chave para o crescimento dentro da equipe de Mano Menezes. Aí sim, quem sabe, poderemos confiar em @Njr92 como um jogador decisivo para a seleção brasileira principal.
A seleção brasileira tem inúmeros simpatizantes. Torcedores, são poucos
Houve muita choradeira após a desclassificação do Brasil. Mas isso não significa que um sentimento comum de devoção à seleção brasileira esteja disseminado pelo país. Quem acompanha futebol numa base regular perdeu grande parte do envolvimento pela seleção. Motivos que envolvem a identificação duvidosa de vários jogadores com a pátria, o modo como o futebol brasileiro é conduzido pela CBF, ou mesmo a quase que obrigatoriedade de se torcer pelo Brasil ao som de vinhetinhas ridículas ou discursos ufanistas que sempre surgem em épocas de grandes competições.
O torcedor quer saber do seu clube.
Torcer pela seleção virou hobby. E, como tal, é exercido esporádica e convenientemente.
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