Na última quinta-feira (30/08), durante o julgamento da Ação Penal 470 (vulgo Processo do Mensalão), o atual Deputado Federal João Paulo Cunha foi condenado pelos crimes de corrupção passiva e peculato (por 9 votos a 2) além de lavagem de direito (por maioria de seis votos).
A maioria dos ministros do STF entendeu que João Paulo Cunha, por meio da posição pública que ocupa, beneficiou as empresas do grupo de Marcos Valério, de forma a operacionalizar o esquema de pagamento de dinheiro em troca de apoio político, o mensalão.
A pena que será aplicada ainda será definida pelos ministros, depois de julgados todos os réus. Porém, o ministro Cézar Peluso antecipou seu voto nesse ponto – em razão de sua aposentadoria – e fixou o tempo da pena em 6 anos.
Essa condenação vem sendo recebida com festa, por ser a primeira condenação pelo STF, desde a redemocratização, de um político por corrupção – outros já foram condenados, mas por outros crimes.
A decisão de condenar João Paulo Cunha também representa um avanço no entendimento de como se configura o crime de corrupção passiva, o que, pra colocar de maneira simples, deve resultar em uma maior facilidade na persecução penal de políticos corruptos.
O bandido na cadeia, a nação pira
Isso tudo representa, na prática, o fim da vida política de João Paulo Cunha. O ex-vereador em Osasco, ex-Deputado Estadual em SP, ex-Presidente da Câmara, Deputado Federal, chegou a ocupar a Presidência da República em 2004, durante viagem do então Presidente Lula. Agora, depois de definida a condenação, retirou sua candidatura à Prefeitura de Osasco-SP.
Isso porque, em razão da Lei da Ficha Limpa, João Paulo Cunha ficará inelegível por oito anos. Além disso, a depender do que for decidido sobre o regime de cumprimento da pena e da decisão de cassar seu mandato (que, embora existam controvérsias, deve ser tomada pela Câmara dos Deputados), pode ficar inviável a continuidade de sua permanência no Legislativo.
Eis aí então a grande vitória. O bandido, salvo alguma catástrofe na fixação da pena, irá para a prisão. Mas vocês não sentem falta de alguma coisa?
O valor da vitória
Não quero fazer nem uma defesa nem uma relativização do mensalão. Mas acho que é bom ter em mente a questão central. Por mais que seja lamentável o desvio de dinheiro e a posterior lavagem, a criação de um esquema de corrupção, a subordinação do público ao privado, o caso do mensalão não é especial por isso.
Políticos corruptos sempre existirão, assim como sempre existirão criminosos. Mas o que se quer proteger não é necessariamente a honestidade das pessoas – que, em última análise, sempre pode falhar – mas a relação entre as instituições.
O mensalão revela uma verdade mais incômoda do que a quantidade de dinheiro desviada: o voto dos nossos representantes está à venda. Ao invés de atuação pautada por embates ideológicos, nossos representantes funcionam em torno dos próprios interesses.
Ideologia é o conjunto de ideias, saberes, preconceitos etc, que permite que as pessoas se relacionem com e façam sentido da realidade: são as lentes por meio das quais percebem o mundo. Por isso, é ridículo quando alguém fala de ideologia como se fosse uma coisa necessariamente ruim, ou oposta à “verdade”. Não existe essa verdade a-ideológica: qualquer verdade será sempre apreendida através da ideologia de quem a vê. –Alex Castro em “O problema com o movimento anti-corrupção”
Em uma discussão recente na Cabana PdH, fui levado a me perguntar quais seriam os parlamentares que atuam pautados por uma agenda ideológica clara, consistente e coerente. Aqueles que, independentemente de concordar com eles ou não, pelo menos representam de fato alguma ideia. E, depois de citar Marina Silva (ex-senadora, pauta: Meio Ambiente), Cristóvam Buarque (senador, pauta: Educação) e Kátia Abreu (senadora, pauta: Agronegócio), fiquei sem exemplos.
O ponto aqui é que com relação a essas pessoas é possível estabelecer um vínculo claro entre a atuação política deles e o interesse representado. O eleitor da Marina Silva vai dormir tranquilo sabendo que ela vai criticar o Novo Código Florestal, enquanto o eleitor da Kátia Abreu também, sabendo que ela será favorável.
Comemorar a condenação de João Paulo Cunha sem atentar para o que está na raiz de todo escândalo de corrupção – o esvaziamento da representação ideológica – é comemorar o desaparecimento de um sintoma como se fosse a cura da doença.
Em outra discussão, a mesma visão míope
Em um estado de normalidade institucional – isso é, sem que se cometa crimes – o Poder Executivo lança mão do mesmo artifício – oferecer dinheiro – para obter apoio parlamentar. Só que, nesses casos, a oferta de dinheiro acontece pelas tais emendas ao orçamento, que garantem ao parlamentar as condições para influenciar politicamente a sua base de sustentação.
Assim, o ciclo se retroalimenta: o político, interessado em permanecer no poder, vende seu apoio ao Executivo em troca do dinheiro necessário para cumprir alguma promessa que fez à população que o elegeu. Como são negócios de ocasião, o inimigo de ontem pode virar o aliado de hoje, enquanto o debate ideológico fica parado.
O voto do nosso representante terá tanto valor ideológico, tanta integridade, quanto maior for o nosso engajamento no debate ideológico. Passada a euforia pelo sentimento de vingança contra um político, é hora de parar pra pensar nas razões que imobilizaram o debate político sobre: o imposto sobre grandes fortunas, a reforma da previdência, o aborto, a redução dos impostos, dentre outros.
Talvez, tendo representados efetivamente interessados, os representantes terão menos tempo pra negociar apoio por dinheiro.
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