Bom, o post de hoje vai ser meio grande. É uma costura de coisas. É um que estou tentando escrever há meses e nada. Não sai nada. Tanta coisa pra falar, e nada sai. Eu sento, faço força, pego um jornal, e nada.
Até biscoitinho de fibras eu comi, e nada. Até que terça passei em um sebo. Não sei como se chama sebo fora do Rio, mas é um lugar que vende/compra/troca livros usados. Então, fui lá. Como bom desempregado, tinha dez reais pra comprar um livro. E como não gosto de livros espíritas/eróticos/de auto-ajuda, dez reais não dá pra comprar um livro.
Mas lá dava, e fiquei caçando algo legal. E entre clássicos, revistas de sacanagem e reedições do Paulo Coelho em Cantonês, eis que achei um livro FODA! O livro se chama “The Last Word – ‘The New York Times’ Book of obituaries and farewells”. Óóóóóóó… Isso mesmo, cambada! Uma coletânea de 74 obituários publicados pelo New York Times nos anos oitenta/noventa.
Antes que achem que eu sou um necrófilo, ou algum tipo de Emo de cabelo engomadinho e cordão de caveira, explico o porquê do alvoroço: os obituários do NYT são verdadeiras obras de arte. Os maiores jornalistas que trabalham na redação do NYT passaram por lá. É uma arte. Não um trabalho relegado a segundo plano.
Indico, o livro é demais! Mas então, o tema que não saía, né… Pois, aí eu pergunto: um livro de obituários faria sucesso no Brasil? Um jornalista escrevendo obituários como eles escrevem lá, faria sucesso no Brasil. Não, no mínimo ia ser processado por uns quinze grupos de babacas defensores de qualquer merda.
Se os EUA têm uma vantagem, e isso eles têm mesmo, é a não contaminação da sociedade pelo (“pthu!” – cusparada no chão) “politicamente correto”. Num país onde preto é negro, pobre é classe ascendente e mendigo é “cidadão em situação de rua”, falar de gente morta, e nem sempre falar bem, ia dar o que falar. Lá, e nos países realmente desenvolvidos, preto é preto, gay é gay e ator de teatro infantil é gay. Simples assim.
Como diria o reclame, as coisas são como elas são. Ninguém deixa de ser preto por ser chamado de negro, nem deixa de passar fome ao ser condecorado com um “cidadão em situação de rua”.
Nesse país de merda com uma imprensa de bosta e uma internet que ainda não se decidiu entre a merda e a bosta, o racismo, o preconceito e o nojinho são mascarados com essa babaquice politicamente correta. Aí vem um outro dia falar que os blogues grandes fazem um trabalho não – politicamente correto. Boa piada. Fazer charge do César Maia ou piadinha com prefeito é não ser politicamente correto? Conta a do português agora.
Porque eu não posso fazer piadas com meus amigos pretos, gordos ou viados, como eles fazem porque eu sou magro? Posso sim. E quer saber? Ele nem liga. Quem liga são os falsos “sem preconceito” desocupados. Isso sem falar que no Brasil morto vira santo.
Não gosto muito do Casseta hoje em dia, mas outro dia o Madureira foi falar que não gosta do Gláuber Rocha e nego quase linchou o cara. Porra, Gláuber é chato pra caralho mesmo! Parece um moleque de treze anos andando com uma câmera na mão! Estética zero, direção zero. Salvo raras exceções.
Não se pode falar nada que não seja espetacular de bom sobre alguém morto no Brasil. Até o Eurico Miranda quando morrer vão falar bem dele. Mas isso só muda com o uso. Com essa gente arrumando um tanque de roupa pra lavar e parar de defender essas nomenclaturas ridículas pro país parecer menos fodido e escroto. Num país como o Brasil, chega a ser uma piada tanto racismo, tanto preconceito e tanta gente passando fome nas ruas, e as pessoas falando assim. Imaginem a cena.
– Zé, tem um real aí?
– Pra que?
– Pra dar um trocado pro menino.
-Que menino?
– Aquele ali.
– Ah, o mendigo?
– Não.
– Não? Vai dar dinheiro pra mais quem?
– Putz, Zé, que insensível. O sujeito já passa fome, frio, tanta desgraça, e você ainda me chama o sujeito de mendigo.
– Porra, mas ele é um mendigo, caralho!
– Não, Zé, não é. Ele é um cidadão em situação de rua.
– Hahahahahahahahahahahahahahahhahahahahahahahhahahaha!
– Nossa, eu casei com um cara que ri da desgraça dos outros.
– Não to rindo da desgraça. To rindo do nomezinho. E o cara vai deixar de passar fome ou vai cair um cobertor quentinho no colo dele se eu não chamar ele de mendigo, por acaso?
– Não vai, mas vai se sentir melhor.
– Olha, eu desempregado do jeito que to, preferia mil vezes que me chamassem de “cidadão desprovido de vínculo empregatício regular” do que se me arrumassem um emprego. Sem dúvida.
– Nossa, que ridículo.
– Má, ridículo é achar que vai mudar o mundo inventando nomes novos pras coisas. O cara é mendigo, eu sou preto e seu irmão é bicha.
– Ele não é bicha!
– Tá bom. Vou refazer a frase: o cara é mendigo, eu sou preto e seu irmão usa tornozeleira de conchinhas e depila o peito. E qual o problema disso?
– Você não é preto! É negro. Afro-brasileiro.
– Preto e negro é a mesma merda. Não que seja uma merda, mas é a mesma coisa. E eu não sou afro-brasileiro, ninguém da minha família veio da África.
– Tá bom, Zé, é difícil conversar com você.
– To pensando em me processar por racismo. E como eu sou desempregado e nós somos casados, você que vai pagar a multa pra mim mesmo. Aí eu me separo e vou morar em Tambaba e andar pelado tomando água de côco o dia todo. Mas tem que levar uma toalhinha pra água gelada não pingar onde não deve….
– Babaca.
– Babaca não. Cidadão mentalmente fragilizado e em situação momentânea de escárnio e falta de auto-censura.
– Vai tomar no cu!
– Tomar no cu não! Ser agente passivo em uma relação homossexual.
– AAaaahhhhhhh!!!!!
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