No Brasil, a gente demora pra pegar o tranco do ano. Mas agora, o carnaval finalmente ficou para trás e, com o fim do verão que se aproxima, todos já voltamos às nossas rotinas regulares: não temos mais desculpas, 2018 realmente começou.
E já que o ano engatou de vez, é hora de resgatarmos algumas práticas que nos fazem bem, como a de investir tempo ouvindo música. Diferente dos últimos feriados e das festas no clima da estação, com grandes caixas de som fazendo grupos de quatro, cinco ou seiscentas pessoas dançarem de uma vez, a tal da vida cotidiana nos dá mais chances de uma outra dinâmica, a de uma relação mais pessoal com as letras e as melodias na solitude dos fones de ouvido. Como é bom ter boa música como companhia em nossos momentos de maior introspecção.
E é de 2018 que estamos falando, uma época na qual o acesso aos lançamentos nunca esteve tão fácil. Você pode aproveitar os canais oficiais das bandas, selos e gravadoras no YouTube para escutar música gratuitamente de forma 100% legal, ou ainda assinar algum serviço de streaming para ter acesso a catálogos gigantescos com mais horas de música do que teremos de vida. Tudo bem diferente daquele perrengue da pirataria atrás de MP3 de relativamente poucos anos atrás (quem lembra?).
Para aproveitar essas facilidades de hoje, não nos perdermos em meio aos lançamentos e, acima de tudo, como um incentivo para praticarmos essa relação mais pessoal com a música e os artistas, fica aqui uma pequena lista de novos e ótimos discos saídos em janeiro, fevereiro e março, de nomes que talvez você não conheça ou se pá tenha apenas ouvido falar, mas que têm tudo para se tornarem frequentes em seus fones de ouvido.
MGMT – “Little Dark Age”
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MGMT você conhece, né? Quer você curta a fase dos grandes hits à la “Kids”, “Electric Feel” e “Time to Pretend”, ou do momento mais freak e experimental da banda (será que alguém vai levantar a mão aqui?), há grandes chances de curtir seu novo álbum, que fica, digamos assim, em um meio do caminho entre esses dois momentos.
Sem medo de tocar em temas densos, sendo a morte o melhor exemplo disso (consegue pensar em um assunto mais incômodo e igualmente universal que esse?), o duo norte-americano conseguiu também imprimir certa leveza e bom humor às músicas, que chegam acompanhadas de videoclipes excelentes e de uma psicodelia nostálgica, envolvente e até mesmo dançante, mesmo quando é propositalmente esquisito.
Pode ser um tanto desafiador para alguns, mas acaba trazendo uma audição de grande satisfação para quem encarar esse estranhamento sonoro tão divertido.
Rubel – “Casas”
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Assim que terminou de fazer seu primeiro disco, “Pearl” (2013), o músico carioca começou a ter um contato crescente com o hip hop contemporâneo – isso como ouvinte, enquanto seguia apresentando ao vivo um conteúdo baseado na música folk por todo o Brasil.
Na hora de trabalhar as faixas de “Casas”, Rubel estava com um novo olhar tanto sobre suas composições quanto sobre a produção musical no país de hoje, o que trouxe uma forte influência do rap (com direito a participações de Emicida e Rincon Sapiência) a uma música referencialmente brasileira e bem fora do óbvio.
Há um forte aspecto autobiográfico que, ao invés de narrar uma única história (caso de “Pearl”, sobre o que viveu no tempo que morou no Texas), parece tentar dar conta de tudo o que ele é como artista, ou como pessoa: Infância, amores, filosofias de vida e reflexões pós-terapia serviram de inspiração para suas poesias, cantadas sempre com a sensibilidade que esses temas merecem.
Anelis Assumpção – “Taurina”
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Por falar em “uma música referencialmente brasileira”, o que Anelis fez em seu novo álbum tem muito a ver com aquilo que muito provavelmente vamos entender no futuro como “a MPB dessa década”, e digo isso porque, de fato, já pensamos assim.
É um som que dá continuidade à tradição que o Brasil possui na fusão de ritmos e referências, assim como uma poesia quase fotográfica, que narra com muitos substantivos aquilo que faz parte de nosso dia a dia, tudo sob um tratamento sonoro bem próprio de nossos dias.
Para engrossar ainda mais esse caldo, Céu, Tulipa Ruiz e Liniker são alguns dos convidados entre as treze faixas que formam um disco bastante denso, mas que, curiosamente (e felizmente!), flui de forma bem fácil da primeira à última música.
Rhye – “Blood”
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Se o assunto aqui é um som contemporâneo e gostoso de ouvir, não tem como deixar de lado este projeto do produtor e cantor canadense Mike Milosh. O que mais me chama atenção em Rhye, principalmente em “Blood”, é a delicadeza com que os temas mais íntimos são tocados, algo que se percebe tanto nos poucos elementos em cada faixa, quanto na interpretação sussurrada ao pé do ouvido.
É tudo muito pessoal ao mostrar um romantismo tanto idealizado, que a gente percebe aqui principalmente pela intensidade dos sentimentos, quanto “cotidiano”, que encontra beleza nas particularidades de relações às vezes tão banais.
Entre músicas que você vai querer escutar ao lado de alguém especial e outras que vão te fazer dançar de leve sozinho em casa, ficamos com um dos versos de amor mais legais do ano: “You’re my favorite place to bleed” (em “Song for You”).
S.Carey – “Hundred Acres”
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Talvez você não conheça o nome Sean Carey, mas é bem provável que já tenha ouvido o projeto do qual ele é baterista há tantos anos: Bon Iver, um dos maiores ícones da música folk deste início de século.
“Hundred Acres”, seu novo trabalho, faz jus à experiência que o músico possui, o que o ajuda a nos colocar em um estado contemplativo e confortável assim que canta suas composições.
Cada faixa é uma paisagem a se admirar com os versos construídos por Carey, tudo com sons levemente abafados, o que ajuda a passar uma sensação de intimismo que tem tudo a ver com a introspecção das músicas – você consegue mesmo senti-las reverberando dentro de você.
Além de tudo isso, é até difícil enfatizar neste parágrafo o grau de beleza dessas canções, apenas saiba que elas são algumas das mais lindas que você ouvirá nesta temporada.
Rashid – “Crise”
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Para fechar a lista, vem um lançamento peculiar do rapper, que soltou quase todas as músicas antes do álbum ser anunciado, o que é também um comentário sobre a maneira que ouvimos faixas soltas ultimamente ao invés dos álbuns inteiros.
Mesmo assim, a experiência de escutar “Crise” da primeira à última faixa é a de um contato muito íntimo com o universo de Rashid, que traz temas sociais bastante relevantes para entendermos as diversas “crises” pessoais que o brasileiro, seja ele quem for, acaba passando por viver neste nosso contexto.
Na pegada transformadora que o rap promove, é uma série de reflexões muito necessárias para passarmos os próximos meses do ano atentos ao que podemos fazer como partes integrais na sociedade. É a introspecção que não fica em si só, mas devolve para o mundo o que produzir dentro da gente – e isso na companhia de um ótimo som.
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