Todo ano a mesma coisa né? Relembrar alguns pontos para avançarmos nos outros. Precisamos acelerar o fim da desigualdade.

Viviana Santiago

As pessoas em novembro se lembram que a população negra existe e, desde George Floyd, se acostumaram a ficar bem a vontade para postar seu orgulho de ser antirracista nas redes sociais.

Mas, para ir além dessa autopromoção (que não é bonita), é preciso buscar uma coerência entre o que se diz e como se vive. 

Então para você que quer desenvolver cada ver mais conexão com uma postura antirracista, seguem lembretes para uma semana de antiracismo e de consciência negra pra valer!!

1 | Lembrar que racismo não é questão de opinião

Eu fico meio passada em ainda ter que te dizer isso, mas vamos lá: questão de opinião é se vai uva passa no salpicão ou se o certo é falar bolacha ou biscoito. 

Dizer que prefere que um filho namore uma garota branca, dizer que o cabelo afro de alguém não é apropriado para o ambiente de trabalho, isso não é questão de opinião, é discriminação, é racismo. É crime! Quando se deparar com um relato de um episódio racista, perceba que querer mostrar o “outro lado” (da pessoa agressora), parecer uma pessoa ponderada ou intelectualizada, tende a ser uma cumplicidade ao racismo. A justiça não está no “meio termo” entre quem agride e quem sofre. Racismo é um crime que parte de uma ideologia que pressupõe a superioridade branca. Como você vai agir diante disso? Quer mesmo bancar a opinião de entender o lado do agressor? Ou quer assumir um compromisso antirracista genuíno e se posicionar contra quem cometeu, ainda que isso te tire de uma zona de conforto? 

2 | Para além de não contar, não rir de piada racista.  (no fim das contas, é a mesma coisa) 

“Ah, eu não sou racista, você nunca me viu contar piadinha em nenhuma roda de amigos.”

Se você ri das piadas racistas (“ah era uma brincadeira), ou até mesmo se cala quando elas acontecem, o seu silêncio acaba consentindo com aquela situação. No riso ou no silêncio, a pessoa continua contando piada racista é porque ela está se sentindo aprovada pelo grupo para quem ela está contando.

[O silêncio é violência]

Se você desaprova, porque não se posiciona? Diga verbalmente que aquilo está errado, que a pessoa deve parar imediatamente com esse tipo de discriminação porque não, não é aceitável. Não é brincadeira. 

Se você desaprova e está rindo, eu diria que essa é uma maneira muito esquisita de mostrar desaprovação. 

3 | Não fique no discurso de declarar paixão pelo povo negro, conviva verdadeiramente com pessoas negras

Foto de Inatimi Nathus na Unsplash

Esse é um mistério que deveria ser estudado pela ciência: Como é possível estar no Brasil, ter tanto amor por pessoas negras e não conviver com pessoas negras?

E eu digo isso porque o Brasil tem mais da metade da população composta por pessoas negras (56% da população, segundo IBGE, 2016). Em 10 anos vai ter mais gente negra aqui do que na Nigéria. Ainda assim tem pessoas que não tem pessoas negras nos seus círculos de convivência. 

Precisamos conviver mesmo, desenvolver relações. Pessoas negras não são objetos de estudo e nem estrelas no céu, que você pode amar e estar lá longe. É preciso disponibilidade e abertura para a convivência. O nome disso é alteridade. Se não cultivamos essa alteridade, se não sairmos da admiração para a convivência diária, real, feita de trocas… Então eu não diria que é amor, talvez seja só fetiche mesmo.

4 | Entenda que ser antirracista não é falar pelas pessoas negras. 

Photo by Andra C Taylor Jr on Unsplash

Abra espaço e espalhe as vozes e nomes dos verdadeiros protagonistas dessa luta.

Leia também  Por que ler este texto?

Uma vez eu estava participando (como palestrante) num evento virtual. Eu era a única pessoa negra na mesa. Chegou uma pergunta sobre como o racismo impactava as pessoas negras no contexto do evento. Uma mulher branca participante começou a responder como o racismo era mau com as pessoas negras e como elas estavam afetadas e ela falava isso autorizada por tudo que ela já tinha lido, citava 1 autora negra e a experiência dela de aliada antirracista. 

Depois de quase cinco minutos de resposta a coordenadora da mesma –  também branca –  estava pronta para passar para a seguinte pergunta. A nenhuma pessoa na mesa ocorreu perguntar a única pessoa negra na mesa o que ela pensava sobre a questão. Eu tive que pedir a palavra. Constrangedor né? Muito. 

Se você é uma pessoa branca que quer ser aliada, pondere sua necessidade de aparecer e a ansiedade de falar. Repense o seu lugar nessa relação. Ter lido sobre pessoas negras, se considerar aliada, conhecer pessoas negras que passaram racismo, nada disso te autoriza a falar no lugar de uma pessoa negra. 

Se você, aliado branco, estiver numa roda só de pessoas brancas, pegue a palavra, faça sua fala, mas também leve a palavra de pessoas negras (de intelectuais a influenciadores) que estão na linha de frente da batalha. E, claro, quando houverem pessoas negras na conversa, seja um aliado dando suporte para que aquelas pessoas tenham espaço e protagonismo na fala. 

5 | Não peça e nem toque no cabelo das pessoas negras sem permissão

Imagine que você está esperando o farol ficar verde para atravessar a avenida mais movimentada da sua cidade quando de repente você sente um puxão no seu nariz e alguém aos berros dizendo: Mas que nariz mais fofinho!!! Olha fulana, aperta também! 

Parece impossível, ou uma zueira, né? 

Mas é mais ou menos assim que as pessoas negras se sentem cada vez que uma pessoa branca decide atravessar nossa existência, invadindo nosso corpo dessa forma. Pessoas negras não são objetos à disposição da curiosidade branca. Nosso cabelo não está a disposição. Nosso corpo não está a disposição. 

Não, não peça pra passar a mão. Não passe a mão sem pedir também. Achou bonito? Admire como você admiraria os olhos de alguma outra pessoa, sem tocar. Se você tiver um momento em particular comigo pode até mencionar, mas sem escândalo por favor.

E para ser um aliado nisso, ajude a conscientizar outras pessoas brancas sobre esse tipo de atitude.

6 | Se alguma atitude sua for apontada como racismo, não tente justificar. Peça desculpas e aprenda genuinamente como não repetir

Se justificar e não pedir desculpas é a pior atitude que você pode ter quando alguém questionar uma atitude sua. Ainda que você não tenha tido intenção, é possível que tenha tido uma fala ou comportamento racista sim, porque o racismo faz parte da estrutura da sociedade em que você se insere e que foi criado

Ao invés de tentar se defender, se preocupe em se desculpar pelo que você provocou (ainda sem intenção). Se comprometa, de coração, a entender a raiz dessa atitude, a refletir e revisitar comportamento daqui em diante.

Eu juro, é muito melhor ver que a pessoa reconhece e sente muito do que ouvir tentativas de justificar o injustificável. 

[Se você ainda não se convenceu, volte cinco casinhas até o lembrete 1 e comece tudo de novo.]


publicado em 18 de Novembro de 2022, 14:41

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP