Nós nascemos em um empate. Não se confunda, eu não disse “impasse”. É que, você sabe, ninguém nasce ganhando. Quando começa, o jogo está 0 x 0. Pode ser que você tome um gol logo na saída. Acontece nas melhores partidas. Mas, normalmente, o início do jogo serve para conhecer o terreno e analisar o adversário na cadência bonita do samba.

Na vida, jogo é jogo. Não tem treino (a não ser que você acredite em reencarnação, o que muda substancialmente as coisas, cá entre nós). Se for para aprender alguma coisa, é na marra, neguinho. Coloca o uniforme e parte pra cima. Se não deu pra marcar no primeiro tempo, se organiza no intervalo e muda a estratégia.

Só que é cada vez mais comum a gente começar o segundo tempo correndo do prejuízo. A gente não tem muito tempo pra consertar o jogo. Pelo menos, é o que parece. Tudo é pra ontem.

Época em que vivíamos com vírgulas, com tempo e espaço

Normalmente, funciona assim:

“Começa o segundo tempo! Tá empatado e já passamos dos 45 minutos, você não viu o tempo passar, nem vai ver. Corre todo mundo pra área que vem lançamento agora a gente não tem tempo nem para ponto final nem para a vírgula que foram substituídos por conectores gramaticais especialmente criados para os momentos como esse século XXI muito louco em que você não tem tempo nem para simular uma estratégia de jogo na prancheta e a bola foi pra fora.”

Ufa. É uma questão metafísica relativamente complicada. Porque nós temos, substancialmente, mais instrumentos para realizar tarefas. Computador, carro, telefone, computador no telefone etc. Mas, ironicamente, temos menos tempo ainda. Na verdade, não temos tempo algum, porque a tarefa que você recebeu já deveria estar finalizada antes mesmo de você receber.

Tá fazendo o que aí parado? Vivemos um constante, intermitente, maldoso e irônico “45 do segundo tempo”.

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Você sabe o desespero que é. A sorte nessas horas conta mais do que tudo. E como é chato depender da sorte. Nesses momentos, torça pela sorte da bola não vir na sua direção porque, se vier, você vai ter que acertar. Treinamento conta muito pouco nessa hora. Pode acreditar, a torcida vai te cobrar, a imprensa vai ficar no seu pé. É agora que aquele atraso na concentração pesa. Ninguém quer saber se não deu tempo ou se faltou.

Estamos devendo. E isso não é legal. Viver nos 45 do segundo tempo é negar o futebol arte. É negar planejamento, estratégia, concentração. Estamos à beira de uma Copa do Mundo e… Cadê? Na verdade, a Copa de 2014 não só começou como já está acabando. O tempo já passou. Já estamos nos acréscimos. Vamos depender mais uma vez da sorte. E dá-lhe sorte pra resolver essa situação.

Esse exemplo da Copa é bastante significativo. Digo isso porque, desde o começo do texto, parece que somos vítimas do tempo. Mas a organização da FIFA prova que tempo existe, o que não existe é uma boa noção dele.

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Enquanto nos perdemos em burocracias, incompetências, procrastinações e outras tarefas (também desorganizadas), o tempo passa. Assumimos cada vez mais responsabilidades, queremos gastar cada vez menos dinheiro e temos como objetivo realizar tarefas como se tivéssemos tempo para as mesmas. Convenhamos, grandes ilusões.

Precisamos acordar antes dos 45 do segundo tempo. Se bem que, para a Copa no Brasil, vamos ter que resolver nos acréscimos mesmo. Sobe todo mundo pra área que lá vem a bola.

Rodrigo Borges

Rodrigo Borges não costuma falar na terceira pessoa quando se refere a ele mesmo. Tenho um <a>Twitter meio paradão</a>