Entre as diversas mídias e formatos possíveis, séries de TV e streaming talvez sejam as que mais se aproximam do timing das histórias em quadrinhos. Apaixonados por HQ's desde a infância como eu já se pegaram imaginando diversas vezes como seriam seus heróis em adaptações para outros formatos.

Por sorte (ou azar), algumas adaptações já foram feitas e o relativo sucesso recente de séries como Demolidor e The Flash podem abrir espaço para que novas tentativas sejam feitas. Como imaginar não custa nada, aqui segue uma lista de HQ's variadas que poderiam funcionar bem no formato de seriado tanto pela qualidade de suas histórias quanto pela compatibilidade com o formato.

Jogue aí no final o que achou e o que ficou de fora dessa lista, vai ser um prazer imaginar com vocês.

1. Gavião Arqueiro – Matt Fraction e David Aja

Clint Barton, a.k.a. Gavião Arqueiro, é um personagem pequeno dentro das telas de cinema. Entre gigantes como Hulk e Thor, o Vingador sem superpoderes parece não ser muito significativo nas batalhas, afinal, qual a eficácia de uma arma arcaica entre o martelo de Thor e a força do gigante esmeralda? É justamente através dessa premissa que Matt Fraction conseguiu extrair o melhor do personagem. Existe um homem por trás do Vingador.

Como ser humano, Clint Barton está sujeito a ferimentos, falhas e perdas. A aclamada série em quadrinhos roteirizada por Fraction e vencedora de inúmeros prêmios internacionais, incluindo o Eisner Awards, retrata os bastidores do Gavião Arqueiro quando ele não está entre os heróis mais poderosos da Terra.

Repleta de humor, a HQ se desenvolve através de uma linguagem ousada e contemporânea. Como série de TV, seria interessante observar soluções gráficas como as do longa de Scott Pilgrim Contra o Mundo adaptadas para o meio televisivo. A narrativa não-linear de Fraction se encaixa com construções visuais que permitem explorar ao máximo a criatividade do cineasta. David Aja e Annie Wu, os artistas da série em quadrinhos, traçaram um caminho tão elegante e preciso que não é nenhum pouco difícil imaginar a ação sendo executada como linguagem em movimento.

2. Vampiro Americano – Scott Snyder e Rafael Albuquerque

O Vampiro Americano de Scott Snyder e Rafael Albuquerque é uma obra-prima dos quadrinhos. E não é difícil imaginar a HQ adaptada para uma série da Netflix ou da HBO.

A narrativa que mistura a história da civilização norte-americana com o surgimento de uma nova espécie de vampiros é impecável. Bons atores poderiam encontrar o papel de suas vidas ao interpretar os protagonistas Skinner Sweet e Pearl Jones. A mistura entre ação e drama construída por Snyder e Albuquerque foi feita para conquistar o grande público. A série possuiria todos os requisitos para alcançar e até mesmo ultrapassar sucessos como Game of Thrones.

3. Saga – Brian K. Vaughan e Fiona Staples

Saga. O épico arrebatador de Brian K. Vaughan e Fiona Staples. Vencedora absoluta de inúmeros prêmios internacionais incluindo os prestigiados Hugo Awards, Harvey Awards e Eisner Awards. A série conquistou os leitores ao redor do mundo e possui todas as qualidades para repetir o feito através do meio audiovisual.

Apesar de um custo potencialmente alto, a linguagem pouco convencional e desafiadora da história encontra um lugar entre praticamente todos os públicos. Uma mistura de ficção científica aos moldes de Star Wars com batalhas medievais fantásticas como em O Senhor dos Anéis e Game of Thrones. A série acompanha a jornada singular de uma família em meio à uma guerra interplanetária.

4. Chew – John Layman e Rob Guillory

O detetive cibopata Tony Chu, protagonista de Chew, conquistou os leitores da série imediatamente e se tornou um sucesso absoluto de crítica. Cibopatia é o termo utilizado pelos autores para descrever a estranha característica de absorver através de uma única mordida as sensações psíquicas e memórias do objeto. Ou seja, com um simples pedaço de carne, Chu é capaz de entender como ela foi cozida e, até mesmo antes disso, como a vaca foi abatida.

Com essa capacidade, Tony Chu trabalha para o FDA (Food and Drug Administration) do governo norte-americano, desvendando crimes através do método incomum de comer até mesmo pedaços de cadáveres. Com um roteiro insano e impensável que conquista a curiosidade de todos, Chew é um fenômeno que está apenas repousando e esperando a oportunidade de mostrar ao mundo do que é capaz.

5. Diomedes: A Trilogia em Quatro Partes – Lourenço Mutarelli

Por um bom tempo os quadrinhos brasileiros não fizeram o sucesso que mereciam dentro do próprio país. A trilogia em quatro partes de Lourenço Mutarelli talvez seja o maior exemplo disso. Pouco reconhecida por leitores ocasionais, a série se encontrou por um bom tempo perdida e só recentemente voltou às prateleiras no formato de encadernado com todos os volumes. A série, marco na literatura independente brasileira, possui características da cultura popular misturadas com um clima noir que reflete o melhor de grandes nomes da literatura universal como Charles Bukowski.

Bem acima da baixa qualidade de roteiros nacionais, a série tem aquilo que falta no audiovisual brasileiro: um bom texto. Não seria uma adaptação fácil, o mercado brasileiro só agora parece consumir aos poucos a produção nacional. Entretanto, sem dúvidas, seria excelente ver um dos melhores trabalhos do país sendo adaptado para uma outra mídia e ganhando o respeito que merece.

6. Duo.Tone – Vitor Cafaggi

Num tom imaginativo, a série televisiva de Duo.Tone poderia funcionar aos moldes de A Vida Secreta de Walter Mitty. Misturando realidade e fantasia, a emocionante HQ de Tim que conta sobre um garoto que vive aventuras incríveis em sua imaginação, possui inúmeras possibilidades ao ser transposta para o meio audiovisual.

Em complemento, a narrativa silenciosa da história de Yoshio, cheia de pequenos momentos contemplativos costura a outra ponta de Duo.Tone. Vitor Cafaggi, assim como sua irmã, possui uma delicadeza poética que trás um conteúdo universal e atemporal para suas histórias mais momentâneas.

7. Nemesis – Mark Millar e Steven McNiven

O super-vilão de Mark Millar e Steven McNiven combinam perfeitamente com uma série televisiva. Cheia de suspense, a HQ de um vilão que é descrita como uma versão maleficente do Batman possui ação do início ao fim.

O enredo aborda o embate entre o vilão Nemesis e um policial inspetor norte-americano. Desmedido, Nemesis é um personagem violento e capaz que não se contém na hora de agir. Sem nenhuma justificativa moral apresentada, o vilão é imprevisível. No meio audiovisual, a narrativa poderia se fortalecer através de uma trilha sonora paradoxal aos moldes de Tarantino e James Gunn. Não é difícil imaginar um vilão trabalhando ao som dos Hit's dos anos 70. Pelo contrário, parece tão real que chega a ser assustador.

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8. Thunderbolts – Warren Ellis e Mike Deodato Jr.

Se Guardiões das Galáxias fez sucesso nas telas de cinema e Esquadrão Suicida caminha na mesma direção, o supergrupo nada convencional de vilões da Marvel também possui uma boa chance. A ideia de reunir membros numa mistura tão heterogênea sempre parece interessante. Partes divergentes, com conflitos de interesses, já configuram por si só um enredo acima da média de séries de super-heróis. Vilões não costumam ser vilões à toa. Portanto, numa série de um grupo como esses, as faíscas estarão presentes desde o início. E, assim, é apenas uma questão de tempo até os confrontos inevitáveis surgirem.

9. Criminosos do Sexo

Lançada recentemente no Brasil pela Devir, a série de quadrinhos de Matt Fraction, um dos melhores roteiristas da atualidade, tem um conceito impressionante: um casal com a habilidade peculiar de parar o tempo no momento do orgasmo. Com uma história repleta de planos, a abordagem de Fraction em conjunto com a excelente arte de Chip Zdarsky flui com naturalidade.

A série em quadrinhos já está entre as melhores da década e possui todos os requisitos para também surpreender o espectador se for bem adaptada.

10. Umbrella Academy – Gerard Way e Gabriel Bá

A história do grupo de super-heróis escrita por Gerard Way, vocalista da banda My Chemical Romance, e desenhada pelo quadrinista brasileiro Gabriel Bá apresenta uma visão fantástica e insana de seres superpoderosos. Com viagens no tempo, máquinas assustadoras, robôs, explosões e macacos humanizados, a série reflete toda a inspiração musical de Gerard Way. Num misto de caos e sinfonia, a narrativa estabelece um tom surreal e dramático ao longo de toda a trama.

Com naturalidade, Gerard Way e Bá entregam um misto de cores e textos totalmente inesperado. E, talvez o que seja mais surpreendente, tudo se sustenta. Nenhum pouco parecida com o que se costuma ver no cinema ou, principalmente, na televisão, Umbrella Academy possui todos os requisitos para chocar o espectador e, quem sabe com isso, conquistá-lo.

11. Eu, Vampiro – Hale Fialkov e Andrea Sorrentino

A surpreendente nova série da DC Comics, aclamada pela crítica como uma das melhores durante o relançamento dos Novos 52, possui uma narrativa perfeita para o meio audiovisual. Os traços cheios de movimento de Sorrentino já esboçam como seria a história do vampiro ancestral Andrew Bennett nas telas. Num misto de amor, paixão e violência, o quadrinho caminha entre gêneros e agrada gostos diversos. Apesar do cancelamento na edição #19, a história poderia continuar por bastante tempo. Ao flertar com o universo de heróis e ao mesmo tempo se manter distante, "Eu, Vampiro" é um dos poucos quadrinhos das grandes editoras que possui um potencial enorme para conquistar leitores não habituados ou mesmo reticentes com as narrativas de super-poderes.

12. Ms. Marvel

Num esforço para entrar em diálogo com os leitores do século XXI, a Marvel trouxe mudanças como o contato com as minorias e o cuidado na abordagem de suas novas narrativas. Certamente, o melhor produto dessa abordagem é a HQ Ms. Marvel protagonizada pela Kamala Khan uma jovem de 16 anos americo-paquistanesa que se inspira em heroínas um pouco mais antigas como a emblemática Carol Danvers.

Kamala rapidamente conquistou o público e a crítica, entrando de modo sólido no Universo Marvel. Ao lado do Homem-Aranha, Miles Morales, ela representa uma nova face da editora que trabalha para um público amplo e diversificado. Tudo feito com qualidade. Uma história habilidosa e leve sobre os tempos modernos cujos heróis refletem uma mistura de velhas e novas virtudes.

13. O Despertar – Scott Snyder e Sean Murphy

Apesar de se tratar de uma série bem limitada, a HQ de Scott Snyder e Sean Murphy apresenta para o leitor um mundo repleto de possibilidades. Tratando de criaturas antigas que despertam nas profundezas do oceano, O Despertar possui antes de tudo um mundo cujo contexto é maior do que a história em si.

Movendo-se entre passado e futuro, Snyder e Murphy constroem um cenário no qual os humanos lutam contra uma espécie aquática ancestral e são devastados. Refletindo clássicos de literatura com a empolgação e o ritmo dos quadrinhos, a fórmula sem dúvida nenhuma se adaptaria bem em qualquer formato. Não há dúvidas de que o universo criado pelos autores seja capaz de conquistar os fãs em outra mídia. Nas séries de TV e streaming, O Despertar poderia repetir os mesmos feitos e ampliar um ambiente rico que certamente ainda tem muitas histórias para serem contadas.

14. Corto Maltese – Hugo Pratt

Corto Maltese é um dos maiores clássicos dos quadrinhos europeus. Entre suas diversas histórias, possivelmente a consagrada "A Balada do Mar Salgado" seria o melhor texto para iniciar uma adaptação.

Com um ritmo de aventura que parece estar voltando para a linguagem cinematográfica, Corto Maltese que já foi adaptado para uma série animada em 2003 poderia ser uma produção com paisagens fantásticas e um tom de descobrimento que parece estar meio perdido. Cheio de enredos, o mundo do marinheiro de Hugo Pratt possui um conteúdo muito diferente e capaz de despertar a curiosidade de um público que ainda tem pouca ou nenhuma familiaridade com a obra.

15. Frequência Global – Warren Ellis

Talvez, seja arriscado dizer que a série de Ellis parece combinar mais com a TV ou os serviços de streaming do que com os quadrinhos. Entretanto a história da organização "Frequência Global" que recrutas agentes operacionais de habilidades variadas para intervir em emergências e eventos importantes poderia obter um sucesso muito maior do que o obtido nos quadrinhos.

O próprio formado, escolhido por Ellis, de ter um artista em cada quadrinho combina perfeitamente com a ideia de diretores com estéticas diferentes para cada episódio. Seguindo os moldes de séries de sucesso da Netflix como Chef's Table e Sense8, a ideia de um mundo conectado possibilita diálogos e identificação com o público ao redor do mundo. A estética de um diretor brasileiro e de um diretor coreano, colocadas em contraste, além de funcionar de modo interessante também sintetiza visualmente o conceito do quadrinho de Warren Ellis.

Guilherme Murayama

Diretor de arte formado em publicidade pela ESPM, gosta mesmo é de cards, filmes e quadrinhos. Sonha ser escritor e conhecer um pouco mais o mundo, seja através de livros ou viagens. Pode ser encontrado no <a>Facebook</a>."