Existem várias formas de contarmos a história das nossas vidas.

O cinema é uma delas.

Através da luminosa ficção nas telas podemos imaginar histórias que transcendem a realidade, criando novas possibilidades para o real.

Alguns filmes conseguem alcançar essa façanha com uma sensibilidade e intensidade ímpar, que nos transportam para a imaginação dos personagens e nos fazem refletir. Quanto existe de realidade e de ficção em nossas vidas? Quantas histórias deixamos de contar por não termos coragem de vivê-las?

Os filmes escolhidos nesta lista representam uma experiência transformadora para mim e não importa quantas vezes eu assista, eles sempre trazem uma nova perspectiva sobre a minha própria vida e me fazem refletir sobre como eu vivi minhas histórias.

Forrest Gump – O Contador de Histórias

Corra Forrest corra!!!

Um banco de praça se transforma num verdadeiro palco das aventuras vividas por Forrest Gump.

Para esse personagem, bastante especial, pouco importa o julgamento das pessoas sobre suas histórias, que apesar de surpreendentes soam bastante convincentes quando contadas com tanto carisma e entusiasmo.

Forrest partilha de forma cativante sua vida com os espectadores como se fosse seu maior tesouro. Com a leveza de uma pluma, a trama interliga o passado e o presente do personagem deixando o futuro para a imaginação dos espectadores.

Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas 

História de pescador…

Aqui temos mais um contador de histórias, dos grandes, com direção de Tim Burton. As histórias narradas pelo personagem principal são um tanto mais absurdas, a ponto de gerar um conflito com seu filho, que duvida da veracidade dos fatos contados com tanta paixão por seu pai, um peixe grande demais para viver preso no aquário da realidade.

Na tentativa de descobrir a verdade por trás das histórias de um pai ausente, o filho, que se sente enganado pela fantasia paterna, irá embarcar numa jornada que confunde realidade e ficção, onde a essência não está na verdade das histórias contadas, mas na intensidade com que foram vividas.

Sr. Ninguém

“Enquanto você não faz uma escolha, tudo permanece possível.”

Neste filme somos teletransportados para várias dimensões do tempo e espaço, numa mistura de física quântica, entropia, efeito borboleta, teorias das cordas, multiversos e big bang. Em meio a este caos, um jovem senhor de 118 anos, o último mortal vivo, tenta contar sua história de uma forma bastante confusa, relativizando nossa noção da realidade.

A passagem irreversível do tempo e as consequências das nossas decisões são os temas principais deste roteiro incrível, abordados com grande sensibilidade, inteligência, senso de humor e um fotografia hipnótica. Uma película instigante que nos faz questionar: quantos trilhos o personagem percorreu de fato e quantas histórias nós mesmos estamos vivendo neste exato instante?

Questão de Tempo

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Na linha da relativização do tempo, este filme brinca com a fantástica possibilidade de alterar o passado. Quem não gostaria de ter o poder de escrever sua própria história, se libertando do destino? Pois, embora o protagonista tenha herdado este dom, ele irá descobrir que não é tão fácil assim moldar o passado.

Contar uma história é uma forma de viajarmos no tempo e muitas vezes guardamos nossas histórias sob nossos pontos de vistas, como retalhos distorcidos de nossas memórias. É impossível prever o efeito de nossas ações ao longo do tempo. Voltar no tempo e reviver nossas histórias pode ser uma poderosa ferramenta de autoconhecimento.    

Adaptação

Você nunca mais vai olhar uma orquídea do mesmo jeito…

E se o personagem principal for alguém que vive de escrever as histórias sobre os outros? Neste filme genial, o diretor Spike Jones capta toda a frustração e pessimismo de um roteirista em crise existencial e a transforma num thriller bastante verossímil, envolvendo tráfico de drogas, orquídeas raras e romances proibidos.

O filme nos convida a refletir sobre quantas oportunidades de viver nossas próprias vidas desperdiçamos, por aspirarmos à vida alheia ou por não nos considerarmos bons o bastante. Ousar escrever nossas próprias histórias pode ser uma aventura arriscada, fascinante e cheia de surpresas.

O Anti-Herói Americano

Meus heróis morreram de overdose.

Na linha do pessimismo, vale a pena indicar também essa comédia dramática. Um documentário-ficcional autobiográfico que narra a história de um homem tão medíocre que não conseguia desenhar uma linha reta, mas que se tornou inspirador aos olhos de diversos cartunistas que perceberam nele um retrato crítico do american way of life.

Neste filme metalinguístico, as histórias vividas por este personagem ranzinza, burocrata, amargurado, frustrado e desleixado são escritas por ele e desenhadas por outras pessoas.

Sem voz e sem talento, o personagem principal Harvey Pekar é um loser incapaz de contar sua própria história, mas isso não o impede de acreditar no seu potencial e fazer com que sua história ganhe vida através da revista American Splendor (título original do filme), que se tornou um sucesso dos quadrinhos independentes. Um belo filme sobre como a complexidade da rotina pode ser extraordinária e mostra como podem ser variadas as formas de contarmos as histórias de nossas vidas.

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A Vida Secreta de Walter Mitty 

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Quem nunca se pegou sonhando acordado? Pois Walter Mitty vive literalmente no mundo da lua. Porém, sua imaginação hiper-realista se torna paralisante na medida em que é confrontado com a realidade.

O personagem vive um conflito cotidiano, em que sua imaginação o distancia do mundo a sua volta, até o momento em que David Mitty decide correr os riscos de se entregar à aventuras reais e acaba sendo arrastado por elas. Uma bela atuação de Ben Stiller que assim como muitos de nós vive silenciosamente suas histórias de auto-ficção.

Ás vezes só precisamos de um empurrãozinho para cairmos na real, encararmos nossos medos e ousarmos pensar e viver fora da caixa. Esse filme é um belo exemplar de como viver intensamente as histórias que contamos.

As Confissões de Schmidt

Contando os segundos para a aposentadoria…

Muitos de nós começam a contar suas histórias um pouco tarde, mas nunca é tarde demais para viver novas histórias. Schmidt é o típico pai de família que passou a vida se dedicando ao emprego e quando se aposenta fica completamente perdido sem saber o que fazer. Tudo muda quando ele decide contar sua história para um pobre menino africano através de uma ONG. A partir desse momento é como se sua vida tivesse ganhado algum sentido. Afinal, uma história só tem valor quando podemos contá-la para a alguém disposto a ouvir.

Link Youtube | Vale o trailer

A bordo de um trailer Adventurer ele vai revisitar seu passado e tentar buscar um sentido para o seu momento presente. Um road movie sensível que conta com uma atuação hilária de Jack Nicholson sobre os dilemas da terceira idade. Como corretor de seguros experiente, sabendo que tem 73% de chance de morrer nos próximos nove anos, Shmidt não tem tempo a perder.

A Última Palavra

“Por favor, não tenha um bom dia. Tenha um dia que importe… tenha um dia que signifique algo.”

Não poderia faltar uma mulher nessa lista. Fiquei maravilhado ao encontrar esse filme enquanto escrevia esta lista. Uma verdadeira obra prima, com tudo o que uma boa história de vida tem direito: humor, drama, romance e superação. Não há momento mais dramático para pensarmos sobre nossas vidas do que à beira da morte e é justamente este o ponto de partida desta história. Uma senhora controladora e solitária que decide pôr fim à sua vida, mas antes de partir precisa escrever seu próprio obituário.

A virada é extraordinária, pois é justamente o passo em direção à morte que a traz de volta à vida, não apenas para contar as histórias que viveu, mas também para viver novas e cativantes histórias. O roteiro segue a estrutura de um obituário: um hobby que apresente a falecida, uma pessoa que tenha sua vida transformada por ela, o amor e saudade dos familiares e o elogio sincero de um amigo. Uma atuação fascinante de Shirley MacLaine!  

Don Juan DeMarco

“Quem somos, se não quem acreditamos ser?”

Um ótimo roteiro contracenado por Marlon Brando e Johnny Depp que além de ser uma história de amor é também uma lição de vida. Afinal, o que pode haver em comum entre um jovem suicida e um psiquiatra em fim de carreira, se não o amor? A verdade com que o personagem vive sua história transforma a vida de todos à sua volta e sua esquizofrenia paranóica acaba se tornando a cura para a síndrome de realidade de seu médico.

Como bem definiu Albert Camus a respeito do domjuanismo: “Se amar bastasse, as coisas seriam mais simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o absurdo. Don Juan não vai de mulher em mulher por falta de amor. Mas é justamente porque as ama com idêntico arroubo, e sempre com todo seu ser, que precisa repetir essa doação e esse aprofundamento.”

O que nos leva a acreditar que Don Juan tenha vivido cada uma das histórias de amor que conta não é o fato de serem verídicas, mas a forma como ele dá vida à elas, disposto até a dar sua própria vida se for preciso.   

 

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E então, depois de assistir todos esses filmes, como você contaria sua história de vida? Ou melhor, como você viveria as histórias que você conta? Não deixe de contar suas histórias por parecerem absurdas, nem deixe de vivê-las intensamente. Afinal, nós somos as histórias que contamos!

Lucas Prado

Lucas Prado, 35 anos, manaueiro (nascido em Minas Gerais com raízes em Manaus), servidor público, entusiasta de inovação, cinéfilo, colecionador, escritor e poeta, autor do livro Ninho"."