Não existe um “dicionário do significado das cores”, mas, graças à nossa cultura fomos capazes de criar associações relacionando cada cor. Desde o surgimento do cinema colorido, percebe-se que a cor informa, transmite sensações e pode se tornar uma ferramenta narrativa poderosa.
Junto com a fotografia, é na direção de arte e na composição cromática que o cinema cria e nos atinge de uma forma que vai além daquilo que consideramos bonito. Os grandes cineastas sabem disso e vêm se baseando nela como elemento para explorar a subjetividade do espectador.
Estes são alguns filmes que considerei interessantes para analisar o que as cores podem nos contar.
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, de Jean-Pierre Jeunet
Impossível falar de composição cromática no cinema e não citar Amélie Poulain. O trabalho meticuloso de Jeunet nessa obra lhe rendeu a fama de ícone de fotografia e direção de arte. Para ele, a realidade já é algo muito cru e cruel, o que faz com que ele busque criar imagens fantasiosas sobre a própria realidade. O que ele usa para nos distanciar da realidade mesmo próximos? A cor.
Vemos uma França lúdica no filme, muito diferente da real. A composição com as cores verde e vermelho ou laranja e azul nos possibilitam uma experiência visual muito agradável e positiva. Esse foi o objetivo do diretor: ver pessoas felizes saindo da sala de cinema.
E espero que vocês também fiquem felizes após ver esse filme.
Abraços Partidos, de Pedro Almodóvar
Outra pessoa que não pode ser deixada de lado numa reflexão sobre cor no audiovisual é Pedro Almodóvar. Difícil foi escolher um único filme desse diretor.
Os ambientes dos filmes de Almodóvar podem ser interpretados como reflexos das emoções dos personagens: dor, passionalidade, agonia, conflito, sexualidade, amor, raiva. Toda a composição de cores vivas e harmônicas nos mostra como ele consegue transmitir a densidade de um drama/melodrama com precisão à partir da contextualização da sensação da cena por meio das cores.
Herói, de Yimou Zhang
A estrutura narrativa desse filme só se dá por conta da cor. Nela, o personagem de Jet Li conta ao imperador da China, por meio de flashbacks, sobre como derrotou três criminosos que tentavam acabar com a vida do rei do estado de Qin.
No entanto, em quatro momentos do filme ocorrem versões diferentes dessa história, cuja diferenciação é dada pela cor predominante inclusive pela mudança da cor do figurino.
Pego como exemplo apenas o primeiro momento – até para evitar spoilers. Nela, percebe-se que os personagens são muito movidos pela emoção, pelos desejos carnais, pelo ciúme e são bastante violentos. Que cor melhor para retratar toda essa emoção e violência latente da primeira versão da história?
O que vocês acham que os outros momentos significam? Que tal assistir o filme e deixar suas impressões aqui nos comentários?
Sonhos, de Akira Kurosawa
“Sonhos são a expressão de desejos ardentes que o homem procura dissimular dentro de si mesmo enquanto desperto mas que se liberam enquanto ele dorme, se materializam sob a forma de acontecimentos reais.” –Akira Kurosawa
O filme é dividido em oito partes, ou seja, oito sonhos. No mais famoso, entramos em quadros de Van Gogh. “Por acaso”, um artista muito habilidoso com a mistura de cores.
Por sua proximidade com a pintura, Kurosawa se dedica cuidadosamente em cada um dos sonhos, a fim de transmitir curiosidade, morte, natureza, e outras manifestações de sonhos e imaginário humano.
Apesar de um filme com um ritmo bem contemplativo e não muito dinâmico, recomendo assisti-lo com bastante atenção e carinho.
Kill Bill 1 e 2, de Quentin Tarantino
Nosso querido Tarantino já provou mais de uma vez sua capacidade como diretor, mesmo não sendo segredo pra ninguém a quantidade enorme de referências que ele usa. Com Kill Bill não foi diferente.
Além da mudança de tons, variando de acordo com o clima da cena, também percebemos o uso singular do amarelo. Em Kill Bill, esta cor é o símbolo que Tarantino escolheu para a vingança. Em todas as cenas onde Beatrix está realizando sua vingança , percebemos uma presença do amarelo. Roubando a caminhonete amarela, andando na moto amarela, até na parede da casa da Vernita Green.
Como todo bom filme de ação, também vemos bastante vermelho antecedendo a morte ou as cenas violentas – alguém lembra da cor do guarda-chuva da Elle Driver quando a Beatrix ainda está em coma no hospital?
Ele também compõe com um pouco mais de cuidado o amarelo e o azul, afinal, é bonito de ver.
O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e seu amante, de Peter Greenaway
Cuidado. Se você tem estômago fraco, não veja esse filme. Uma das características mais fortes de Greenaway é o grotesco e o violento. Além disso, neste filme em particular, podemos perceber quanto o diretor queria nos dizer ao escolher as cores de cada ambiente.
Vemos uma seleção interessante de cinco ambientes quase monocromáticos:
- O restaurante vermelho, onde existe fome e as cenas violentas acontecem;
- O banheiro branco, onde os amantes se encontram pela primeira vez e expressam a pureza dos seus sentimentos;
- A cozinha verde, lugar onde, assim como a natureza, fornece alimento, além de ser o local onde os amantes têm relações sexuais – o lado animal da relação;
- O lado de fora do restaurante azul, onde o drama e cenas tristes ocorrem;
- E a biblioteca dourada do amante, que remete ao conhecimento e intelecto alto.
O cuidado com a cor é tanto, que o vestido da protagonista muda de cor em cada ambiente. Mesmo depois de algumas cenas de difícil digestão, não há como negar um trabalho cuidadoso com a cor desse filme.
Maria Antonieta, de Sofia Coppola
Apesar das péssimas críticas, Maria Antonieta é um filme que não pode ser deixado de lado no quesito cor. O filme conta a história da rainha da França desde sua chegada na corte, ainda adolescente, até a fuga da família real do grande palácio na revolução francesa.
Além de ser uma das poucas diretoras que conseguiu filmar no Palácio de Versalhes, Sofia Coppola demonstrou um artifício narrativo interessante nesse filme. Ao contrariar os dados históricos da paleta de cores típica da época, a diretora encontra um outro meio de transmitir sua mensagem, além de diálogos e atuações.
Enquanto no século XVIII as cores eram fortes e escuras, vemos tons claros e pastéis predominando no filme, a fim de apontar a inocência e infância da personagem. A Maria Antonieta de Sofia Coppola é mostrada como uma jovem perdida e confusa com as regras da corte, tentando esquecer as frustrações, gastando muito dinheiro com futilidades enquanto a França passa fome.
Um dos objetivos do filme foi justamente fazer uma sátira da superficialidade da nobreza da França. Não foi um sucesso como “As Virgens Suicidas” ou “Encontros e Desencontros”. Mas diria que, ainda assim, vale a pena ver o filme. Nem que seja só pela famosa cena do All Star.
Moonrise Kingdom, de Wes Anderson
Wes Anderson se mostra um grande contador de histórias, especialmente por seu tratamento com a cor. É possível percebermos que cada um dos dois personagens principais possui sua própria paleta.
Enquanto Sam segue com cores que remetem à natureza – devido ao fato de ser um escoteiro –, a pequena Suzy se expressa pelo contraste do calor do vermelho com o frio do azul/verde-água.
Querem o melhor? A composição cromática do filme se mostra complexa, extremamente equilibrada e harmoniosa, assim como outros filmes do diretor, como “O fantástico Sr. Raposo” ou “Viagem a Darjeeling”.
Enter The Void, de Gaspar Noé
Mais um filme para ter cuidado se você não gosta de filmes com cenas fortes. Gaspar Noé já é conhecido por suas temáticas chocantes, como o estupro interminável de Irreversível, ou o tesão de um pai pela própria filha em Carne. Tudo isso como crítica ou constatação da confusão interna que todos nós vivemos sobre as delimitações do certo, do errado, do descente, do nojento etc.
Em Enter The Void não é diferente. A sugestão de incesto, relação com as drogas e uma série de conflitos nos levam a uma viagem psicodélica e colorida.
Nesse filme, definitivamente vemos a força narrativa das cores e como elas podem ter o poder de ser perturbadoras. Também acho muito interessante como a cena de abertura do filme me remeteu à uma crítica à propaganda nas grandes cidades do mundo, que é exagerada, muito iluminada e bastante poluída.
Amor à Flor da Pele, de Wong Kar-Wai
Apesar de não haver um único beijo entre os personagens, Amor à Flor da Pele é pura sensualidade e paixão. A força do figurino da protagonista nos leva à diversas interpretações, como da mulher que troca freneticamente de roupa no medo de mudar de vida ou na falta de perspectiva.
Também conseguimos interpretar que rumo tomará uma cena só pela cor dos vestidos da personagem. Nesse filme, o vermelho novamente toma destaque como marcação de perturbação e outras emoções fortes. Trabalho fino! Won Kar-Wai, um dos diretores da Segunda Nova Onda do cinema de Hong Kong, é um gênio pela sensibilidade e delicadeza com que usa as cores em seus filmes. Seu rigor estético não passa despercebido em nenhum de seus filmes.
Muitos devem conhecê-lo pelo seu sucesso “Um beijo roubado“, mas não deixem de ver seus outros filmes.
* * *
É complicado selecionar uma quantidade ideal de filmes que “não podem faltar no repertório dos cinéfilos”. Pensando nisso, tendo que escolher um foco, optei por um dos elementos visuais mais poderoso do cinema: a cor.
Vale a pena prestarmos atenção nas mensagens que as paletas de cores podem nos passar. Também foquei um pouco mais nos diretores do que em suas obras por si só. Afinal, já que cinema é puro planejamento, os grandes pensadores por trás de um filme são os diretores.
Infelizmente, não é possível colocar tudo que pode ser dito sobre cada filme, nem todos os filmes cuja cor exerce papel comunicativo.
Mesmo assim, espero que a sugestão de filmes para entender o uso da cor no cinema seja proveitosa.
E vocês? Algum filme a acrescentar na lista?
Mecenas: Philips
As Smart TV’s da Philips são as únicas que vem com o sistema Ambilight, que projeta o brilho da imagem nas paredes ao redor da TV, melhorando o contraste das cores e gerando a sensação de estar assistindo numa tela maior. Uma função indispensável para quem quer trazer um pouco da experiência do cinema para casa.
Além da função Ambilight, a Philips está lançando uma nova linha de SmarTVs. Mais do que ter acesso à internet pela TV, uma Smart TV abre infinitas possibilidades de conteúdo, programação e interatividade, como assistir suas séries e filmes a qualquer hora, conectar seu smartphone/tablet à TV, compartilhar arquivos e informações, além de fazer chamadas com vídeo por meio de câmera integrada e Skype.
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