As festividades aconteceram cedo naquele ano, logo no começo de fevereiro.
Lá fora, o mundo ainda ouviria Frank Sinatra regravar a famosa canção "Fly me to the Moon" e os Beatles se tornarem os reis do iê iê iê com A Hard Day's Night, que seria lançado em 3 de junho.
Por aqui, o segundo mês do ano se iniciava com luto. Morreu, em 9 de fevereiro -- no meio do carnaval --, o compositor Ary Barroso, de cirrose hepática decorrente do abuso de álcool. O carioca compôs, em 1939, a "Aquarela do Brasil".
Na disputa das escolas de samba do Rio de Janeiro, a Império Serrano -- escola do coração do mestre Wilson das Neves -- despontava na avenida com o samba-enredo "Aquarela Brasileira", justamente em homenagem à canção de Ary Barroso que contava as maravilhas do Brasil. O samba da escola ficou imortalizado, mas, em 1964, o Império Serrano amargou o quarto lugar no julgamento, ano vencido pela Portela.
Vejam essa maravilha de cenário:
É um episódio relicário,
Que o artista, num sonho genial
Escolheu para este carnaval.
E o asfalto como passarela
Será a tela do Brasil em forma de aquarela.
Caminhando pelas cercanias do Amazonas
Conheci vastos seringais.
No Pará, a ilha de Marajó
E a velha cabana do Timbó.
Caminhando ainda um pouco mais
Deparei com lindos coqueirais.
Estava no Ceará, terra de irapuã,
De Iracema e Tupã
E fiquei radiante de alegria
Quando cheguei na Bahia...
Bahia de Castro Alves, do acarajé,
Das noites de magia do Candomblé.
Depois de atravessar as matas do Ipu
Assisti em Pernambuco
A festa do frevo e do maracatu.
Brasília tem o seu destaque
Na arte, na beleza, arquitetura.
Feitiço de garoa pela serra!
São Paulo engrandece a nossa terra!
Do leste, por todo o Centro-Oeste,
Tudo é belo e tem lindo matiz.
No Rio dos sambas e batucadas,
Dos malandros e mulatas
De requebros febris.
Brasil, essas nossas verdes matas,
Cachoeiras e cascatas de colorido sutil
E este lindo céu azul de anil
Emoldura em aquarela o meu Brasil.
Já nas ruas, o povo do Brasil/África (amém) entrava na catarse dos quatro dias de folia. As fotos abaixo são do italiano Willy Rizzo e a gente viu lá no Idea Fixa.
Nesse ano, a marchinha de carnaval da vez era a "Cabeleira do Zezé", cantada por Jorge Goulart. Até aqui, nada de Chico Buarque, caetano Veloso, Gil, Milton Nascimento.
Quem já despontava fortemente era Roberto Carlos que, naquele ano, lançava o disco É Proibido Fumar, que tinha -- além da canção-título -- o hit "O Calhambeque" como primeira faixa do Lado B.
Sim, em 1964 ainda se escutava vinil.
Um carnaval quente, uma festa na avenida e nas ruas, uma celebração brasileira com fim só na quarta de cinzas.
No primeiro dia de abril de 1964, começava a nossa maior quarta-feira de cinzas, com o golpe militar que trouxe consigo vinte anos de uma ditadura que deixou um sem número de mortos e desaparecidos políticos.
publicado em 11 de Janeiro de 2014, 22:00