O melhor modo de apresentar e conectar pessoas

Para quem nunca ouviu a expressão "dar nascimento" e não sabe o que é Investigação Apreciativa, vou descrever 2 cenas – cada uma com 2 versões – e depois deixar alguns comentários.

 

Cena 1: um cara novo no grupo

Versão A - Nós somos um grupo que estudamos ou fazemos coisas muito legais e então, por alguma razão, surge um novo integrante. Como ainda não pegou nossa linguagem específica, ele passa os primeiros encontros bem fechado e passivo (pois ele é assim mesmo, bem tímido).

Depois de um tempo, vai embora por não ter se sentido incluído no grupo. Nós ficamos aliviados pois ele pouco contribuía e nunca conseguia se integrar ao grupo.

Versão B - Nós somos um grupo que estudamos ou fazemos coisas muito legais e então, por alguma razão, surge um novo integrante. A primeira coisa que fazemos é descobrir suas habilidades. Ele conta o que já fez de bom na vida e nós imediatamente temos ideias de como ele poderia contribuir.

Logo pedimos sua ajuda, nem que seja para trocar a lâmpada porque ele é alto e nós não temos escada. No dia seguinte, ele já se sente integrado, a ponto de chegar na garota mais gostosa do grupo: "Oi, sim, eu sou o cara que trocou a lâmpada ontem...".

Owen Wilson e a velha arte de aproximar e conectar pessoas... | Cena do filme Starsky & Hutch

 

Cena 2: herói ou vilão?

Versão A - Você e eu somos amigos e hoje vou lhe apresentar um outro amigo. Minutos antes de ele chegar, eu conto um pouco de sua história. Falo que ele estuprou a irmã (ela sofre até hoje com isso), que é analfabeto, viciado em heroína e desempregado.

Quando ele chega e começa a conversar conosco, você não dá crédito algum ao que ele fala, fica revoltado com algumas opiniões e bastante irritado com seu comportamento. Ao fim do papo, eu digo que toda a história foi invenção minha para testar uma hipótese sobre a construção das relações.

Versão B - Você e eu somos amigos e hoje vou lhe apresentar um outro amigo. Um pouco antes de ele chegar, eu conto um pouco sobre seu passado. Falo que ele já viajou por quase todos os países da Ásia, África e da Europa, que é professor de karatê, que tem doutorado em bioquímica e já dedicou alguns anos de sua vida ajudando comunidades de países do leste da África.

Quando ele chega e começa a conversar conosco, você dá créditos, fica inspirado, concorda com muita coisa, ouve com toda a atenção, abre vários sorrisos. Ao fim da conversa, eu digo que toda a história foi invenção minha para provar como normalmente não olhamos os outros de modo elevado.

 

O precioso (e ignorado) momento do "Oi, prazer..."

pedreiro
"E aí? Fiquei sabendo que, além de pedreiro, você toca trombone, é isso?" | Crédito: Thiago Guimarães

 

A maioria das pessoas passa despercebida pelo momento da apresentação. Quando aproximamos dois desconhecidos, falamos o nome, às vezes a profissão, às vezes de onde o conhecemos, e só. Para quem é apresentado, a referência inicial do outro, assim, reside quase totalmente em seus preconceitos e impressões iniciais, que se tornam a base para o desenvolvimento da relação.

Não é sem razão que colecionamos tantas relações sem sal, de onde não sai quase nada... Isso não se deve à ausência de possibilidades nos outros, mas ao modo restrito com que nos conectamos.

Somos cegos para um processo que sempre ocorre em todas as apresentações: o outro nasce em nosso mundo e nós pisamos numa terra até então desconhecida, surgimos num novo universo. Às vezes com novas identidades (numa empresa, por exemplo), às vezes com novas qualidades – diante de uma namorada generosa que nos estimula a crescer.

 

Não apenas pessoas, mas organizações

Sabendo disso, David Cooperrider, professor da universidade Case Western, desenvolveu o método Investigação Apreciativa (Appreciative Inquiry). Uma de suas perguntas é: como as pessoas e organizações mudam? Usando seu método, em vez de se procurar pelos problemas e criar estratégias de consertá-los, olhamos o que funciona, reconhecemos e exploramos forças, descobrimos e cultivamos qualidades positivas, geramos sonhos amplos e agimos a partir disso.

Link YouTube

 

"A tarefa de uma liderança é alinhar as forças de um modo que as fraquezas se tornem irrelevantes." –Peter Drucker, em conversa com David Cooperrider

David implementou a Investigação Apreciativa pessoalmente aqui no Brasil na Nutrimental, que teve a coragem de reunir absolutamente todos os funcionários e muitos stakeholders da empresa para sonhar um futuro juntos.

O mesmo pode ser aplicado a comunidades supostamente "carentes". Em vez de olhá-los como carentes e tentar remediar seus pontos fracos, reconhecemos e conectamos suas riquezas. Em vez de chegar lá e construir uma sala com 15 computadores, que certamente serão destruídos ou roubados, juntamos a comunidade para que ela conheça a si mesma, para que todos apresentem suas habilidades e compartilhem sonhos.

O moleque descobre que o velhinho tem um passado riquíssimo e que foi o Dom Juan da comunidade. O velhinho, por sua vez, descobre que o moleque manja tudo de Internet. Disso saem projetos, ideias e possibilidades efetivas de transformação, antes invisíveis.

Se depois eles decidirem construir uma sala com 15 computadores, certamente nenhum deles será destruído.

 

A descoberta que não deveria ser surpresa alguma

tedxsp
No TEDxSP, as conversas já começavam em outra base. | Créditos: Wilian Olivato

 

Seja entre amigos ou dentro de uma organização, podemos experimentar outro modo de nos apresentarmos, diminuindo o tempo necessário para chegarmos àquela famosa (e rara) descoberta, que às vezes acontece anos depois quando encontramos a pessoa num evento como o TEDxSP.

 

–Não sabia que você também se interessava por essas coisas...
–Puxa, eu também não desconfiava. Sinceramente sempre te achei meio bobo na época da faculdade.

Andamos no mundo como se todas as pessoas fossem a priori rasas, superficiais, enlatadas, comuns, descartáveis e sem brilho. É preciso que algo aconteça (nosso amigo dar uma palestra ou um show, alguém nos falar bem de um conhecido etc) para que cheguemos à constatação de que sim, o outro é profundo, cheio de qualidades, com muito a oferecer.

"Nossa, não sabia que você era assim!"... Ora, isso não deveria ser surpresa, mas nossa suposição inicial.

Perdermos muito tempo tirando sarro e nos relacionamos com os obstáculos dos outros: um é frouxo demais, outro bebe demais, outro não é tão inteligente... Pensamos que isso não é nada demais, porém nosso foco constrói o que vemos no outro. Quando surge uma oportunidade, você vai chamar aquele que vê como cachaceiro ou aquele no qual vê diversas habilidades? Talvez seu amigo cachaceiro também tenha as mesmas qualidades...

Assim como vemos apenas um "especialista em cachaças" naquele amigo que só encontramos em botecos, restringimos o olhar em todas as outras relações. Seu pai, por exemplo, é muito mais do que seu pai, ainda que seja bastante difícil você se relacionar com ele explorando suas outras identidades. Às vezes é preciso montar todo um universo (como uma fábrica da família), na qual ele surja para você como outra pessoa – um chefe, no caso.

Com a namorada ou esposa, isso é ainda pior. ;-)

 

Um outro jeito de conectar pessoas

Link YouTube | Lama Padma Samten fala sobre brilho no olho

Em 2005, do lado da Avenida Paulista, participei de um retiro de 4 dias com esse cara sorridente aí de cima. Depois pegamos o áudio e transcrevemos mais de 15h de ensinamentos (um livro), de onde compartilho agora uma das falas mais bonitas que já presenciei:

 

"Nós, de modo geral, olhamos as outras pessoas e as aprisionamos com nossos olhares. Nós não permitimos lugares às pessoas, não damos nascimentos de liberdade para elas. Nós as congelamos."
"Com que autoridade eu aprisionei o outro como meu marido ou minha mulher? Depois que ele ou ela foi embora, eu ainda cobro coisas! Podemos ver isso também com nossos filhos. Eventualmente nós não damos nascimento aos filhos no mundo, nós só damos nascimento aos filhos dentro de nossa casa, grudados em nossa mão. Se o filho tenta qualquer coisa, nós não conseguimos vê-lo livre. No nosso mundo não há espaço para ele surgir livre."
"Eles podem, eles têm qualidades, todos eles têm a natureza de liberdade, eles podem fazer diferente do que estão fazendo. [...] Quando nós damos esse nascimento sutil a partir de uma paisagem que inclua o outro de uma forma elevada, tudo se transforma."
Lama Padma Samten

Em nossas relações, portanto, vamos reconhecer, valorizar, apreciar, estimular, ativar, magnificar, amplificar as qualidades positivas (manifestas ou potenciais) dos outros. Quando o apresentarmos a alguém, vamos jogar a base da nova relação lá em cima. Conectar o melhor de um com o melhor do outro, abrindo um espaço fértil para futuras conexões, inclusive conosco mesmos.

Um dos melhores modos de se conquistar uma mulher, por exemplo, é contribuir para o desenvolvimento de suas qualidades. Muito mais do que elogiar sua beleza, você procura por pontos pouco explorados, potenciais criativos, perfeições esperando por reconhecimento para florescer.

Se ela é atriz amadora e tem uma família que não a estimula a viver disso, você pesquisa na web por grupos profissionais de teatro e mostra pra ela que não é difícil conseguir uma DRT para conseguir trabalhos como atriz. Quando você a apresenta para amigos, você diz que ela é atriz.  Se ela faz circo, você diz que ela manja tudo de movimentos no tecido, ao mesmo tempo em que a olha com malícia, como se dissesse: "Eu sei que isso não é bem verdade, mas pode ser".

A prática de apresentar todos de modo elevado implica em treinar o nosso olhar para, antes, vê-los de modo mais amplo, penetrante e generoso – postura essencial para muitos outros processos. Por exemplo, como ajudar um amigo confuso se você sequer consegue imaginá-lo com outra cara, fazendo diferente, em outra vida, com outra relações?

Ser capaz de olhar os outros para além dos personagens que eles estão manifestando. Antecipar futuras identidades em nossos amigos. Apreciar, apontar e estimular qualidades positivas em todos ao nosso redor. Nossa tarefa não é nada menos do que isso, se quisermos construir o que Chogyam Trungpa chamava de "uma sociedade iluminada".

Aqui no PapodeHomem, o Guilherme faz isso muito bem com todos do time, incluindo os leitores, que muitas vezes viram colaboradores e até colunistas, como aconteceu com o Fabio Bergamo, nosso Dr. Fitness. De algum modo, todos nós da Equipe PdH estamos aprendendo a explorar essa ignorada sabedoria de apresentar e conectar pessoas, habilidades, projetos e sonhos de modo elevado.

 

Promoção de Natal - O Boticário + PdH

natal

Dar nascimento. Talvez seja essa uma das melhores formas de viver essa movimentação toda que fazemos ao redor do dia 25 de dezembro. Talvez seja isso que O Boticário queira estimular ao perguntar como vamos espalhar a beleza do Natal.

Eles fizeram um site no qual você pode deixar uma mensagem e depois visualizar o que foi escrito em todo o Brasil.

Aqui no PdH vamos sortear um kit com o perfume masculino Portinari, sabonete perfumado, desodorante e kit engraxate.

Para concorrer:

1. Deixe um comentário aqui apresentando um conhecido (amigo, colega de trabalho, namorada, irmão) de modo elevado. A ideia é que se a descrição for lida por uma mulher, ela fique com vontade de conhecê-lo; ou, se for lida por um empresário, de contratá-lo, saca? Para as leitoras, sugiro apresentar o namorado ou marido. ;-)

2. Poste a mesma mensagem lá no site d'O Boticário (opcional).

A melhor apresentação ganha. Os critérios são: bom português (evite abreviações, use acentos, verifique a ortografia), criatividade, autenticidade (não valem discursos artificiais) e visão ampla. O resultado sai até o fim da semana.

P.S.: Em 2010, nós vamos voltar muitas vezes a essa abordagem da Investigação Apreciativa.

Quer colocar isso em prática?

Para quem está cansado de apenas ler, entender e compartilhar sabedorias que não sabemos como praticar, criamos o lugar: um espaço online para pessoas dispostas a fazer o trabalho (diário, paciente e às vezes sujo) da transformação.

veja como entrar e participar →


publicado em 15 de Dezembro de 2009, 09:33
Gustavo gitti julho 2015 200

Gustavo Gitti

Professor de TaKeTiNa, colunista da revista Vida Simples, autor do antigo Não2Não1 e coordenador do lugar. Interessado na transformação pelo ritmo e pelo silêncio. No Twitter, no Instagram e no Facebook. Seu site: www.gustavogitti.com


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