Aonde foram parar os ídolos?

Meus seis anos de idade, a primeira guitarra e o primeiro disco de rock – o Appetite For Destruction, do Guns. Era 1995. Kurt estava morto, o axé predominava e Renato Russo já mal conseguia cantar. Lembro das horas tentando tocar o primeiro acorde e dos dedos calejados. Lembro de "Come As You Are". Meu primeiro riff de guitarra mal tocado, assim como o de muita gente.

Avenida Robert Kennedy, São Bernado do Campo, e uma banda que nunca ensaiou na vida. Pedaços de Ramones desalinhando-se a cada nota. Já era ensino médio, e eu já tinha ambições musicais na vida. Entre buracos e microfonias assim passei uma das melhores épocas já vividas.

E como em Blowin' in the Wind, de Bob Dylan, vieram os acordes em sétima, a cultura pop sessentista e os filmes de Woody Allen.

Com uma juventude em uma época errada, vieram as ideologias erradas e as amizades erradas. Sonhei ter nascido anos antes e ter conhecido ídolos já mortos por overdose.

Essa nossa mania de olhar para trás.

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Eu acredito em um senso comum. A idolatria por décadas muito anteriores, como o leitor de Mario de Andrade que sonha estar na Semana da Arte Moderna de vinte, e dois e o Jazzista do Café Paon que amaria estar a sessenta anos atrás. Referências anteriores nos dão novas perspectivas de vida e soluções imaginárias para os problemas atuais, com a desculpa de que aquela sociedade era melhor, em inteligência, criatividade e cultura.

Perdemos os ídolos, os sonhos culturais e os pensamentos coletivos. Vivemos preocupados com a franja mal alinhada ou o relógio que não brilha tanto quanto o do outro. Achamos que não existem mais revolucionários, artistas, manifestantes e filósofos. Se existem, não sabemos enxergá-los.

Somos perfeitos idiotas por não querer viver a realidade. A partir do momento em que nos refugiamos em épocas passadas e imaginárias, desistimos da vida e de seus frutos presentes. Esquecemos que há causas atuais para lutar, que há amores para se dedicar e que há sorrisos para desfrutar. Que há ciência a ser feita e há filosofia a ser pensada. Que a cultura atual se esconde cada vez mais, cumulus nimbus em grande gênios atuais, chamados artistas independentes, mostrando seu trabalho em botecos sujos da Augusta ou em Berlim.

Acho que precisamos nos esforçar mais para melhorar a nossa realidade atual em cultura, política, sociedade, artes. Acreditar em causas reais e lutar para transformá-las, construi-las. No mínimo reconhecer que isso está sendo feito, sim. Para cada Ramones há uma banda transformando o rock hoje, em alguma garagem por aí, quer você saiba disso ou não. Para cada Dylan e Cash e Russo e Cobain, há um poeta escrevendo coisas lindas hoje.

Quem sabe, assim nossos netos poderão ter seus ídolos no passado deles. Nosso presente. Talvez você até seja um deles.


publicado em 18 de Março de 2012, 07:24
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Luiz Fratta Jr

Protótipo de publicitário, ex-sushiman, músico frustado e revolucionário preguiçoso. Quer viajar o mundo, conhecer Woody Allen, sair em turnê com o Buena Vista Social Club, morar na ilha de Java ou então nenhuma das alternativas anteriores. @frattajr


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