Antes de tudo, precisamos ter uma conversa

"Quero mudar o mundo. E agora?" Mariana Ribeiro, uma das idealizadoras do movimento "Imagina na Copa", vai nos ajudar a responder essa pergunta

"Se fosse possível para mim narrar essa história, eu começaria por aqui." 

Essa frase me acompanha desde que a li pela primeira vez, no Asterios Polyp, um livro incrível do quadrinista americano David Mazzucchelli, que ganhei de presente de um grande amigo. 

Decidi abrir esse percurso com ela porque preciso ser honesta de partida: 1. é impossível mudar o mundo, 2. precisamos ter essa conversa, 3. quando digo conversa, quero dizer conversa - eu daqui, você daí e a gente trocando ideia.

Então gostaria de começar essa história com um acordo. Proponho que seja co-autor desse percurso, que a sua reflexão alimente a minha e vice-versa, que compartilhe seus pontos de vista e que a gente vá buscando juntos pistas que nos levem a novas respostas – melhor ainda se nos levarem a novas perguntas.

Na minha experiência, o sentimento de querer "mudar o mundo" parte em geral de uma constatação comum: enquanto sociedade, somos capazes de produzir sistemática e coletivamente resultados com os quais, individualmente, nenhum de nós concorda.

Em outras palavras: "o que está aí parece que já não está funcionando, mas seguimos fazendo o mesmo."

Até aí, nenhuma novidade, você pode dizer. Mas essa constatação quase óbvia tem o potencial de abrir espaço a uma transformação profunda que, neste momento, não é "do mundo", mas de si mesmo. Talvez seja o que tenha te trazido até aqui. 

E se eu mudar? E se eu fizer as coisas de outra forma? E se eu parar de reclamar e começar a agir?

Existe uma grande diferença entre querer mudança e querer mudar


Enquanto "querer mudança" parte de uma relação mais transacional e distante com o estado das coisas [elas não estão boas, quero que elas mudem], "querer mudar" implica uma relação pessoal, de responsabilidade e de interconexão [elas não estão boas, eu preciso mudar para que elas mudem].

Não há certo ou errado. Essas duas visões convivem muito bem, obrigada, mas geram resultados de formas substancialmente diferentes. 

A principal diferença entre elas é que, enquanto uma delega – o que é justo que se faça, dado que temos representantes para cuidar dos mais variados setores da sociedade –, a outra reconhece que, alterando nossa maneira de ser e de estar no mundo, também estamos contribuindo de maneira efetiva para gerar a mudança que queremos.

Só para citar um exemplo que adoro, de uma pessoa que adoro mais ainda, a Nati Garcia, do Cidades para Pessoas

Quando ela esteve em Copenhagen, capital da Dinamarca, a Nati teve acesso a um estudo que levantou o impacto de cada meio de transporte na economia da cidade, considerando fatores como tempo de deslocamento, necessidade de investimento em infra-estrutura e saúde pública. 

A conclusão a que se chegou foi de que cada quilômetro percorrido por um carro significa uma perda de R$ 0,25 para a cidade, enquanto cada quilômetro percorrido por uma bicicleta significa um ganho de R$ 0,40.

Eu gosto desse exemplo porque ele propõe uma outra perspectiva sobre o problema do trânsito. Quando você escolhe o seu meio de transporte, pode parecer uma decisão individual, mas o impacto é coletivo. Quando isso vira um número, fica fácil de enxergar, mas a verdade é que nossas ações impactam o todo o tempo todo e, claro, nós também somos impactados por ele.

Quem exatamente estamos esperando que faça as mudanças?

E com isso voltamos ao primeiro – e talvez mais delicado – ponto da nossa conversa: "mudar o mundo é impossível". 

Você não acha que acredito nisso de verdade, né? Justo eu. É claro que mudar o mundo não é impossível – embora muita gente vá tentar te convencer disso.

O que é impossível é mudar o mundo sem se mudar primeiro

O que acontece quando não nos damos conta disso são distorções de todos os tipos. 

Só para se ter uma ideia, hoje em São Paulo a média de tempo de deslocamento é de 2h46 por pessoa por dia. Nem precisamos entrar no mérito do impacto disso na economia da cidade [se você estiver interessado, encontrei esse artigo de 2013 que estima o valor em R$ 40 bilhões], bastaria que a gente se pautasse no impacto no nosso bem-estar, no nosso sentimento de felicidade e na nossa saúde – física e mental [sem querer estabelecer uma correlação direta, vale lembrar que São Paulo também é a cidade com maior índice de perturbações mentais do mundo].

A pergunta que cabe aqui é: será que somos parte integrante do problema que nós mesmos queremos tanto ver resolvido? 

Vamos supor que você tenha parado para pensar que pode ser peça fundamental para resolver problemas que te afetam diretamente, do trânsito ao estado do espaço público na sua cidade. Talvez tenha até considerado que pode resolver problemas maiores – a Educação, Política, Saúde – ou problemas cujas dimensões a gente ainda nem consegue mensurar, como a crise da água.

Não importa em que direção [ou direções] seu coração te chame, a principal mudança já aconteceu. Uma mudança em você. 

Por que considero essa mudança a principal? Porque colocar-se no lugar de criador da sua realidade é um baita exercício de disrupção.

Na minha experiência, a mudança individual desencadeia dois tipos de reação difíceis de controlar:

Tirinha por Andre Dahmer

Reação #1

1. Você ficou louco. 2. Você vai assumir essa bucha sozinho. 3. A gente vota nos representantes para eles fazerem isso que você quer fazer. 4. Não vai fazer a menor diferença. 5. Você vai se frustrar.

Reação #2

1. Incrível isso o que você está dizendo. 2. Faz todo sentido mesmo. 3. O mundo seria melhor se houvesse mais gente como você. 4. Eu queria poder fazer algo também. 5. Mas eu não posso porque...

Existe verdade em tudo isso. 

Nesse caminho, essas duas reações vão te acompanhar – do lado de dentro e do lado de fora. Até hoje não conheci um empreendedor social que não tivesse cogitado desistir ou que nunca houvesse tido dúvidas ou não tivesse sofrido pressões de todos os tipos – as mais duras, via de regra, vêm da gente mesmo.

Para essas horas em que tudo por dentro sacoleja, num teste pra ver se a gente para de pé apesar do turbilhão, uma certeza sempre serviu para mim como ponto de apoio: o mundo pode mudar. 

Aliás, já está mudando, a cada instante. 

Tudo ao nosso redor está em constante movimento, em constante transição. Quando agimos para "mudar o mundo" – que já muda à nossa revelia, para sermos honestos –, o que estamos fazendo é agir para que esse processo de mudança reflita nossas necessidades, desejos e sonhos, enquanto sociedade. 

Estamos dando direção a essa mudança, interferindo nela para que seja sempre melhor, para um número maior de pessoas.

A gente pode também escolher não se responsabilizar. Não há nada de errado com isso. Quando escolhemos não interferir diretamente, estamos permitindo que outras pessoas tomem essas decisões. Está tudo certo, desde que a gente confie que o mundo está em boas mãos sem nós.

Na minha opinião, o mundo estaria melhor com você.


publicado em 25 de Março de 2015, 16:58
File

Mariana Ribeiro

Carioca em roaming nova iorquino. Jornalista de formação, gestora de marca por oportunidade, empreendedora social de propósito. Foi cofundadora do Imagina na Copa, com o qual viajou o Brasil para documentar histórias de jovens que estão transformando o país para melhor. Adora tapioca, cafuné de avó, cervejinha com os amigo, pisar com o pé na terra, o eterno namoro com o Rio de Janeiro, as saudades de São Paulo, abraçar estrangeiros, meia pros dias frios, ventilador pros dias quentes e escrever. Ah, fica mais feliz quando perto do mar.


Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.

Sugestões de leitura