Além do controle: como cultivar relações sem tanto sofrimento?

Gustavo Gitti fala sobre relacionamentos, amor e como isso pode ser uma jornada de crescimento pessoal

Entrevistei Gustavo Gitti, e fiquei maravilhada com a forma como ele enxerga os relacionamentos, e a vida. Temos muito o que aprender.

Nathália: O que te motivou a escrever, pesquisar e falar sobre relacionamentos?

Gustavo: O sofrimento pelo qual passei (experiência de ser traído, humilhado, abandonado, rejeitado, substituído) e depois o sofrimento que fui encontrando por aí. Quanto mais eu escrevia e conversava me abrindo, mais ouvia relatos muito íntimos com todo tipo de complicação. Lembro agora de um deles: um homem tinha uma amante, sua esposa estava grávida e ele se perguntava se era melhor separar da amante ou da esposa…

Se você olhar bem, a maioria dos trabalhos positivos nasce de algum sofrimento. O sofrimento é fértil — se conseguimos atravessá-lo, aproveitá-lo, ele se torna combustível de conexão com os outros e também de transformação interna.

Nathália: O que, pra você, é um relacionamento lúcido? E como as pessoas conseguem chegar a isso?

Gustavo: Eu acho que os relacionamentos de casal não tem solução, não tem como resolver, no sentido de chegar a um estado ideal de felicidade condicionada. Quanto mais insistimos nessa visão romântica, mais sofremos e mais fazemos os outros sofrerem.

Parece que já superamos o romantismo, mas não é verdade: mesmo que saibamos que é impossível, nossa operação emocional ainda é a de andar por aí buscando um namoro sem problemas (ou com poucos problemas). Quando enfim encontramos alguém que parece nos fazer feliz, colocamos nossa energia, nosso tempo, nossa respiração na dependência dessa pessoa. Começamos a negociar, controlar, esperar, exigir, reclamar… Essa mente em si mesma já é uma mente infeliz. Não tem como ela nos fazer feliz, por mais incrível que a outra pessoa seja.

Diante dessa condição, alguns teimam na busca romântica e outros se deprimem numa espécie de niilismo: já que não tem como dar certo, então vamos no contentar com migalhas de relacionamento. Há muitas pessoas assim.

Ambos os extremos do romantismo e do niilismo não levam a pessoa a entender a necessidade de trabalhar com sua mente, com suas emoções, com seu mundo interno, que é a verdadeira origem de todo o sofrimento e também da felicidade genuína — quando cultivamos atenção, estabilidade, relaxamento, sabedoria, amor, alegria, compaixão, ludicidade. A satisfação não tem como vir de uma pessoa, mas pode, sim, surgir de um cultivo interno em meio a todas as relações. O problema é que hoje não sabemos como iniciar essas práticas, então “compaixão”, “sabedoria”, “relaxamento” se tornam apenas palavras bonitas.

Namorar é brincar com fogo. Ninguém nos avisa, mas tem pessoas se matando por causa disso o tempo todo. Quem não chega a algum tipo de violência acaba tomando remédios, usando drogas, comendo demais etc.

Quanto mais você souber que pode se queimar, mais estará preparado para quando acontecer. Estar preparado inclui entender que não há culpados, que você não fez algo errado (os problemas vieram junto com o pacote) e principalmente que você pode trabalhar com a vida do jeitinho mesmo que ela vier. Não importa o que aconteça ao seu redor, internamente você sempre pode relaxar, respirar, olhar de modo mais amplo, sorrir, se equilibrar de modo autônomo, ver qualidades nos outros, desejar que eles não sofram, cultivar empatia e agir com mais liberdade, sem tanta aflição, sem tanta seriedade, sem tanto autocentramento. Você pode, mas precisa aprender a acessar essa possibilidade sempre disponível.

Um relacionamento mais lúcido seria aquele no qual pelo menos uma pessoa consegue aproveitar o que acontece para se transformar e ajudar os outros a fazer o mesmo. É possível fazer isso no começo, no meio, no fim e após o fim.

Um relacionamento no qual ambos só agem para conseguir fazer dar certo, para conseguir a própria felicidade, é algo meio inútil. Quando acaba, a pessoa não sai com uma mente mais clara, menos ciumenta, mais compassiva etc, apenas leva uma mente que vai tentar fazer a mesma coisa com a próxima pessoa, dessa vez com mais espertezas (“Ah, aquilo deu errado, agora sei o que funciona…”).

A gente deveria guardar isso no meio do peito: o outro é livre, o outro é criativo. É impossível conhecer o outro, é impossível controlar o outro, é impossível segurar o outro. (Com isso não estou falando de poligamia como solução, pois acho que toda essa discussão passa longe do verdadeiro problema. Mudar de monogamia para poligamia não faz nem cócegas nas estruturas internas da mente aflita e autocentrada.)

Nathália: Qual a diferença entre amor romântico e amor genuíno?

Gustavo: Perguntamos isso para Jetsunma Tenzin Palmo, uma monja poderosa que ficou 12 anos em retiro fechado e hoje viaja o mundo ensinando. Ela respondeu assim:

“O apego diz: eu te amo, por isso eu quero que você me faça feliz. E o amor genuíno diz: eu te amo, por isso quero que você seja feliz. Se isso me incluir, ótimo! Se não me incluir, eu só quero a sua felicidade.”

Eu listaria três processos para converter o amor romântico em amor genuíno: 1) a capacidade de relaxar, não reagir tanto e manter a energia de modo autônomo (sem depender que isso ou aquilo aconteça); 2) a capacidade de não saber (não manter teorias sobre como as coisas deveriam ser) e sorrir onde estamos sérios e sisudos, em nossas identidades, jogos sutis e bolhas; 3) a capacidade de olhar o outro dentro do mundo dele, ver qualidades, ajudá-lo com obstáculos e se alegrar com seu florescimento.

Em resumo: equilíbrio, sabedoria e compaixão. Ou: parar, sorrir e ajudar.

Se agimos com esse coração, atravessamos mesmo a mais dolorida das experiências.

Nathália: O que te inspira, na vida?

Gustavo: As pessoas que estão próximas, com algum nível de confusão e que sinto que eu poderia ajudar.

As pessoas parceiras que estão se divertindo em caminhos parecidos, se transformando também, com o voto de olhar tudo mais profundamente, agir com menos aflições e ser veículo de qualidades poderosas que não nascem e nem morrem (como generosidade e destemor).

E principalmente os grandes professores e as grandes professoras que dedicaram suas vidas a esses processos de parar, olhar bem ao redor e beneficiar as pessoas. No meu caso, especialmente das linhagens budistas: Lama Padma Samten, Chagdud Tulku Rinpoche, Alan Wallace, Jetsunma Tenzin Palmo, Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche, Sua Santidade o Dalai Lama… Hoje eles são o exemplo vivo desse olho e desse coração capaz de transformar uma vida miserável em uma grande vida. E eles tem métodos precisos, com instruções testadas há séculos, para fazermos esse treinamento de equilíbrio, sabedoria e compaixão, pensa! Como eu poderia me deprimir sabendo que tenho tanto trabalho a ser feito?

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Para apronfundar a leitura

É impossível controlar o outro

Qual a diferença entre amor romântico e amor genuíno (que passamos a vida inteira sem nos dar conta)?

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Gustavo é Coordenador do lugar, professor de TaKeTiNa, tutor no CEBB SP e colunista da revista Vida Simples. Ele aceitou o convite da Kind para facilitar o curso Além do controle: como cultivar relações sem tanto sofrimento.

Para saber mais e garantir sua vaga, escreve logo pra gente no contato@akind.com.br.

 


publicado em 14 de Setembro de 2015, 16:33
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Nathália Roberto

Sócia da Kind, empresa que oferece espaços de conexão entre mulheres e do curso das emoções, percurso online criado para nos ajudar no cultivo de um bem-estar genuíno. Conduz cursos baseados no CEB (Cultivating Emotional Balance, do Santa Barbara Institute for Consciousness). Durante oitos anos, trabalhou no mercado de moda. Seu maior interesse hoje é conhecer a mente em primeira pessoa e poder cultivar um interesse genuíno pelo outro.


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