Álbum de Figurinhas: A simpatia como legado da Copa

"Aqui dentro tá tendo muito americano e muito alemão, e vão me perguntar: tá ficando doido? Boné dos Estados Unidos e camisa da Alemanha? Eu digo: Não, meu pai é alemão e a mãe é americana".
humberto

É com pérolas como essa, bom humor e um inglês meio enrolado que aprendeu quando acompanhou o pai marinheiro para a Inglaterra, dos 12 aos 14 anos de idade, que Humberto de Souza tenta atrair clientes estrangeiros para o restaurante em que trabalha na orla de Ponta Negra, em Natal. Contratado para a tarefa há pouco mais de um ano, ele conta que o movimento de turistas durante a Copa do Mundo até cresceu, mas decepcionou.

As esperadas caixinhas de 200 ou 300 reais para os garçons não passaram de ilusão e só os mexicanos, mais festivos que americanos ou japoneses, gastaram uma boa quantidade de dinheiro no bar. O que sobra? Conversar com a clientela.

Foi na base do papo, da paixão por história e nos documentários assistidos na televisão que boa parte das tatuagens que exibe foram baseadas. Escondidos no lado direito do peito, os dois relâmpagos da SS (instituição paramilitar nazista) são herança de um fascínio por tanques e armas de guerra – “fiz, não é legal, mas não tem como arrancar”.

No antebraço direito, a foice e o martelo vermelhos também chamam a atenção, e acrescentam mais uma faceta à miscelânea de crenças políticas e históricas. Depois de falar sobre o voto nulo e oferecer uma breve aula sobre a diferença entre a cultura chinesa de ganhar na quantidade e os altos preços praticados na praia do Rio Grande do Norte por quem “quer ganhar tudo em uma só venda”, Humberto me diz como lida com as perguntas sobre as coisas em que acredita.

“Eu gostava da história da Rússia, e não volto atrás do que eu faço. O pessoal fala: você é comunista. Eu falo para analisar. E agora, tá melhor?”

Durante a viagem do PapodeCopa, tem sido engraçado perceber, mesmo de longe, o impacto que a cara de pau, a alegria e a disposição bem brasileira de discorrer sobre todo em qualquer assunto causa nos gringos com quem profissionais como ele são pagos para falar.

Em meio às barbaridades que encontramos pelo caminho, às vezes esquecemos que o maior legado dessa Copa (que o Le Monde chamou de Milagre Brasileiro) pode ser algo bem simples, em que nem a Fifa consegue tocar: a simpatia.

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natal

Uma Copa do Mundo se faz com pessoas.

As que entram em campo, as que viajam para testemunhá-la, as que enchem as ruas, as que se voluntariam, as que torcem e as que veem no evento uma oportunidade para garantir seu sustento ou para extravasar.

A seção “Álbum de Figurinhas” pretende contar, com um microrrelato artesanal e um retrato por dia, a história de algumas dessas pessoas, muitas vezes invisíveis, que povoam os bastidores da Copa do Mundo do Brasil.

Para ler todos os textos, basta entrar no nosso Álbum de Figurinhas.


publicado em 27 de Junho de 2014, 11:07
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Ismael dos Anjos

Ismael dos Anjos é mineiro, jornalista e fotógrafo. Acredita que uma boa história, não importa o formato escolhido, tem o poder de fomentar diálogos, humanizar, provocar empatia, educar, inspirar e fazer das pessoas protagonistas de suas próprias narrativas. Siga-o no Instagram.


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