O que aconteceu quando parei de comer doces

O maior susto é saber que açúcar vicia pelo mesmo mecanismo da heroína e da cocaína

Foi no dia 10 de janeiro de 2015. Lembro-me da data pois era a festa de aniversário da filha da minha melhor amiga.

Comi algo que não tinha me feito bem no dia anterior e estava com dor de barriga, mas decidir ir assim mesmo comer tudo o que estava disponível, principalmente os docinhos.

Naquele instante me dei conta de que não possuía controle algum sobre os doces que ingeria. Percebi o quanto eu era dominada pelo desejo de comer guloseimas açucaradas. E então as lembranças de episódios de compulsão por doces começaram a vir em flashes, como uma sequência de cenas de filmes de terror:

  • Terminar o jantar num restaurante e, apesar de estar totalmente satisfeita, pedir sobremesa;
  • Logo depois de almoçar, garantir duas barras de chocolate pro fim da tarde porque com certeza eu ia sentir vontade de comê-las ao fim do dia;
  • Comer uma caixa inteira de bombom, bis, biscoito recheado, a barra grande de chocolate, todos os docinhos que sobraram da festa, de uma única vez, até acabar;
  • Abrir os armários e não encontrar nenhuma gordice pronta, e então preparar brigadeiros ou misturar creme de leite com chocolate em pó pra comer de colher (e, obviamente, comer a lata toda de uma só vez).

Os exemplos são muitos e, sim, eu era completamente descontrolada e compulsiva. Foi aí eu descobri que era viciada em açúcar.

Mas açúcar é droga pra viciar?

Sim.

Inúmeras pesquisas apontam que o açúcar vicia, sim, e pior, atua no cérebro da mesma forma que drogas pesadas, como cocaína ou heroína.

Esse efeito é causado pelo alto número de calorias dos doces: o açúcar estimula o duodeno, uma parte do nosso intestino delgado, que comunica os centros de recompensa do cérebro que o alimento ingerido é calórico, e a sensação de prazer e saciedade vem como consequência. O mecanismo é o mesmo do vício em drogas: queremos sentir o prazer novamente e cada vez precisamos de mais pra satisfazer-nos.

O documentário Fed Up discute a péssima abordagem adotada pelas políticas públicas estadunidenses, que jogam a culpa da epidemia de obesidade na falta de exercícios físicos em detrimentos dos péssimos hábitos alimentares da população. Dica: tem no Netflix

Pra piorar esse quadro, dissemina-se por aí a ilusão de que exercícios físicos regulares são por si só suficientes para dar fim à quadros de obesidade. Eles são, sim, importantes para a manutenção de hábitos de vida saúdaveis, mas a chave para perder peso é a alimentação regrada e pouco calórica.

O gráfico da Vox explica: por dia, enquanto 100% da energia que ganhamos vem da comida, só queimamos de 10% a 30% com exercícios físicos. Por outro lado, praticar atividade física pode afetar a quantidade de comida ingerida de modo incerto. Por isso, exercícios são importantes, mas o quanto e o quê você come influencia muito mais na sua circunferência abdominal

O assunto não é brincadeira. Finalmente pesquisas sérias sobre o tema estão sendo realizadas, mas acredito que as indústrias alimentícias são tão poderosas que o assunto pode acabar caindo no esquecimento. Afinal, sem financiamento para pesquisas, não há pesquisas... E quem é que vai pagar para provar que os produtos que você vende são muito prejudiciais e estão afetando a saúde da população cada vez mais cedo?

Meu comportamento não diferia muito da típica autoenganação do viciado: apesar de saber dos vários malefícios do açúcar, sempre julguei que pararia quando quisesse.

Entendi que você era viciada em açúcar. E daí?

Sempre fui determinada para tudo, mas os fantasmas do sobrepeso e obesidade me rondavam, e a dúvida que pairava no ar era: por que raios eu não conseguia seguir uma dieta?

Quando reconheci meu vício por açúcar, muitas fichas caíram, inclusive do porquê os regimes e as reeducações alimentares nunca funcionaram pra mim.

Eu ficava feliz? Ia comemorar em restaurantes e lanchonetes, tomando milk shake, pedindo sobremesa! Eu estava triste? Comia um docinho pra afogar as mágoas. Tinha feito ginástica? Então podia comer uma barrinha de chocolate pra compensar… Descontava todas as emoções na comida, fosse na alegria ou na tristeza, e o açúcar, em especial, tinha o poder de me acalmar momentaneamente pra, na sequência, me deixar totalmente fora de controle, comendo tudo o que aparecia pela frente de novo.

Então, tomei uma decisão: a partir daquele fatídico 10 de janeiro de 2015, eu pararia de comer doces.

Foi fácil? Não. Foi difícil? Sim, mas não tanto quanto imaginei que seria.

Por incrível que pareça, o social foi a parte mais difícil nesse processo: muitas pessoas passaram a me criticar, dizendo coisas nonsense do tipo “não pode parar de uma vez”, “esse não é o caminho”, “come só dessa vez” ou “nem no seu aniversário?”, exatamente como alguns costumam fazer com o álcool ou a carne.

Eu já não tomava refrigerante desde os 15 anos e também era ovolactovegetariana há quatro, então muita gente me atormentou profundamente com frases do tipo “e agora, vai viver de luz?” ou “poxa, você não come nada! Assim fica difícil”, entre outras piadinhas sem graça.

Mas então, o que aconteceu depois de um ano sem doces?

No começo, eu tinha que me controlar com um poder sobrenatural para não voar sobre os doces alheios. Depois de mais ou menos um mês, o processo foi ficando cada vez mais tranquilo, e agora quase não sinto mais vontade. Eventualmente, quando a tentação é grande, experimento. E só.

Isso porque:

  • Constatei que não precisava de açúcar pra ser feliz;
  • Minha relação com a comida mudou totalmente, pois passei a ter mais controle e consciência sobre o que como;
  • Reduzi significativamente os episódios de compulsão alimentar;
  • Descobri que a maioria dos alimentos industrializados continham açúcar na composição, então passei a comer mais frutas e preparar lanches em casa, o que melhorou muito a qualidade das minhas refeições (por causa dos estudos que apontam os malefícios dos adoçantes artificiais, sempre optei por alimentos que fossem sem açúcar nem adoçante. Logo, nada de produtos diet/light pra mim);
  • A acne que surgiu na vida adulta finalmente desapareceu;
  • Emagreci. Não sei quantos quilos, mas passei do manequim 46 para o 40/42.

Não parei com os doces para perder peso. Não era dieta da moda, regime ou reeducação alimentar consciente. Eu simplesmente parei de ingerir algo que me fazia mal e causava compulsão incontrolável.

Biscoitos, chocolate, sorvete, e a lista não acaba

Apesar de não ser oficialmente sedentária – pedalava de vez em quando e fazia aulas de circo quando dava –, não mantinha uma rotina de treino regrada e, apesar da associação que a gente costuma fazer entre emagrecimento e exercícios físicos, posso afirmar que minha perda de peso foi resultado exclusivo da mudança de hábitos alimentares.

Exercícios fazem bem pro corpo, mas associar o emagrecimento com a prática esportiva pode ser extremamente frustrante se não for acompanhado por uma alimentação equilibrada.

Ah, mas eu nunca vou conseguir...

Como já falei, não é fácil parar. Mas também não é impossível.

Caso você descubra que o seu quadro é de vício ou seguidos episódios de compulsão alimentar, o melhor a fazer é procurar ajuda especializada de médicos nutrólogos, endocrinologistas e nutricionistas.

No meu caso, todas as dietas que eu fiz eram baseadas na contagem regressiva: quando emagrecer tantos quilos, posso comer normalmente. Aí eu emagrecia e, quando voltava a comer sem restrições, recuperava meus hábitos compulsivos e engordava, num piscar de olhos, o que tinha suado tanto pra emagrecer.

Por isso, abolir o açúcar foi a decisão mais fácil e mais arrojada que eu poderia tomar.

E você, tentou algo parecido? Deu certo?

Para ler mais sobre açúcar, dieta e saúde

Sugar Blues: o Gosto Amargo do Açúcar, de William Dufty;

Lick the Sugar Habit, de Nancy Appleton;

Why you shouldn't exercise to lose weight, explained with 60+ studies, de Julia Belluz e Javier Zarracina para Vox.


publicado em 09 de Maio de 2016, 16:04
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Tatiana Saito

Natureba, adora uma viagem para praias ou cachoeiras onde o bicho homem ainda não tenha destruído tudo. Auditora interna e, por incrível que pareça, bem humorada, vegetariana e ciclista.


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