Abraçando a procrastinação

Nem sempre procrastinar é a pior coisa que você pode fazer

Tudo o que se torna uma tendência acaba se espalhando o suficiente para gerar um movimento contrário, uma contra-tendência. Produtividade e o combate à procrastinação se tornaram um grande movimento nos últimos anos.

Estudantes, trabalhadores e empresários passaram a colecionar técnicas que os fizessem ampliar sua capacidade de trabalho, numa louca busca por produzir cada vez mais. Como podem acompanhar pelos meus textos, também faço parte do grupo que busca otimizar processos, mas hoje estou aqui como parte da resistência.

Utilizar táticas para executar tarefas que precisa fazer e que, por algum motivo, está postergando é uma coisa boa. O perigo mora quando não deixamos algumas coisas seguirem seu fluxo natural e acabamos antecipando acontecimentos que poderiam ser resolvidos sem intervenção.

Promovemos tal comportamento porque raramente somos recompensados por algo que deixamos de fazer, mas sempre pelo que fizemos. Se um médico fizer uma cirurgia para resolver um problema, você irá pagar pelo procedimento. Se ele recusar a fazer a operação e deixar seu corpo curar a doença de forma natural, o senso de recompensa será bem menor. A omissão voluntária será melhor pro paciente, submetendo-o a menos riscos. Entretanto existem poucos incentivos para que isso ocorra.

Do desespero de ser cada vez mais recompensado – seja lá qual for a recompensa – é que surge o furor de produzir cada vez mais, reagindo a qualquer impulso desenfreadamente. Tudo ainda fica pior quando aplicamos essa ideia numa sociedade que oferece bônus por produtividade. Podemos contar no dedo as pessoas que não sofrem de alguma forma por não sentir que produzem o tanto que poderiam, mas ninguém se sente bem por não ter feito algo que achou que deveria e tudo ter terminado bem.

Um grupo de pessoas organizados como Sociedade Fabiana criou um movimento político chamado Socialismo Fabiano, no fim do século XIX. O movimento foi inspirado nas estratégias militares do general romano Fabius Maximus ou “ O Procrastinador”, como era apelidado. O Fabianismo tinha como ideal adiar a revolução, considerando o tempo para melhor compreender as ideias antes de engajar em políticas irreversíveis, os levando a mudar de ideia.

O processo de reagir ao urgente e o medo de deixar algo importante passar acaba impedindo o ciclo natural que algumas coisas precisam passar. Um corpo machucado tem seu processo natural de cura, que é interrompido quando procuramos um médico para intervir. Inúmeras atividades acabam sofrendo pela execução acelerada e prematura. Nassim Taleb diz que não escreve ao menos que sinta vontade, utilizando a procrastinação como uma forma de filtro.

Taleb também selecionou as passagens de seu livro com a mesma estratégia: “Se eu evitar escrever alguma parte do livro, ela deve ser eliminada. Por que eu deveria tentar enganar as pessoas escrevendo sobre algo que não sinto uma inclinação natural?”.

É claro que muitas coisas nos fogem dessa opção, mas tantas outras necessitam exatamente de atraso proposital e consciente. Quem vive no frenesi de produzir mais pode facilmente se lembrar de ter escrito ou respondido algum email com pressa, se arrependendo do conteúdo enviado. Um trabalho que, a fins de terminar rápido, acabou criando um conteúdo empobrecido e raso, sofrendo algum prejuízo por isso.

A ideia de abraçar a procrastinação como meio de identificar aspirações naturais, produzindo apenas o que sente uma inclinação legítima de realizar pode ser vista de duas formas. A primeira é que dificilmente deixamos uma atividade passar quando isso nos traz algum perigo. Se seu quarto começar a pegar fogo, você provavelmente não ficaria parado esperando uma ação. Segundo que se você não sente impulso de fazer algo, provavelmente precisa mudar de ambiente, trabalhando com atividades que promovam este estímulo.

Procrastinar não é um grande mal como a maioria das pessoas pensa, podemos aprender a evitar ações de forma consciente, transformando o que seria culpa num processo de aprendizado.

Contemple a procrastinação

Entenda os benefícios de adiar algumas tarefas. Entenda que algumas coisas acontecem mesmo que você não tome ação sobre elas. Que muitas vezes não agir evita problemas e traz mais soluções do que uma ação despreparada. Mudar de ideia não é algo ruim, não tomar uma atitude permite coletar mais informações e efetuar uma melhor análise sobre um problema.

Escute sua voz interna

Entenda o motivo de estar adiando determinada atividade. Entenda se é porque não gosta, se não vê o valor real no resultado final ou qualquer que seja o seu motivo. Reuna seus motivos e comece o processo de mudança. Raramente conseguimos efetuar bem um trabalho que não nos faz sentido, a carga de energia gasta para este tipo de processo é grande demais, valendo mais a pena procurar outra atividade, ao invés de insistir com algo que vai lutar pelo resto da vida.

Entenda seus prazos

Prazos são importantes e servem como um forte motivador. Por naturalmente apontarem algum risco para nosso estilo de vida, acabamos agindo quando entendemos que a situação pode ficar ruim. É como o aluno que tem 7 dias para fazer um trabalho, mas deixa para fazer de última hora. O trabalho aqui consiste em saber gerenciar o atraso, entendendo quando se tornará um problema real e quando pode correr um pouco mais solto, sem nos preocupar com isso.

Valorize tarefas não produtivas

Jogar bola e videogame não são menos importante para você do que realizar seu trabalho. Cuspimos um discurso contrário baseados na sociedade onde o bem estar vale pouco e, novamente, somos recompensados pela quantidade de trabalho que produzimos.

Parar um pouco para se divertir ajuda a equilibrar os ânimos, não se sobrecarregar e deixar raciocínios acontecerem no subconsciente. Fazer nada raramente significa não estar processando o problema.

É muito comum por exemplo, programadores relatarem que estavam cansados de um trabalho e acabaram sonharam com a solução do problema.

Você se desliga, seu subconsciente não.

Não fazer nada é parte do processo criativo

Profissionais da criatividade sofrem bastante com a demanda de produção. Criar uma arte, desenvolver um conceito ou transformar ideias em soluções engenhosas não é tão simples quanto produzir 200 caixas em 5 horas. São processos bem diferentes. Se está se debatendo na frente do computador esperando o trabalho brotar na cabeça, saia para dar uma volta. Pegue flores em árvores, atire pedras no lago, jogue futebol com amigos ou brinque com aquele seu sobrinho. Se permita não fazer nada e deixe que estas influências apontem o caminho que sua ideia vai acabar tomando.

Relaxe

Entendo que relaxar não é simples assim. O grande problema na procrastinação acaba morando em adiar um trabalho mas gastar todo tempo livre ansioso por ele. Entenda e aceite que não vai fazer agora, liberte-se do fardo e aceite que ele será feito, quando for feito. Essa tranquilidade é parte importante para que todos os pontos anteriores façam sentido.

Este texto não é um conglomerado de desculpas para você não fazer seu trabalho. É um conjunto de ideias para você utilizar da procrastinação como processo consciente da realização do seu trabalho.

O termo que melhor descreve nossa intenção vem em latim: Festina Lente ou apresse-se lentamente.

O antigo pensador chinês Lao Tzu chamava esta linha de Wu Wei, que podemos traduzir como “Não Ação”, baseando-se em evitar qualquer ação desnecessária.

“Na busca do Tao, todos os dias algo é deixado para trás.
E cada vez menos é feito
até se atingir a perfeita não ação
Quando nada é feito, nada fica por fazer.
Domina-se o mundo deixando as coisas seguirem o seu curso.
E não interferindo.” –Tao Te Ching

publicado em 02 de Janeiro de 2015, 00:05
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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