A voz de deus ressoou (e ninguém entendeu nada, mas tá tudo bem)


  • O que é um artista?

  • O que é arte?

  • O que é bonito?

  • O que é encanto?

Tá. Pausa. Esquece essas perguntas.

Fica com um conselho do Daniel Galera na FLIP para quem quer escrever:

"Nunca esqueça que não há evidência nenhuma de que alguém esteja minimamente interessado no que você tem a dizer"
"Nunca esqueça que não há evidência nenhuma de que alguém esteja minimamente interessado no que você tem a dizer"

Entendeu, né?

O conselho do Galera não serve só pra quem quer escrever ou quem escreve. Serve pra qualquer pessoa. Tudo bem? Você consegue lidar com isso? Pouca gente consegue.

Talvez John Frusciante -- a quem na intimidade reverencio como DEUS -- saiba e por isso tenha enveredado pela pilha de sons praticamente ininteligíveis, que ele vem lançando desde 2012, com o EP Letur-Lefr e o disco PBX Funicular Intaglio Zone. Em um, sai a guita tradicional do homem de muitos dedos e entram sintetizadores e baterias eletrônicas. No segundo, a viagem continua e até um rap aparece ali pra dar as caras.

Antes disso, ele deixou o Red Hot Chili Peppers mais uma vez, depois de turnês e discos de sucesso. A carta em que ele conta porque saiu do RHCP novamente está completa numa matéria da Rolling Stone, mas a parte que nos interessa diz assim:

"For me, art has never been something done out of a sense of duty. It is something I do because it is really fun, exciting, and interesting. Over the last 12 years, I have changed, as a person and artist, to such a degree that to do further work along the lines I did with the band would be to go against my own nature. There was no choice involved in this decision. I simply have to be what I am, and have to do what I must do."
"Para mim, a arte nunca foi algo feita como um senso de dever. É algo que faço porque é muito divertido, excitante e interessante. Ao longo dos últimos 12 anos, eu mudei, como pessoa e artista, a tal ponto que, para fazer um trabalho nas linhas que eu fiz com a banda seria ir contra minha própria natureza. Não houve escolha envolvida nesta decisão. Eu simplesmente tenho que ser o que eu sou e tenho que fazer o que devo fazer." 

Vamos às lições do banguela mais amado do planeta:

1. Arte não é algo que deve ser feito com base num senso de dever.

2. Arte é algo que deve ser feito porque é divertido, excitante e interessante.

3. Depois de 12 anos você muda pra caramba e passa a querer coisas diferentes. Normal.

4. Quando você muda assim e se vê diante de coisas que vão contra a sua natureza, você restabelece o equilíbrio.

5. Restabelecer o equilíbrio não tem nada a ver com decisão alguma. É algo para ser feito e só.

6. Seja quem você precisa ser e faça o que você precisa fazer.

Voltando então aos discos de 2012 e diante do anúncio de um novo disco de Fru para agosto, a internet ficou "toda toda" (eu dei minha parcela de descontrol, não posso negar) com o lançamento de um single desse novo trabalho. A música, "Sol", é essa aqui debaixo:

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Conseguiu entender alguma coisa? Eu não. Mas achei demais.

Sabe por quê?

Porque eu acredito que, diante de um cenário tão diluído em entendimento, tão mastigado e digerido, tão rapidinho e tão intenso, quando um cara como Frusciante vai lá e bate a cara num teclado e num sintetizador e apresenta isso como uma nova canção, como o novo trabalho dele, ELE, um cara que preza e valoriza tanto a expressão real da alma enquanto ser, homem, artista e músico, bem, isso é uma coisa que precisa ser valorizada.

Não estou dizendo para ser aplaudida. Não quis conclamar o mundo para venerá-lo.

Ontem, quando postei a nova música do Fru na minha timeline, duas gurias postaram comentários falando "mas e tu entendeu alguma coisa? é isso ai mesmo? Como é que pode?". Puxei papos com as duas e falei o seguinte (desculpa, estava tarde e repeti o discursinho):

"Acho que o que tu procura para 'explicar' o Fru Deus é que ele vive em estado de artista, expressando o que sente e o que precisa. Às vezes, isso é mesmo incompreensível. Nós (nós!), que nos habituamos com tudo meio mastigado e até digerido. Sempre penso nisso quando penso na ~evolução~ do Radiohead, que muita gente também acha complicado e distanciador e que eu só vejo como puro estado de arte: 'ei, eu vivo pra isso e é isso que eu preciso colocar pra fora. desculpa se não te agrada'. E nem é por grosseria(!), 
mas porque, enfim, é o que eles têm pra dizer e mostrar que, no momento
, há coisas sublimes
e há coisas incompreensíveis."

As duas comentaram sobre como isso o distanciava dos fãs. Como ele ficava mais e mais incompreensível. Como sentiam saudade de outros momentos de criação do guitarrista.

Aqui eu apelo de novo para Daniel Galera:

NUNCA ESQUEÇA QUE NÃO HÁ EVIDÊNCIA NENHUMA DE QUE ALGUÉM ESTEJA  MINIMAMENTE INTERESSADO NO QUE VOCÊ TEM A DIZER.

Fãs, crítica, público, gravadoras, mulheres, homens, crianças, bichos, plantas, o Papa Francisco, o ex-Papa, os marcianos, quem quer que seja.

Não há nada que diga que essas pessoas se interessam por ti e pelo que tu faz. O que antes, muito antes de ser só uma grosseria, é muito -- mas muito mais mesmo  -- um incentivo: faz o que tu queres, pois é tudo da Lei. E se é da lei e faz teu coração bater com a força que tu quer e que te faz bem e vivo, "putzgrila", quem poderá ser contra?

Para citar o próprio Frusciante, numa fase em que ele ainda era lírico -- e muito apropriadamente numa música chamada "GOD":

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“Creations not something I did - It's something that I do”
(em tradução livre, e ruim, "a criação não é algo que eu fiz, é algo que eu faço")

E sendo uma coisa constantemente feita por deus, pelos deuses, porque não ser algo também constantemente feito pelos homens? E, assim sendo, sendo um processo constante e sem tempo para acontecer, o que será que pode vir dele?

Nas inbox que troquei falando sobre isso, citei o Radiohead, que é outro grande exemplo desse "estado de artista".

King of Limbs é o exemplo mais próximo, mas já passamos por outros momentos, como o Amnesiac. O que Thom, Jonny, Phil, Ed e Colin fazem é um problema e uma questão exclusivamente deles. Eu sou apenas um espectador mimado e mal acostumado, que choro se não rola uma baladinha de cortar pulso ou que faço manha se as vozes estão mais incompreensíveis e massacradas por efeitos que nunca.

Defendi o King of Limbs mesmo sendo o disco do Radiohead que eu menos ouvi. Porque, caramba, é aquilo ali. É o Thom angustiado com o mundo e dedicado a fazer shows fodidos com a Atoms For Peace aos pés do Monte Fuji. É o cansaço de uma banda que já tem 30 anos e quer se manter criativa.

É reflexo do que eles sentem, do que eles experimentam. Do que entendem e do que não entendem. De um conjunto de coisas que implicam no nosso mundo mortal, no nosso dia-a-dia de peão, de chefe, de mãe, de namorada, de fome na madrugada, de saudade da família ou de ninguém, do fascínio da noite... de tantas e tantas coisas que é muito cruel esperar sempre por algo que atenda só as nossas expectativas.

Egoísta pra caramba. “Ah! Mas desse jeito ninguém vai entender nada, que coisa mais sem sentido!”.

Então volta amanhã, meu querido/minha querida. Hoje é isso que tem. Aquilo lá ("Sol", King of Limbs, "AMOK", Amnesiac) é o que nos ofereceram. O que eu vou fazer com isso, como vou sentir e como vou absorver e espalhar por ai, isso tudo é comigo, nem é mais com o artista.

Entende onde as coisas se separam?

Estou muito longe de ser o dono da verdade -- por mais tentador que isso constantemente seja -- e essas linhas são apenas a minha interpretação de uma coisa que há muito vem me incomodando e provocando. Temos a sorte de termos artistas hoje de todos os tipos e os que citei aqui (Fru e Radiohead) são dois que eu conheço e que fazem o que fazem e "vai ser isso aí mesmo".

Os demais, os que entregam tudo mastigado e digerido, por favor, não são artistas menores (morre, conceito de "cultura de massa"!). Isso simplesmente não existe e é de uma grosseria e falta de sensibilidade e inteligência tremendas. Quando o Arctic Monkeys vem e entrega "Do I Wanna Know?", o que interessa se é facinho de entender, de já sair dançando, de encantar? O que importa é que você entende, sai dançando e se encanta.

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Ai, eu te pergunto de novo:


  • O que é um artista?

  • O que é arte?

  • O que é bonito?

  • O que é encanto?

Você realmente acha que precisa responder isso de maneira imutável e eterna, ou pode simplesmente se dar ao trabalho de sentir e descobrir, todo dia, parâmetros e formas diferentes de responder?

Me chame de bondoso, mas fiquei muito feliz com a nova música do Frusciante. E olha que ela nem me agradou.

Não para, Fru. Não para que, por aqui, não tem ninguém prestando atenção no que tu faz.

Apenas faça. Apenas seja.


publicado em 17 de Julho de 2013, 07:00
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Pedro Jansen

Acredita que o caos alimenta a vida e que ter baixas expectativas é a melhor maneira de se surpreender todos os dias, com as menores coisas.


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