Numa mesa de bar na cidade de Divinópolis, interior de Minas, eu vagava meu olhar perdido em algum ponto fixo e pouco específico. Lá surgiu o tema que me trouxe de volta à realidade: a gradativa perda do carinho em um relacionamento.
Já que ninguém levantava a bola para os amistoso de pré-temporada dos times brasileiro ou pra última capa da Amadoras, resolvi socializar. E comecei.
Eu, nos namoros juvenis de anos passados, tinha apenas uma preocupação de cunho afetivo:
Quanto tempo vai levar para começarmos a transar?
Uma dúvida bastante pertinente à minha idade, dado o auge de meu quociente eruptivo. Afinal, eu era apenas um estudante universitário sendo apresentado à vida em suas formas sexual e etílica. O carinho dava-se apenas por três vias: a oral, a vaginal e anal. Mas bem sabia eu que precisaria suar a camisa para fazer brotar do âmago do meu ser um outro carinho obscuro e involuntário. O pré-requisito indispensável para liberar o acesso aos meus outros três preferidos. O carinho-carinho.
Tudo bem, esse carinho-carinho nunca foi o mais sincero que já distribuí, mas cumpria o seu papel e todo mundo ficava feliz no final. Porque era um tal de ser gentil, de andar de mãos dadas pra cima e pra baixo, elogiar roupa, cabelo e unhas da moça, abrir a porta do carro, pagar conta no restaurante, assistir comédia romântica no cinema, conhecer os pais, eticetera e tal.
Um grande investimento. E como todo bom investimento, eu exigia algum retorno no final. A partir daí, esgotadas as possibilidades sexuais e agindo como o coisa-ruim quando ele, em troca de uma alma, realiza os desejos do indivíduo ao seu prazer, a coisa começava a degringolar. Não porque eram relações baseadas exclusivamente no sexo, mas porque a coisa perdia a graça quando o mel da conquista chegava ao fundo do pote. E manter todo esse carinho-carinho quando eu já tinha conseguido alcançar meu objetivo principal era meio sem propósito.
Mas não era má-vontade. Simplesmente a coisa não fluía, não era natural. É muito mais fácil perceber defeitos grotescos do que qualidades discretas. Daí, esse tal carinho-carinho, pensei que tinha que começar a funcionar como exercício. Tinha a ideia de que precisava conquistar todas as mulheres para que elas soubessem o que era namorar um homem de verdade. E com tanta oferta nas ruas enquanto eu — ser monogâmico — me enfurnava com minha única namorada num filminho com sofá em pleno sábado à noite, a tendência era descambar para o deselogio.
De acordo com o Houaiss, deselogio é um verbete inexistente. Para este que vos escreve, nada mais é que o principal sintoma da perda gradual do carinho-carinho, culminando inevitavelmente num relacionamento morno e destemperado como uma sopa de chuchu ( mais conhecido como rotina). É o limbo de um casal. É quando a curva da satisfação, em vez de subir, fica dando voltas pra trás como Zinho na Seleção de 94. É um loop interminável que eu era obrigado a ouvir até o fim da festa, quando esta já não mais merecia o nome. Era só uma questão de saber quanto tempo mais eu aguentaria.
E foi assim que fui perdendo boas chances. E foi assim que me tornei insatisfeito com meus últimos relacionamentos, já que nenhum mais dava certo. E foi assim que eu juntei as peças, desativei a função orgulho e cheguei à conclusão de que estaria fadado a essa vida símia, trocando de galho sempre que surgisse uma nova árvore, se não mudasse meu regulamento interno.
Lembra daquele "Como Se Fosse a Primeira Vez"? Com o panaca Adam Sandler e a gracinha Drew Barrymore? Ele precisa gravar um vídeo todos os dias para lembra-la de que eram namorados. Pois é. Essa era a idéia. Tratar o deselogio como doença. Tratamento: elogiar, óbvio.
Pensei:
Bom, se eu consigo cumprir tarefas diárias como trocar a areia do gato, regar a samambaia e passar fio dental, por que não posso render um elogio para minha namorada?
Pode ser dos mais simples, como um "você está linda hoje". Basta encarar como um mantra a ser recitado ao longo do dia. Tudo bem que a areia do gato não briga comigo por ciúmes, a samambaia não sofre de TPM ou o fio dental não leva horas para se arrumar, mas eu vi que a questão era justamente essa. É foco. Eu precisava engolir meu orgulho, superar os defeitos dela e lembrar que seu portfolio de qualidades era bem mais generoso.
Eu tinha que entender suas qualidades como vantagem, e não como obrigação. Até entendo que as qualidades serão sempre as mesmas, enquanto os defeitos são amolados à perfeição de corte e isso torna o deselogio uma tendência natural.
Mas se todo mundo resolvesse tomar o caminho mais fácil e curto, quem torceria pro Botafogo, Atlético Mineiro ou Sport?
publicado em 14 de Janeiro de 2012, 23:55