A Seleção Brasileira de 1994 era tão boa quanto o Barcelona de Messi

Esqueça Dream Team.

Esqueça All Blacks.

A Seleção Brasileira é – ainda – a maior representação existente no maior esporte do mundo: o futebol.

O estilo criado e imposto em três décadas (60, 70 e 80) fez com que o Brasil de Pelé, Garrincha e Zico se tornassem a maior referência de hegemonia nos esportes. Essa marca trouxe uma inevitável responsabilidade de vitórias. Não importa onde, quando e contra quem: o Brasil é favorito. E por quê? Simples. Porque tem títulos, jogadores e grandes times.

Em 1994 não foi diferente. O mundo, apesar da nossa desconfiança, via a seleção de Parreira como uma das favoritas. E ela foi até a final e levou o tetracampeonato. Vinte quatro anos depois, o Brasil voltava ao topo da Copa do Mundo e se tornava a primeira seleção a ganhar quatro títulos mundiais. Para muitos, aquela foi a primeira copa de suas vidas. E para muitos, aquela foi a pior Seleção Brasileira de todos os tempos.

Afinal, é a Seleção Bra-si-lei-ra. Sinônimo de futebol faceiro, ofensivo e bem jogado. Não um time que atuava com um meia disfarçado de terceiro volante. Esses argumentos tornam comum a expressão blasé de comentaristas esportivos quando relembram aquela Seleção.

Uma injustiça.

Aquele time jogava a bola que um dos maiores times dessa década joga.

Por isso a Seleção Brasileira de 1994 era tão boa quanto esse Barcelona de Messi.

Seleção Brasileira de 1994

Romário deixando o zagueiro Lalas na saudade

Carlos Alberto Parreira assumiu a Seleção Brasileira pela segunda vez em 1991 no pior momento possível: após uma atuação fraca do time de Lazaroni na Copa do Mundo da Itália (1990) e o fracasso de Paulo Roberto Falcão. A missão do treinador era formar uma base para a Copa do Mundo de 1994 e, claro, classificar a Seleção Brasileira para o mundial.

A primeira atitude de Parreira foi encontrar um líder para o time. Dunga, o jovem que se tornou símbolo da geração derrotada dos anos 80, foi o escolhido. O volante tinha duas características essenciais para os times de Parreira: liderança e passe preciso. Sendo assim, logo assumiu a braçadeira de capitão e não perdeu mais o lugar.

Com Dunga como xerife do meio de campo, Parreira iniciou a base do grupo com referência nos jogadores que passaram pelas mãos de Lazaroni, como Branco e Taffarel. O resto do time foi formado com jovens que mesclavam o bom momento da idade com o reconhecimento nos clubes, como Zinho, Jorginho e Marcio Santos. O que todos tinham em comum? O bom passe.

Como jogava o Brasil de Parreira

A Seleção Brasileira de Parreira era uma seleção de toque de bola. Tanto que alguns jogadores ficaram marcados por essa característica. É o caso do Zinho, até hoje lembrado como enceradeira. Era Zinho o responsável por fazer o jogo girar. O polivalente Mazinho, sempre com o excelente apoio de Jorginho na direita, era o outro homem que fazia a bola chegar redonda ao ataque. Ganhou o lugar de Raí durante a Copa do Mundo principalmente pelo poder defensivo e velocidade na saída em contra ataque.

Esse time formado por Parreira, com o acréscimo da fase e entrosamento da dupla Bebeto e Romário, tinha entre as suas principais virtudes a paciência. A bola rodava o campo durante boa parte do jogo, deixando a partida até mesmo sonolenta. Mas sempre com segurança. O único jogo da Copa do Mundo de 1994 que o Brasil correu riscos foi o das quarta-de-final contra a Holanda. No outros, sempre estivemos mais próximos da vitória que de uma eliminação.

Parreira utilizou em 1994 um formato clássico de 4-4-2. A diferença esteve em três pontos chaves:


  • as peças qualificadas e bem escolhidas,

  • o preparo físico que fez o Brasil sufocar a Itália na prorrogação da final

  • o esquema paciente de jogo.

Não houve arte ou show. Mas sobrou disciplina tática e calma para saber a hora de atacar.

E como atacar.

O Barcelona de Messi

Cristiano Ronaldo se pergunta: como parar Messi?

A chamada Escola Barcelona ficou manjada.

Todo mundo sabe do conceito de jogo imposto pelo clube e transferido para os campos. Posse de bola, jogadores polivalentes e busca incessante pelo gol. Especialmente depois dos últimos três anos, quando o time treinado por Pep Guardiola conseguiu de modo eficiente representar nos gramados a centenária história do clube.

O início dessa formação foi quando o ex-jogador assumiu o time. Ficou claro que Guardiola queria um time que representasse o verdadeiro Barcelona. Logo, não havia espaço para medalhões como Ronaldinho Gaúcho, Etoo e Zlatan Ibrahimović. Esses atacantes dependem de um formato de jogo que seja adaptado para o seu estilo. Pep não queria isso. Esse Barcelona não jogaria em torno de um jogador. Mas sim, todos jogariam pelo Barcelona.

O torcedor do Barcelona gosta de vencer, sofre com a derrota, quer bons times e pressiona quando isso não acontece. A luta, no entanto, sempre foi por valores que vão além de vencer aqui e perder ali. O clube representou luta por democracia, teve presidente assassinado durante a guerra civíl espanhola, sempre passou a imagem de que valores humanos são mais importantes do que esmagar o adversário.
Acreditar nos seus conceitos, faz parte da “aura” culé. Existe uma filosofia.
É um time que ganha e perde, como todos os outros, mas acredita no que faz. O Barcelona é mais que um clube porque vê no futebol a sua forma de transmitir mensagens. Seja pela força dos sócios, que mantiveram o clube vivo por mais de 100 anos, sem um patrocinador na camisa, seja pela luta contra a ditadura Franquista e todas as dificuldades sofridas por conta disso, seja por apostar em seus garotos e conseguir resultados espetaculares dessa forma. (A derrota de um time e filosofia de um clube)

Por isso Guardiola agilizou a subida de vários da base, como Pedro e Thiago Alcântara. Outros, a exemplo de Piqué e Cesc Fàbregas, foram reaproveitados por possuírem identificação com o clube. E o principal: tiveram na formação o aprendizado da filosofia de jogo blaugranás. Era preciso trazer de volta ao Barcelona o espírito de futebol compacto tão debatido e exercitado nas categorias de base.

Como joga o Barcelona de Guardiola (Fonte: tacticalpad.com)

O Barcelona é, sim, um time ofensivo.

Mas, quando atacado, o Barcelona atua como qualquer outro time. Os laterais recuam, os meias auxiliam os volantes e os zagueiros posicionam-se na frente da área. Essa imagem de time que ataca o tempo todo só existe devido ao tempo que o Barcelona fica com a bola em seu domínio. E a bola só passa de pé em pé com um time que tem jogadores treinados qualificados para isso. Surge aí a grande semelhança do Barcelona de Messi com a Seleção Brasileira de 1994: a paciência para jogar futebol.

Em dezembro, após ser questionado se o Santos havia sofrido com o estilo do Barcelona porque no Brasil o estilo de jogo era mais cadenciado, Pep Guardiola foi polido:

Não sei, porque não tenho estado no Brasil. Mas não vamos confundir a intensidade. Nós passamos a bola o mais rápido possível. Quando temos a bola nos pés, tocamos o mais rápido possível. Isso cria desequilíbrio. Tocamos a bola quantas vezes necessário for para chegar ao gol.
O Barcelona passa a bola como meu pai falava que vocês [brasileiros] faziam.

Não só o pai de Guardiola viu, mas como todos nós vimos – e inclusive ele em 1994. A Seleção Brasileira de Parreira só era chamada de enceradeira (roda, roda, roda e não sai do lugar) porque não tinha a ânsia de arriscar um lançamento sem fundamento. A posse de bola daquela Seleção, assim como é com o Barça, alcançou médias altíssimas para uma Copa do Mundo. Algo em torno de 70%, se não me falha a memória.

A Seleção Brasileira de 1994 e o Barcelona de Messi foram os times que melhor executaram a importância do passe no futebol. O Barcelona, óbvio, ganhou os louros com maior entusiasmo. Ao Brasil nem mesmo o título colocou a seleção de 1994 entre as melhores da história. É como se apenas vencer para o Brasil não fosse o suficiente. Em 1994, dizem os especialistas, faltou bom futebol para um grande time. É, dizem os mesmo especialistas, o que o Barcelona faz.

Mas seria o Barcelona de Messi melhor que a Seleção Brasileira de 1994 no papel?

Vejamos.

Seleção Brasileira de 1994 x Barcelona de Messi

Victor Valdés é a peça menos técnica e mais controversa do time do Barcelona. Não transmite tanta confiança. É duratemente criticado por jornalistas e não tem a mesma imponência que goleiros de outros times, como Real Madrid e Chelsea.

Taffarel é praticamente um ícone cultural do futebol. Frio, seguro, discreto. Precisou pegar um monte de pênaltis para comprovar seu valor. Não falhou em nenhum gol das Copas do Mundo de 1994 e 1998.

O lateral brasileiro do Barcelona é um jogador tipicamente de grupo. É esforçado, bom taticamente e carismático. Mas, ainda assim, é apenas um lateral jogando ao lado de um monte de craques.

Jorginho era uma saída de qualidade na direita. Era um dos melhores dribladores do time. Tinha o cruzamento certeiro. Foi eleitor o melhor lateral daquela Copa do Mundo. Uma pena não ter fôlego para jogar em 1998.

Aldair era segurança. Mas era zagueiro brasileiro. E zagueiro brasileiro dos anos 90 é algo que me dá calafrios até hoje. Não tem como ser comparado com os atuais. Não tem mesmo.

E se Taffarel é um ícone para nós, Puyol é para eles. O símbolo do Barcelona está na cara de Puyol. Ele defende bem essa responsabilidade – e a área.

Márcio Santos era habilidoso, batia pênalti e tinha uma excelente saída de bola. Porém, a estatura mediada sempre foi um problema. Mesmo não tendo comprometido na Copa do Mundo, o brasileiro sempre teve problemas na bola aérea. Pois, além de tudo, se posicional mal. Algo imperdoável para a posição.

Piqué é bom zagueiro. Não tanto como Puyol. Mas tem propriedade e estilo de jogo. Faz gols. Sabe a hora de subir.

E também é bonito.

Adriano é o Daniel Alves da esquerda. Sem o mesmo apelo.

Branco foi convocado com desconfiança. Fora do peso, vindo de lesão e da terrível campanha da Copa do Mundo de 1990. Quando foi escalado para substituir Leaonardo, o queridinho da mídia, o Brasil temeu. Mas ele foi o responsável por um dos gols mais lembrados até hoje na história das Copas do Mundo.

Busquets é um tesouro oriundo das categorias de base do Barcelona. Representa tudo o que o time defende. Tem passe preciso, marca bem e sabe fazer gols. Joga bem nesse time do Barcelona quando todo mundo joga bem. Não é capaz de liderar um time inteiro.

Mauro Silva é ídolo até hoje na Espanha exatamente por isso. Num país onde apenas dois times brigam pelo título, ele liderou o La Coruna para suas melhores temporadas. Tinha tudo o que um volante precisava ter. E com um acréscimo: era muito calmo. O contraponto do colega de posição na Seleção Brasileira.

Sou fã do Dunga. O jogador. E o treinador também, pelo menos até o início da Copa do Mundo. Dunga deu carrinho, desarmou, xingou os fotógrafos, bateu pênalti e deu soco no ar e levantou a taça. Não tinha como não gostar do Dunga.

Mas do outro lado tem Xavi. Entre os grandes jogadores reveleados do Barcelona, ele é um dos melhores. Não porque tem boa média de atuação. Mas porque é capaz de mudar um jogo. A atuação do Barcelona passa pelo dia dele. É craque.

Quando Fabregas voltou para o Barcelona os torcedores questionaram: onde Pep vai encaixar esse cara no time? O meia que é volante de origem chegou a sondar posição até no ataque. Foi jogando entre o meio de campo e os atacantes que ele fixou. Faz o papel dele. Não compromete. Mas também não é sempre brilhante.

Já Zinho, esse era o espírito da Seleção Brasileira de 1994. Um dos jogadores de futebol mais criticados daquela geração, Zinho aparecia muito durante os jogos. Toda bola de ligação ao ataque passava por ele. A imagem de “enceradeira” ficou fixada no jogador graças ao seu estilo cadenciado de distribuir jogo. Não fez gols no Mundial. Mas jogou muito – e com a 9.

Mazinho era um jogador operário. Pegou a bucha de substituir Raí, outro queridinho da mídia. Atuava mais como um terceiro volante que propriamente um meia. Perdeu um gol incrível na final.

Iniesta é o segundo melhor jogador do mundo. Lembra-se muito do Tostão. É um daqueles jogadores que todo treinador gostaria de ter no time. Tanto que virou referência para aquela posição. “Ele joga meio que nem o Iniesta”, dizem comentaristas quando vão citar um meia de qualidade e bom arremate ao gol.

Nenhum ataque brasileiro em Copa do Mundo teve uma marca tão forte como o de Bebeto e Romário. Muito deve-se a atuação do primeiro. Bebeto foi perfeito na Copa do Mundo. Deixou Romário na cara do gol em vários momentos e salvou a seleção com gols contra Estados Unidos e Holanda. Foi o nosso segundo melhor jogador na Copa do Mundo.

Sánchez tem muito arroz e feijão pra comer ainda. É óbvio que sabe jogar bola. Se não soubesse, não estaria lá. Mas vai ter tempo pra provar mais. E o mesmo serviria para o Villa.

Aposto que vocês estavam esperando isso.

São dois monstros.

Cada um no seu tempo.

Romário foi o melhor jogador de futebol brasileiro após Pelé.

Messi já é o melhor jogador de futebol argentino após Maradona.

Romário nos colocou na Copa do Mundo de 1994. E a ganhou.

Messi ainda não fez uma grande Copa do Mundo. Mas é muito novo.

Fiquei em cima do muro.

Total: Seleção Brasileira de 1994 7 x 5 Barcelona de Messi

Link YouTube | A íntegra da final da Copa do Mundo de 1994

Não se trata de qual time é o melhor. De quem venceria um jogo. Mas sim, dessa irritante falta de valorização da Seleção Brasileira de 1994. Basta usarmos como base aquele que muitos citam como o melhor time de todos os tempos, o Barcelona de Messi, para admitir: o Parreira montou uma baita Seleção Brasileira.

Defender que influenciamos o modo Guardiola de treinar talvez seja um exagero. Mas não podemos negar que a referência sempre existiu e esteve lá dentro de uma Seleção Brasileira que venceu e marcou uma geração enorme de torcedores atuais.

A Seleção Brasileira de Parreira não jogava mal.

A Seleção Brasileira de Parreira de 1994 jogava como todos querem jogar hoje.

Há 18 anos.


publicado em 25 de Maio de 2012, 07:57
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Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do "Top10Basf". Twitter: @fagundes.


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