A revolução educacional já começou

O mundo da educação está sendo modificado devido a iniciativas espalhadas por todo o mundo. Tais experiências se dedicam a processos mais abertos e humanos, que valorizam a diversidade.

Nem todas as instituições de ensino praticam a “educação bancária”, expressão que o educador Paulo Freire criou para designar os processos nos quais o professor só deposita informação na cabeça do aluno

O coletivo Educ-ação, grupo do qual faço parte, decidiu começar uma pesquisa para identificar essas experiências e compartilhá-las com o mundo. Estamos em busca das iniciativas que unem sonho e pragmatismo. A pesquisa resultará na publicação de um livro, com lançamento planejado para o primeiro semestre do próximo ano.

Antes de explicar o que nos move e o ponto em que estamos, é importante contar de onde surgiu a ideia do projeto e compartilhar o porquê do meu interesse pelo tema da educação.

Você se lembra dos seus anos na escola?

Estudei em diferentes escolas públicas da periferia de São Paulo. Durante o período escolar, frequentei, no total, seis instituições.

Foram meses sem professor de matemática, filosofia, entre outras matérias. Havia docentes que saíam da escola sem nem avisar, deixavam os alunos à deriva, outros faltavam sistematicamente. Frases emblemáticas foram ditas por meus mestres, inclusive uma que vale ser citada pelo teor ruidoso, ainda mais num universo em que a precariedade está à espreita: “No futuro, meus alunos, vou ver vocês nas páginas dos jornais… nas páginas policiais”.

Quem é o bochechudo aí em cima? Até parece aquele garoto que quando cresceu entrou para um coletivo de educação

Foi também a escola o espaço para o encontro com pessoas que me inspiraram. Como a professora de português que parou as aulas de redação para nos ensinar o que é darwinismo. As aulas eram dadas com o suporte do seu notebook velho, no qual abria matérias de uma revista de curiosidades em frente ao grupo de alunos que demonstrasse interesse.

Outro exemplo é o da professora que, no final do ensino médio – período em que só se fala em vestibular, como se todos estivéssemos programados para isso –, resolveu me dar o livro Crime e Castigo, do Dostoiévski. Ela compartilhou comigo uma referência sem nenhuma relação direta com as provas, mas totalmente ligada à vida, à realidade que pulsa em cada um de nós e nem sempre é reconhecida pelas instituições.

Ainda como estudante, intuía que um percurso de aprendizagem devia ser mais rico em significado, mais apaixonante. Sempre me espantei com o mundo.

Abrir os olhos e ver a realidade se desdobrar na minha frente é uma experiência arrepiante; por isso, desde há muito tempo me pergunto: por que a jornada de educação que me ofereceram fecha os olhos para a beleza da vida e o encantamento com o mundo? Por que exercitei minha curiosidade menos do que podia? Como dizia Rubem Alves, “escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do voo”.

Mas, diga aí, todas as escolas são gaiolas? Para Alves (e também para mim), nem todas as instituições são. Há também as que são asas. “Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em voo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o voo, isso elas não podem fazer, porque o voo já nasce dentro dos pássaros. O voo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado”, reflete o escritor mineiro.

A vontade de conhecer escolas que são asas sempre esteve presente em mim. Foi aí que um grande amigo me chamou para um encontro que converteu essa vontade em ação.

Sonhos compartilhados

“Hoje vou compartilhar meus sonhos com vocês”. Foi assim que Eduardo Shimahara começou um encontro realizado no início do ano. Sua plateia: cerca de dez amigos. Shima, como é conhecido, falou sobre seu interesse em educação. Ele é um educador inquieto com os modelos que cultivam a monocultura do pensamento. O fato de ele ser pai de uma garotinha de três anos, cujas principais características são os olhos que brilham e o interesse por tudo, aumenta ainda mais sua preocupação com os impactos dos modelos de educação vigentes.

Ele compartilhou seus sonhos com o coração aberto, sem medo de expressar o que o movia. Conectei-me muito com seus sonhos, com um deles em especial: criar um livro sobre educação inovadora.

Outras pessoas também se entusiasmaram com o projeto – hoje, o coletivo é formado por quatro pessoas: Shima, Carla Mayumi, Camila Piza e eu. E este não é um projeto feito apenas a oito mãos: são inúmeras as pessoas que têm colaborado para a construção dessa história. É um sonho vivido em grupo. Aliás, é o ato de compartilhar o sonho que deu e dá vida a essa ideia.

Volta ao mundo em 12 escolas

O livro já está sendo escrito. Realizamos cerca de cem entrevistas em iniciativas espalhadas por sete países diferentes. Buscamos escolas, universidades e espaços de aprendizagem.

Já visitamos desde o YIP – um curso na Suécia para jovens empreendedores sociais – até um centro de aprendizagem autodirecionada nos EUA – uma ação de desescolarização realizada em grupo, chamada North Star.

Nosso propósito é claro: inspirar pais inquietos, educadores empreendedores e jovens curiosos. Nos lugares que visitamos, conversamos com alunos, ex-alunos, professores, fundadores e pais. Já compartilhamos parte das histórias no blog www.educ-acao.com.

Iskander Alkate e Berta Lázaro - Team Academy Madrid

YIP - Youth Initiative Program, na Suécia

Nosso foco é no ser humano por trás das iniciativas, nas pessoas que são a essência dos processos

A varanda da Student House dentro da Bamboo Village, na Green School, em Bali, Indonésia

Entramos em contato com histórias que foram impactadas por essas iniciativas. Por espaços e processos que dão vazão às potencialidades latentes nas pessoas. A escolha de cada uma das experiências visitadas foi – e está sendo – criteriosa. Tal processo demanda extensas pesquisas e se baseia principalmente no critério da diversidade. Nossas escolhas compõem um mosaico de propostas e temas, um panorama que não deixou de olhar para diferentes perfis e propósitos.

A meta é visitar doze iniciativas, nos cinco continentes, e isso explica o nome do livro: Volta ao Mundo em 12 Escolas.

Como é muito importante que essa informação se espalhe, o livro será Creative Commons – qualquer pessoa poderá reproduzir o conteúdo sem pagar nada por isso –, com uma versão online totalmente gratuita, disponível para todos.

Participe com a gente

Para financiar o projeto, criamos uma campanha de financiamento coletivo (crowdfunding) no Catarse.

Temos até 9 de novembro para conseguir o valor solicitado. Até agora, conseguimos R$ 29.256 de R$ 48.000,00 (estamos pedindo apenas parte da verba total de que precisamos para bancar a iniciativa). E é importante dizer: a campanha segue a lógica do tudo ou nada, ou atingimos a meta ou perdemos todo o dinheiro, e as pessoas que doaram recebem os valores de volta.

A princípio, contribuir com a campanha é a única maneira de ganhar o livro impresso – que, como já foi dito, ficará disponível na internet. Colaborar é simples: o primeiro passo é acessar o site e deixar sua doação. Seu nome será listado no livro e você terá participado de um movimento importante para melhorar a educação de nossos filhos (e são todos os nossos filhos).

Doando a partir de R$ 50,00, você recebe o livro impresso

O que está em jogo é o futuro

Não buscamos a escola perfeita, não acredito que ela exista. O que existe, e está transformando a educação, é uma série de práticas criativas em relação ao ensino e aprendizagem, a consciência de que educação é uma experiência que transborda os muros da escola e nos influencia intimamente.

Estamos tão imersos nos processos atuais que é difícil percebê-los com distanciamento, analisar as consequências de cada ação, fenômeno, modelo. A série abaixo, por exemplo, critica o vestibular por meio de uma ficção que eleva tal fase aos extremos, expõe uma sociedade fictícia na qual os jovens passam por um exame de seleção cruel – e crucial – para a formação de suas identidades. Quando falamos sobre educação, tocamos num assunto determinante para o futuro. O que está em jogo é o futuro de todos nós – a sustentabilidade e a felicidade juntas.

Link YouTube | Piloto da série "3 por cento"

Reinventar e ampliar as estruturas das escolas não é uma ideia nova. Já no século XIX, Tolstói dizia que a escola é um organismo vivo – o escritor foi também um educador, inclusive tendo criado a Iasnaia Poliana, uma instituição na qual a liberdade era o ponto central.

Por outro lado, tais ideias ainda não foram amplamente difundidas e discutidas. Com o Volta ao Mundo em 12 Escolas, abriremos espaço para o diálogo – e para a ação. Porque a mudança já começou. Aliás, a mudança está em curso a todo tempo. Agora é que, com o avanço tecnológico, aumentou o ritmo do movimento. É o momento ideal para reclamar menos e colaborar mais.

”Somos parte da realidade, e se não nos damos conta disso, somos totalmente irresponsáveis. Somos a realidade, mas aquela parte que deve produzir outra realidade”, disse o artista chinês Ai Wei Wei numa entrevista. Que tal produzirmos outra realidade, juntos recriarmos a educação?

* Estamos abertos para outros tipos de colaborações ao projeto. Doar para nossa campanha no Catarse é apenas uma das maneiras de fazer parte dessa história. Pense em outras possibilidades, entre em contato: andre@educ-acao.com.


publicado em 01 de Novembro de 2012, 08:01
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André Gravatá

É membro do coletivo Educ-ação e coautor do livro Volta ao mundo em 13 escolas. É doutorando informal, colabora para revistas como Superinteressante e Vida Simples. Também é cofundador do Movimento Entusiasmo, uma iniciativa que hoje sonha provocar transformações do centro de São Paulo por meio da educação.


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