Nota da editora: este texto foi escrito por Lilian Venturini e originalmente publicado em Nexo Jornal. Faz parte de uma nova parceria de republicações, fruto de uma visita nossa à sede deles e de uma conversa das boas. O Nexo é um jornal digital pra quem busca informações precisas e interpretações equilibradas sobre os fatos do Brasil e do mundo. O PapodeHomem reconhece valor no jornalismo de informações contextualizadas e generoso do veículo e recebe com alegria sua republicação por aqui.
* * *
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) afirmou que sua renúncia era um gesto para “por fim à instabilidade” no comando da Casa, consequência do seu afastamento determinado pelo Supremo em 5 de maio. “É público e notório que a Casa está acéfala, fruto de uma interinidade bizarra”, disse, ao ler seu pronunciamento na tarde de quinta-feira (7).
Mas para deputados opositores a Cunha, a renúncia é uma tentativa de salvar seu mandato, ameaçado por um processo de cassação, em curso no Conselho de Ética desde outubro de 2015. “Cunha renuncia para, em acordo com [o presidente interino Michel] Temer, continuar preservando o seu mandato”, afirmou o deputado Henrique Fontana (PT-RS), em referência ao apoio do governo à renúncia, de acordo com reportagem do jornal “O Globo”.
Consequências da cassação
O deputado é processado por quebra de decoro na Câmara, acusado de mentir a parlamentares sobre a existência de contas bancárias no exterior, durante um depoimento à CPI da Petrobras em março de 2015. Cunha diz não ser o titular das contas.
Fora da Câmara, o ex-presidente responde a processos e é investigado pela Lava Jato porque, segundo a Procuradoria-Geral da República, participava do esquema de desvios da Petrobras. Se for cassado, Cunha perde o foro privilegiado e passa a ser julgado pela Justiça Federal do Paraná, comandada pelo juiz Sergio Moro, e não mais pelo Supremo Tribunal Federal.
Cunha afirmou diversas vezes que não renunciaria à presidência. O cálculo político que o fez mudar de ideia levou em consideração, se não a possibilidade de se livrar agora da cassação, uma estratégia de ganhar mais tempo para “ver se o clima muda”, como relatou um aliado dele ao “Valor Econômico”.
Por ora, no entanto, o cenário está indefinido em relação à qual é a real situação de Cunha na Câmara.
O cálculo de Cunha e os pontos de fragilidade

1. Possibilidade de parar o processo
Momentos após a renúncia, Cunha pediu à CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) para devolver o processo de cassação ao Conselho de Ética. O argumento é que a cassação foi aprovada pelo colegiado quando ele ainda era presidente e, como deixou o cargo, o caso deveria ser revisto.
O relator do caso, deputado Ronaldo Fonseca (Pros-DF), já sinalizou que vai negar o pedido. Entretanto, na quarta-feira (6) Fonseca já havia acatado um outro recurso de Cunha que, se for aceito pela maioria da CCJ, pode fazer o processo voltar ao Conselho de Ética.
O recurso vai ser apreciado na próxima sessão, prevista para ocorrer na terça (12) ou na quarta (13). Cunha acredita ter maioria na CCJ. Além disso, a votação que decidiu pela cassação no Conselho foi apertada (11 votos a 9), o que sinaliza que é possível reverter o placar.
Dúvida: qual o número de aliados fiéis?
Cunha já contou com apoio de dezenas de legendas na Câmara, o que garantia a ele a proximidade com cerca de 200 parlamentares. O avanço das investigações da Lava Jato e seu afastamento, porém, fizeram com que essa rede de aliados fiéis reduzisse de tamanho. Hoje não é possível assegurar quem está de fato ao lado de Cunha.
Sinais desse isolamento ficaram visíveis quando o deputado ficou sozinho durante uma entrevista coletiva, em 21 de junho, convocada por ele para negar que renunciaria à presidência da Casa. Na votação do Conselho de Ética, em 14 de junho, o deputado Wladimir Costa (SD-PA), até então tido como aliado, mudou o voto na última hora e votou pela cassação.
2. Renúncia em troca de apoio
Ao deixar a presidência, Cunha abriu caminho para a eleição de seu sucessor. A gestão interina de Waldir Maranhão (PP-MA) desagradava à maioria da Casa e ao Planalto, que temia dificuldades para aprovar seus projetos de interesse. A renúncia, portanto, atende aos apelos tanto de aliados do próprio deputado afastado quanto do governo Temer. Em resposta, Cunha pode vir a receber apoio para garantir seu mandato, como aventado pelo deputado petista Henrique Fontana.
Temer e Cunha se encontraram recentemente, mas o presidente interino afirmou que a conversa não tratou desse assunto. De qualquer forma, para o governo, a saída de Cunha é favorável por tirar o deputado do foco e, com isso, pacificar novamente a base aliada, já que a eleição do novo presidente colocará fim à disputa entre os partidos.
Dúvida: qual o custo de apoiá-lo publicamente agora?
Caso o pedido de cassação avance e chegue ao Plenário, a situação jurídica de Cunha é vista como um agravante por deputados. Como o voto em sessões de cassação é aberto, parlamentares temem o efeito político diante da opinião pública se absolverem Cunha ou aplicarem uma punição menor, como uma suspensão temporária. A cassação depende do voto de 257 de 512 deputados, já que Cunha não vota.
O ex-presidente da Câmara é réu em três ações penais no Supremo e responde a outros quatro procedimentos jurídicos relacionados à Lava Jato. Um deles é um pedido de prisão feito pela Procuradoria, que ainda não foi avaliado pelo STF. Nessa quarta-feira (6), a Petrobras afirmou, em manifestação ao Supremo, que o deputado enriqueceu indevidamente com recursos “escoados criminosamente” da estatal. A Procuradoria-Geral da República já pediu ao STF que Cunha seja condenado a ressarcir os cofres públicos em quase R$ 300 milhões, como resultado da soma dos desvios das três denúncias contra ele que estão em curso na corte.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.