Há quatro anos me formei em jornalismo. O meu trabalho de conclusão de curso foi um documentário a respeito da violência urbana com foco na infância e juventude, e tinha o propósito de investigar onde poderiam estar as causas do envolvimento dessas pessoas com atos infracionais.
Em meio às pesquisas, cheguei ao caso de um assalto malsucedido a uma propriedade na zona rural da minha cidade, ocorrido pouco tempo antes, e que envolvia cinco pessoas: dois adolescentes e três jovens com mais de dezoito anos.
Resolvi abordar o fato às luzes do Estatuto da Criança e do Adolescente, que naquela oportunidade completava 20 anos, já que os integrantes do assalto nasceram sob sua égide.
O ECA é muito mais do que o senso comum diz. A lei determina um sistema de garantias que envolve a família, a sociedade e o Estado em uma rede de proteção que tem por difícil missão cuidar de todas as pessoas com até 18 anos dando-lhes proteção integral. É algo bonito, é algo que você quer que exista para o seu filho.
Infelizmente a ignorância predomina e esses direitos conquistados para as nossas futuras gerações sempre são postos à prova por uma escola que não ensina e por uma parcela da imprensa que é sensacionalista e não tem compromisso com a verdade e com a vida.
Está presente no discurso de diversos apresentadores e âncoras de televisão, bem como de muitos parlamentares, a ideia de que o ECA “protege demais” as crianças e adolescentes e que dá “direitos demais” para que eles “façam o que quiserem sem que sejam punidos”. A visão distorcida e limitada dessas pessoas quase insinua que o ECA é a porta de entrada para a criminalidade.

O lado bom do jornalismo é que ele possibilita que a gente conheça outras realidades e experimente outras verdades, aquelas ditas por pessoas cuja voz geralmente não encontra espaço e repercussão na sociedade.
Ao realizar este documentário, o produtor Paulo Higa e eu mergulhamos nas histórias desses jovens para oferecer a quem assisti-lo bases sólidas para uma opinião.
Nós queríamos realizar um documentário onde o assunto fosse discutido de maneira ampla, com o máximo de pontos de vista que fôssemos capazes de captar.
Perceba que a maioria das vezes em que se aborda esse assunto na imprensa a responsabilidade pelos atos do adolescente cai apenas nas costas da família, acusada de omissa. Sociedade e Estado saem impunes nas reportagens, ainda que façam parte do sistema de proteção.
Trouxemos todas as partes para o documentário. Além dos jovens que participaram do assalto e seus familiares, entrevistamos juiz, promotor, delegada, psicóloga, a polícia militar, apresentador de televisão, conselheiras tutelares, agentes dos direitos humanos, professores, ampliamos o debate para contextualizar como ocorre a violência, buscando os seus porquês. Até a vítima do assalto participou contando sobre a violência com a qual esses jovens realizaram a ação.
Vale lembrar que o nome original do projeto experimental tinha um subtítulo que completava com a frase “a escolha dos filhos do Estatuto”, deixando claro que nós sabíamos que esses jovens tinham outras escolhas. Mas é preciso perguntar: que escolhas?
Pesquisa Datafolha divulgada recentemente mostra que 87% dos brasileiros seriam favoráveis à redução da maioridade penal, a maior porcentagem já registrada pelo instituto desde a primeira pesquisa sobre o tema realizada em 2003.

Me pergunto se quem tem essa opinião realmente acredita que essa iniciativa pode surtir efeitos positivos.
Será que tiveram a chance de conhecer um pouco da realidade de jovens infratores antes se posicionarem?
Para aqueles que acreditam que essa medida acabaria com a “sensação de impunidade”, o documentário explica didaticamente que os adolescentes já são responsabilizados com medidas que vão de advertência à internação.
Ainda mais explicativa é a parte dedicada a mostrar qual é a realidade das unidades de internação a que esses jovens são destinados em caso de privação de liberdade. Você sabe como é uma UNEI por dentro?
O vídeo deixa claro que em muitos casos como o desse assalto, para cada ato infracional cometido pelo jovem, um direito dele foi anteriormente violado.
Por isso insisto: é a discussão sobre a violação desses direitos que precisa ter mais presença no debate público.
É preciso trabalhar a prevenção antes de legitimar medidas repressivas cujos efeitos são tão questionáveis. O vídeo mostra que o ECA é sistematicamente desrespeitado pelo poder público, que abandona peças importantes no mecanismo de proteção a crianças e adolescentes, como os conselhos tutelares, por exemplo.
Se a sociedade acredita que o jovem é violento, é preciso que saiba, antes, que a sociedade é violenta com o jovem.
Um estudo divulgado este ano mostra que mais de 42 mil adolescentes de 12 a 18 anos correm o risco de serem assassinados em municípios brasileiros com mais de cem mil habitantes. Os números se referem ao ano de 2012 e é a pior taxa desde 2005. Por isso o documentário é tão atual, mesmo passados cinco anos desde que o realizamos.
Entrevistando pessoas que participam do sistema de punição para adolescentes infratores, tomei conhecimento do terrível roteiro que muitos jovens traçam durante a vida: Cadeinha, Cadeião e Caixão. Utilizei essa sequência para a construção do documentário.
Hoje, com a discussão acalorada no cenário político, uma questão aflige: até quando eles serão protagonistas desse roteiro?
Acredito que o debate só contribui se ele for construído por argumentos verdadeiros e com base na realidade. Por isso resolvemos disponibilizar nosso vídeo na internet, para que possa amparar a opinião das pessoas a respeito de assuntos como a redução da idade penal, em discussão no parlamento.
Vale a pena enfatizar algumas datas importantes relacionadas no documentário, pelo seu simbolismo:
- Dia 09 de julho de 2010 acontece o assalto.
- Dia 12 de julho de 2010 Luciano (um dos jovens envolvidos) é assassinado.
- Dia 13 de julho de 2010 o Estatuto completa 20 anos.
Aqui embaixo, o documentário completo.
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