— Senhor?
— Pois não?
— Adão na linha sete.
— Pode passar.
— Sim, Senhor.
— Alô?
— Tudo. E o Senhor?
— Tudo também. Adão, que história é essa de que os macacos vão começar a cuidar do Paraíso no seu lugar?
— ah, o Senhor ficou sabendo?
— É evidente que Eu fiquei sabendo. Só se fala disso aí embaixo.
— Bem, na verdade ainda não tem nada certo. É uma pequena aposta que fizemos.
— Aposta?
— Isso. Ontem eu estava conversando com os macacos e eles me disseram que conhecem muito mais animais que eu. Falaram que são mais populares e que eu sou... Como é mesmo a palavra que eles usaram? Irrevelante.
— Irrelevante.
— Isso. Irrelevante. E eu disse que não, que como sou eu que cuido do Paraíso, todos os animais me conhecem. Eles duvidaram e aí fizemos uma aposta. Sabe o mural de avisos que temos ali ao lado da minha caverna?
— Sim.
— Eu coloquei ali uma folha de bananeira explicando que se mil animais curtirem aquele recado, os macacos vão começar a cuidar do Paraíso.
— “Curtir o recado”? O que é isso?
— Ah, nós temos uma brincadeira aqui embaixo que é assim. Sempre que passam pelo mural, os animais olham as mensagens que estão escritas. Se eles gostarem do conteúdo, podem curtir, fazendo uma marca na folha de bananeira com a pata. E, ao mesmo tempo, podem deixar uma mensagem também, para os outros animais verem. E curtirem a mensagem se gostarem.
— Mas qual o propósito disso?
— Bem... Os animais gostam. Eles se sentem mais próximos um do outro, como se estivéssemos... Não sei, em uma rede. Isso. Como se estivéssemos em uma enorme rede.
— Certo. E você está usando este mural de recados para fazer os macacos assumirem as suas obrigações?
— Bem, na verdade, estou apenas tentando provar que não sou... como é a palavra mesmo?
— Irrelevante.
— Isso. Mas não está dando certo.
— Por que não?
— Bem... Eu preciso que mil animais curtam o recado. É muita coisa, ainda mais porque cada animal só pode curtir um recado uma única vez. Então, eu resolvi arrancar o recado do mural e sair andando com ele pelo Paraíso, mostrando aos animais e pedindo para que eles curtissem. Sabe... Se o animal não vai até o mural de recados, o mural de recados vai até o animal.
— Só um minuto. Gostei desta frase, vou anotar aqui. Pronto.
— Obrigado. Mas não deu muito certo. Andei a manhã inteira com a folha de bananeira, pedindo para os animais curtirem o recado e, se quisessem, podiam fazer cópias para mostrar aos amigos. Mas ainda estou bem longe de mil.
— Quantos animais curtiram?
— Trinta e seis. Quer dizer, na verdade, são trinta e sete. O bicho preguiça disse que estava cansado demais para ler, mas que iria curtir depois. Aliás, o Senhor sabe quantos animais têm no Paraíso? Porque eu estou começando a desconfiar que se somarmos todos os animais aqui embaixo, não chega a mil animais. E por isso que os macacos escolheram este número.
— Adão?
— Agora, se eu pudesse subir com a folha, o Senhor poderia curtir. E eu deixaria uma cópia aí em cima, para que o Senhor compartilhasse com os anjos. Se todos eles curtirem, talvez...
— Adão?
— Aliás, a serpente mandou perguntar para o Senhor quando teremos internet aqui embaixo. O que é isso?
— Eu não vou nem responder a isso. Você sabe que não é para falar com a serpente.
— Bem, eu precisava apenas que ela curtisse minha folha de bananeira, então achei que não faria mal.
— Adão, será que Eu posso dar um conselho?
— Claro.
— O que você acha de parar com isso e voltar a cuidar das suas tarefas?
— É que não posso deixar isso barato. Os macacos nunca iriam se esquecer disso.
— Eu acho que você está dando importância demais para este mural de recados?
— Não, imagine. Eu só dou uma olhada de vez em quando, nos momentos que não tenho nada para fazer. Tem dias que eu nem olho direito.
— Adão, você me aguarda um minuto?
— Claro.
— Pronto. Voltei.
— Já?
— Sim. Estou aqui olhando o mural de recados.
— Como assim? O Senhor está aqui embaixo?
— Onipresente, lembra-se?
— Ah, é.
— Adão, pelo que estou vendo, foi você quem colocou a maior parte das folhas de bananeira deste mural.
— Não... Não deve ser tanto assim.
— Eu peguei as primeiras dez folhas. Uma é do guepardo, que está avisando sobre o encontro de felinos na próxima semana. Outra é da lebre, comentando que a tartaruga roubou na corrida que eles disputaram e exigindo revanche.
— Ah, eu vi essa. Eu até curti.
— Sim, estou vendo. E as outras oito folhas são suas.
— Minhas?
— Sim. Em uma você diz que começou a chover. É preciso um mural de recados para isso?
— Bem, caso algum animal estivesse longe do mural na hora da chuva, ele ficaria sabendo que...
— Adão, você já parou para pensar que se um animal está olhando um aviso no mural de avisos, é porque ele está na frente do mural?
— Bem... Sim.
— E se ele estiver na frente do mural, as chances dele perceber que está chovendo no mural, sem precisar ler um recado que diz que está chovendo no mural, são bem grandes?
— É. Não tinha pensado nisso.
— Imaginei. Agora, tem outra folha aqui... Você colocou o desenho de um coco. O que é isso?
— Ah, foi o que eu almocei ontem.
— Mas por que os outros animais iriam querer saber disso? Você almoça coco todos os dias!
— Ah, eu sei. Mas este estava bonito, maduro e no ponto. As cores estavam vivas. Achei que todos iriam gostar de ver o desenho.
— Aparentemente, não. Este desenho foi curtido somente uma vez. E por você.
— Bem, achei que se alguém tivesse curtido, os outros animais poderiam se empolgar e...
— Certo. Outra folha. Agora, é o desenho de um boneco palito cabeçudo e usando uma folha de parreira. Presumo que seja você. Está escrito “look do dia”. Você quer explicar isso?
— É... É melhor não.
— Então, vamos em frente. Tenho aqui folhas e folhas de bananeira assinadas por você.
— Bom, é que devem ter acumulado das últimas semanas...
— Não. Todas têm a data de ontem.
— Mesmo?
— Sim. São piadas sem graça, recados com erros de português e frases de efeito sem pé nem cabeça. Mas confesso que uma das folhas aqui me chamou a atenção.
— Sério?
— Sim. Está escrito aqui: “Três lagos limpos, vinte árvores podadas e animais alimentados. Tudo isso antes do almoço. Meu chefe perdeu a noção.” Presumo que você esteja falando sobre Mim.
— Bem... Na verdade...
— E o curioso é que vários animais curtiram esta folha. Todos os macacos curtiram. E a serpente não apenas curtiu como escreveu embaixo “Fala mais! Fala mais!”.
— É... Eu não tinha visto este comentário...
— Adão, vamos fazer o seguinte. Nós temos duas alternativas. A primeira implica em Eu transformá-lo numa estátua de sal. Faz algum tempo que eu venho pensando sobre isso e ainda não experimentei com ninguém. Esta pode ser uma boa oportunidade.
— E a outra?
— A outra é que você vai parar de usar o mural de recados imediatamente, e começar a se dedicar a cuidar do Paraíso.
— Entendi.
— Qual você escolhe?
— A segunda.
— Certo. E o que você vai fazer agora?
— Vou colocar uma folha de bananeira no mural, explicando que eu não posso mais usar o mural enquanto estiver trabalhando.
— Não, Adão.
— É que assim os outros animais não vão estranhar meu sumiço e...
— Adão, deixe-Me colocar da seguinte forma. Se você colocar as mãos naquele mural novamente, eu vou pedir aos anjos que desçam até aí e bloqueiem o seu acesso a ele. E você sabe como funciona isso.
— Sim.
— Então, eu vou perguntar novamente. O que você vai fazer agora? Alimentar os peixes ou aparar a grama?
— Entendi. Eu vou... Hum... Alimentar os peixes.
— Que bom, Adão. Fico feliz. Algo mais?
— Não, Senhor.
— Certo. Até logo.
— Tchau.
Assim que Adão desligou, Deus observou o Paraíso. E viu o homem passando reto pelo mural de recados, caminhando em direção ao lago para cuidar dos peixes. Mas ainda estava preocupado.
Sabia que Adão não iria resistir à tentação e, mais cedo ou mais tarde, voltaria a usar o mural de recados. Primeiro, uma espiadinha aqui e um curtir ali. Logo mais, estaria colocando folhas de bananeiras alucinadamente, sem fazer mais nada da vida. E também não adiantava retirar o mural de recados, pois certamente Adão e os outros animais construíram outro. O segredo era fazer com que eles perdessem o interesse em usar o mural.
Assim, convocou dois anjos para Sua sala e lhes designou a seguinte tarefa: desceriam até o Paraíso e ficariam ao lado do mural. Sempre que um animal postasse uma nova folha de bananeira, um dos anjos imediatamente colaria, por cima do recado, uma folha de bananeira, com a inscrição “Sem Permissão para Anotar no Mural”, impedindo a todos de ler o que estava escrito por baixo.
A ideia deu certo. Em poucos dias, os animais descobriram que não adiantava mais usar o mural de recados. Na semana seguinte, o mural estava totalmente abandonado e esquecido, e os animais haviam voltado à sua rotina. Assim, durante uma madrugada, Deus ordenou que os anjos retirassem o mural do Paraíso.
Satisfeito, Deus resolveu homenageá-los de uma forma divertida, mandando fazer duas camisetas para que os anjos não se esquecessem do trabalho bem realizado.
Contudo, como a inscrição “Sem Permissão para Anotar no Mural” era grande demais, decidiu que as camisetas teriam não a frase inteira, mas somente suas iniciais: “Spam”.
publicado em 25 de Janeiro de 2013, 22:00