A polêmica “lei do gago” é justa?

Durante a semana passada, foi notícia a lei que garante aos portadores de distúrbio de fluência e temporalização da fala (você conhece isso como "gagueira") o benefício de 50% de desconto nas tarifas de telefonia celular no Mato Grosso do Sul.

A lei gerou polêmica. Todo mundo quis dar a sua opinião. Enquanto advogado e autor amigo do PdH, me chamaram para dar a minha aqui.

Pois bem. Sob a ótica do princípio da igualdade previsto na Constituição Federal, acredito que muito antes de feri-lo, essa lei o garante. É preciso haver tratamento igual aos iguais, e desigual aos desiguais, na medida de sua desigualdade. Logo, partindo da premissa que os portadores do distúrbio ficam em situação desvantajosa perante os serviços de telefonia, é justo que alguma medida seja tomada a fim de equipará-lo ao homem com fala perfeita.

Só não me parece que a questão possa ser bem resolvida com tamanha simplicidade.

Link YouTube | Lindo e curto documentário canadense sobre gagueira (clique no CC para legendas em português)

Apesar de acreditar na boa intenção do legislador, digo que a referida lei se reveste de inúmeras deficiências. É vaga, omissa e, de certa forma, injusta. Em sucinta análise, quero destacar quatro pontos que considero problemáticos. Em especial o último.

1. Caso a lei desejasse alcance verdadeiramente efetivo, iria prever desconto também às tarifas de telefonia fixa, e não somente às de telefonia móvel. Penso que não há como se afirmar que os gagos utilizam somente celulares como meio de comunicação.

2. Questiono também o valor do desconto. Qual foi a base de dados utilizada para a fixação desse valor em 50%, já que não há como se aferir que os portadores de gagueira demoram exatamente o dobro do tempo para conversar?

Ora, pois somente assim seria possível aceitar o valor do desconto sem questionar. Caso negativo, a conta não bate. E não, não estou defendendo as companhias de telefonia móvel, pois, da mesma forma que um gago pode levar menos que o dobro do tempo “comum” para praticar uma ligação, ele pode vir a demorar muito mais. Não vejo embasamento para tal desconto, o que me faz pensar que o valor foi estipulado de modo grosseiro e impensado.

3. Posteriormente, o artigo 2º dispõe que o portador de distúrbio de fluência e temporalização da fala apresente avaliação efetuada por fonoaudiólogo especializado para ter direito ao benefício previsto na lei. Procuro sempre acreditar na honestidade das pessoas, dando-as o benefício da dúvida, mas, bem... vivemos no Brasil.

4. Todavia, maior disparate encontra-se no 3º e último artigo, tratando do mérito da questão. O dispositivo traz em seu bojo que as empresas de telefonia celular deverão instalar bloqueadores nos aparelhos destinados aos portadores de gagueira, evitando assim o uso por outras pessoas.

Madre mia! Se eu bem entendi, as companhias terão que desenvolver um rastreador de não-gagos, de modo a não permitir que desonestos valham-se da benesse aplicável somente aos de fala hesitante.

Francamente, não consigo conceber como essa lei já tem mais de 2 anos de vigência.

Pensando ainda um pouco além, tenho plena convicção de que o direito ao desconto de 50% também deveria valer nas ligações direcionadas a eles, por qualquer pessoa. Afinal, partir do momento que um portador de gagueira leva mais tempo durante uma conversa telefônica, quem com ele se comunica também gasta mais. É uma medida simples de justiça.

Sou perfeitamente a favor da proteção das minorias, seja da forma legislativa, executiva ou judiciária. A ideia do legislador é brilhante, o fim é perfeito. Entretanto, não há que se fundamentar os meios com total desprezo ao bom direito.


publicado em 27 de Fevereiro de 2012, 11:11
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Alexandre Nunes

Advogado e jogador de poker. Apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, vindo do interior. Responde por @LeLawyer no Twitter.


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