Pensa na pessoa mais bonita que você conseguir imaginar, aquela mulher dos seus sonhos, a perfeição.
Pensou?
Ela era negra?
A primeira vez que fizeram esse exercício comigo foi há dois anos, e eu senti um soco na cara. Eu estava em uma sala com mais de 100 pessoas e nenhum de nós levantou a mão quando o palestrante perguntou quem tinha imaginado alguém não branco.
A discussão sobre racismo toma outro rumo quando nos deparamos com situações assim, porque a gente consegue (ou pelo menos deveríamos) enxergar o quanto estamos infectados por preconceito.
As raízes do que aconteceu na sala daquela palestra são profundas e vão além de uma simples preferência pessoal. Até porque seria muita ingenuidade acreditar que tudo se resume a uma "questão de gosto".
Não se trata disso.
Gosto não nasce no vácuo, ele é resultado de várias referências que temos durante a vida. Essas referências, nós bem sabemos, sempre foram baseadas em um padrão europeu. E não é preciso ir muito longe pra comprovar isso, basta olharmos ao nosso redor. Comerciais, atores de novela, imagens que ilustram textos. A maioria esmagadora é de pessoas brancas, com preferência para as loiras de olhos claros e magras.
Crescemos tendo a branquitude como ideal de beleza, e não é a toa que várias de nós alisávamos o cabelo quando mais novas ou afinávamos o nariz com técnicas de maquiagem. O mundo gritava que isso era o bonito, o socialmente aceito.
Essa semana a Raissa Santana ganhou o concurso de miss Brasil. Ela, mulher negra, se tornou a jovem mais bonita do país.
Mas fotos como essa são raras. Isso nunca foi regra, tanto que houve um certo barulho na imprensa após o anúncio da vencedora. O evento que escolhe a miss Brasil é marcado por uma maioria esmagadora branca. A edição de 2016 foi histórica, e teve o maior número de participantes que fugiam a essa regra: seis candidatas. Raissa foi a primeira negra vencedora nos últimos 30 anos e a segunda desde o início da competição.
O que isso nos mostra? Que aquela sala com 100 pessoas é um recorte quase perfeito da realidade. Somos direcionados a enxergar um certo padrão e nem nos damos conta do quanto isso é danoso. Já falei aqui no PdH sobre as marcas que alguns detalhes de cunho racista podem fazer no nosso psicológico, e sobre como se sentir representada é importante.
É por isso que, sim, há muito o que comemorar quando a escolhida como miss Brasil é uma mulher negra. Se trata de uma inspiração, um símbolo de resistência caminhando para reconstruir as referências das gerações futuras.
Mas um adendo muito importante precisa ser feito. Uma competição que julga a beleza, por si só, já é problemático. Segundo a própria miss Brasil, houve a quebra de um padrão, e quanto a isso não há dúvidas. Só que muitos outros ainda precisam sair de cena. O formato do evento vencido por ela coloca uma série de exclusões em pauta, principalmente a sofrida por mulheres fora das medidas corporais exigidas.
Pra musicar esse assunto, vale ouvir e assistir ao clipe da Beyoncé, que coloca na roda os absurdos feitos em nome de uma "beleza ideal".
No fim das contas, o racismo ainda está presente, infelizmente. Fomos condicionados a isso e cabe a nós estabelecer círculos que nos ajudem a desconstruir os preconceitos. Se ainda sobra espaço para encarar esses pontos como insistência em um assunto que já está superado, vale fazer o exercício de observar com mais atenção o mundo e tentar responder algumas questões. Por que a Raissa é a primeira negra, em 30 anos, a ser escolhida como a mulher mais bonita do Brasil? Coincidência? Acho que não.
Aproveitando esse texto, queria dizer que tenho lido muitas queixas a respeito do quanto é cansativo ouvir o politicamente correto, as discussões sobre questões de gênero, cor, classe, e todo aquele discurso que a gente conhece bem.
Mas não se trata de insistir em um assunto que todo mundo já tá cansado de saber. Se trata de insistir em um assunto que ainda destrói a auto estima, marginaliza, coloca de canto e mata pessoas.
Mais cansativo do que bater na tecla da discriminação de cor é continuar a ser alvo de racismo.
Se há oportunidades de reconhecer falhas e quebrar o ciclo, por que não fazer isso da melhor forma possível?
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