A origem de um estilo musical difundido por todos os cantos do planeta não haveria de ter uma explicação fácil, afinal, foi longo o caminho necessário para que o rock pudesse nascer.

Lead Belly, quando ainda jovem. Para saber quem foi ele, basta clicar na imagem
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Diversos ritmos e comportamentos foram se adaptando com o tempo e, em uma pura combinação de fatores, surgiu primeiro o rhythm and blues — o famoso R&B — e depois o rock and roll propriamente dito. Uma retrospectiva pelas raízes é necessária para que se possa entender sua importância no cenário, não apenas musical, mas também social do mundo.

Diferente de outros estilos musicais, o rock pressupõe a troca, a integração do artista com o público. Não há espaço para passividade nesse estilo; todos devem participar da construção do ritmo.

“Por isso, dançar é fundamental. Se não houver reação corpórea quente, não há rock”.
(CHACON, 1993. p.85).

Porém, tão importante quanto dançar é cantar. O ouvinte deseja se unir ao cantor e, em um amálgama mágico, se torna elemento insubstituível da equação. Não há como imaginar uma apresentação de rock com o público sentado sem interagir. Isso é uma característica da música erudita.

O rock penetra não apenas nos ouvidos e na visão, mas em todas as células do corpo.

“Em suas origens, o rock and roll era essencialmente uma música afro-americana. Os ritmos sincronizados, a voz rouca e sentimental e as vocalizações de chamado-e-resposta características dos trabalhadores negros eram parte da herança da música africana e tornaram-se tijolos com os quais o rock and roll foi construído.” (FRIEDLANDER, 2010. p. 31).

É incontestável que, a maior fonte do R&B e, posteriormente do rock and roll foi o blues. A música negra por excelência era tocada por homens negros desempregados que carregavam seus violões pelo sul dos Estados Unidos — região mais pobre e rural do país, e que demorou mais tempo para alcançar o desenvolvimento econômico e ideológico que os estados do Norte — no período da depressão das décadas de 1920 e 1930 e cantavam sobre a vida difícil e dolorosa que levavam.

Link YouTube | Skip James – Devil Got My Woman

Nesse contexto social, era comum encontrar letras de músicas blues que falavam de adversidades, conflitos e, ocasionalmente, celebração. Essencialmente rural, o blues sulista — vindo da região do Delta do Mississippi — era tocado nas varandas, nos bares de beira de estrada ou nas praças das cidades. Todavia, após o auge da depressão e o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, houve uma maciça migração negra para o Norte e o blues urbano começou a florescer.

O blues urbano manteve a carga emocional de referencial rural e sulista, mas passou a usar um toque de positividade e orgulho. Com isso, foi abandonando cada vez mais os temas depressivos e, usando uma formação expandida — criada por Muddy Waters — de guitarra rítmica, guitarra solo, bateria, baixo e piano, representou um importante avanço em direção ao rock and roll.

A segunda grande influência é a música religiosa: o gospel. Com seu estilo emocionado, “incluía palmas, chamado-e-resposta, complexidade rítmica, batidas persistentes, improvisação melódica e acompanhamento com percussão” (FRIEDLANDER, 2010. p. 33). É certo que, no R&B, muitas dessas características também estão presentes, mas é na música gospel que elas têm origem.

A união da plateia com o artista através de tantos recursos interativos, encontra sua origem na música negra religiosa, pois “os diálogos de chamado-e-resposta – originários dos cantos africanos – eram executados por um cantor principal e pela congregação que respondia” (FRIEDLANDER, 2010. p. 34).

O terceiro e último estágio para a origem do R&B é o jump band jazz. Surgido no final da era das grandes bandas no final da Segunda Guerra Mundial, era um estilo animado, com batida suingada e formado por cinco ou seis instrumentos e um saxofone que se destacava. Comparada às grandes bandas, as bandas de jazz pareciam pequenas, mas guardavam o poder de fazer o público dançar ao som dos solos de saxofone.

Reunindo as três fontes – blues, gospel e jump band jazz –, músicos negros criaram o estilo conhecido como rhythm and blues, que, por sua vez, seria a principal base para o rock and roll.

“A síntese musical do R&B consistia na formação básica das bandas de blues, complementada por um solista de sax-tenor do jazz. Como no jump band jazz, o importante era o swing. A influência do gospel, que enfatizava a base rítmica 2/4 (ou “backbeat”), marcadas principalmente pela bateria, criava um movimento corporal que estimulava os ouvintes.

O virtuosismo vocal e a criatividade no palco, ambas heranças do gospel, foram importantes componentes do R&B (…) Emoção na voz e a sustentação das notas foram herdadas do blues. O solo instrumental, feito principalmente pelo sax-tenor, combinava com a fluidez improvisada do jazz com as longas repetições do blues.”
(FRIEDLANDER, 2010. p. 34).

Link YouTube | Blind Willie Johnson – Trouble will soon be over (1927)

Deixando para trás os lamentos de sofrimento e dor dos tempos da depressão tocados pelos bluesmen rurais, o R&B contemplava principalmente o amor e as experiências sexuais da vida real. Enquanto o ritmo ia se tornando cada vez mais popular, um novo público de jovens ouvintes negros ia surgindo, à revelia de grande parte da população branca, que tinha excesso de pudor e também não aceitava que uma música negra invadisse seus ouvidos.

Um pitada de folk e country . E agora, rock and roll?

Embora, grande parte da população branca dos Estados Unidos não aceitasse a música dançante dos negros, o R&B ia conquistando admiradores. Não apenas os negros poderiam extravasar suas angústias e tristezas se divertindo com o novo e frenético som. Agora, os brancos queriam participar e também fizeram sua contribuição para o nascimento do rock and roll.

As músicas folk e country dos brancos criavam baladas sobre o cotidiano de pessoas comuns. Assim como o R&B negro, que até esse momento não se misturava, a música country branca também buscava manifestar suas experiências e emoções e representava uma alternativa às canções melosas e rimadas das músicas populares da época.

Encabeçado por Hank Williams, Jimmy Rodgers e Carter Family, o country/folk proliferou nas rádios do começo da década de 1950 e entrou nas paradas de sucesso.

Link YouTube | Jimmie Rodgers – Blue Yodel No 1 (T For Texas)

Assim como a música transmitia a emoção do artista, o público respondia, na mesma medida, “movendo seus corpos em vibrações que acompanhavam o movimento dos artistas” (FRIEDLANDER, 2010. p. 46). O rock and roll era, para muitos, um catalisador de identidade para os adolescentes que, criados por pais hierarquicamente influenciados pela estrutura do exército, do trabalho e da família, não queriam obedecer a regras apenas porque elas existiam. Queriam seguir o rumo que suas próprias vidas os levariam.

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E, “deitados na cama encolhidos com seus rádios ou depois da escola na casa de amigos, os jovens sabiam que ouvir rock and roll os fazia sentir-se bem”
(FRIEDLANDER, 2010. p. 47).

Apenas alguns anos após o término da II Guerra Mundial, a juventude americana, ainda traumatizada pelas perdas humanas — principalmente de jovens –, queria, após anos de sofrimento, se divertir. Músicas despretensiosas, ritmos dançantes e o clima de festa serviriam para alegrar tanto os músicos, quanto os ouvintes.

Nesse contexto, ocorreu a mistura de música branca e negra que, mais alguns anos depois, já na década de 1960, percebendo que já viviam miscigenados através do rock and roll, vão reclamar e protestar contra o racismo.

Foi dessa forma, por meio da festa e da diversão, que brancos e negros aprenderam a dançar e cantar juntos.

O rockabilly pede licença: finalmente a mistura se completa

O R&B, originado do blues (rural e urbano), da música gospel e do jump band jazz, surgiu para os negros, popularizou-se e espalhou-se.

O folk e o country dos brancos se modernizaram e passaram a ser tocados nas rádios. Aos poucos, quase que imperceptivelmente, os dois caminhos começaram a se aproximar e, alguns jovens, ansiosos por sair da monótona música

popular americana, decidiram criar uma nova estrutura de som e ritmo.

“Em meados do anos 50, alguns jovens, influenciados por Williams, ansiavam por mais. Cientes da força e da emocionalidade do rhythm and blues, eles quiseram incorporar ‘a batida’ à autêntica música country. Elvis Presley – nascido no Mississipi e depois estabelecido em Memphis – entrou na gravadora Sun Records em uma tarde de julho para gravar um blues rural intitulado That’s All Right (Mama).

Gravado com apenas um violão, uma guitarra, um baixo e cantado com trêmulo e displicente abandono, Elvis criou a síntese do country/blues/R&B conhecida como rockabilly. Mais tarde, a bateria somou-se ao conjunto e o rockabilly tornou-se um gênero de transição para alguns artistas brancos, atraindo astros como Jerry Lee Lewis, Johnny Cash, Carl Perkins e Roy Orbinson para a Sun Records antes do final da década”.

(FRIEDLANDER, 2010, p. 36)

Os artistas brancos das regiões rurais e montanhosas do sul dos Estados Unidos tocavam uma espécie de proto-country, chamada hillbilly. Denominado “música caipira”, era o modo de vida que as pessoas, vindas principalmente dos Apalaches e Ozarks, tinham e, como o principal meio de transporte para a região era o ferroviário, o som do hillbilly, muitas vezes, se assemelha a um trem em movimento.

Link YouTube | Eddie Cochran – Half Loved

Quando alguns jovens, embalados pelas duas culturas — branca e negra — e pelo sucesso da economia e da política americana do pós-guerra procuraram uma forma de extravasar sua insatisfação e de ter uma identidade de grupo, encontraram no rockabilly a expressão ideal de suas vontades.

É importante lembrar que, ao mesmo tempo em que a música revelava a vontade de mistura músico-racial, a política e a poesia também se manifestavam nesse sentido, respectivamente, por meio da decisão da Suprema Corte americana no caso Brown vs Conselho de Educação (1954), que tornava inconstitucional a segregação racial nas escolas, e da geração beat, que buscava exterminar a repressão sexual, usando temas de amor livre em versos críticos ao rígido ambiente dos anos 1950.

Dessa maneira, o mercado americano, predominantemente branco, passou a aceitar a música negra, adaptando seu estilo para uma fórmula nova e, de quebra, permitiu que o rock and roll salvasse o rádio da morte certa, já que, com o advento da televisão, não conseguia se sustentar.

Pequenas gravadoras independentes, tais como Sun e Chess Records, foram responsáveis por tal feito e conseguiram transpor a linha conservadora da cultura alimentada pelo modelo que a série de TV Papai Sabe Tudo (transmitido pelas emissoras CBS, ABC e NBC entre os anos 1949 e 1962, que retratava o cotidiano de uma feliz e satisfeita) transmitia, produzindo músicas fora do mercado.

Embora a música rockabilly fosse tocada com cada vez mais frequência nas rádios, era “condenada pelas associações de pais e professores locais, por comitês governamentais e líderes religiosos” (FRIEDLANDER, 2010. p. 40) e sua aceitação não foi muito fácil.

Uma cultura baseada em segregação racial precisa de bastante tempo para abandonar seus paradigmas, mas o rockabilly, essencialmente uma música de mistura racial, foi um perfeito instrumento para alcançar esse objetivo.

“Alan Freed foi tido como o responsável por ter apresentado o som dos negros  para as plateias brancas com seu programa de rádio Moondog Rock and roll Party, que começou em Ohio, 1952, tocando R&B para uma audiência de adolescentes brancos. Como racismo pegava pesado naquela época, o DJ foi criticado por sua iniciativa e perseguido pelas autoridades.”
(VINIL, 2008. p. 14)

Realmente não era fácil para os pais racistas daquela época ver seus filhos, com as cabeças cada vez mais abertas por influências musicais e intelectuais, dançarem da mesma forma que os negros dançavam. Até aquele momento, o ritmo branco tradicionalista e preconceituoso não aceitava a sensualidade e o suingue dos negros.

Link YouTube | Johnny Burnette – Train Kept A Rollin’

Coube então aos jovens sedentos por mudanças a mistura sócio-musical tão importante para a origem de um ritmo que vem se fazendo presente até os dias atuais.

Dessa forma, a juventude mostrou toda a sua força para a sociedade, especialmente a americana, cheia de recalques e preconceitos. Tanto negros quanto brancos passaram a cantar e dançar juntos e o rock serviu como instrumento de contestação e revolta, mesmo que de maneira sutil e despretensiosa.

Referências bibliográficas

FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. Record: São Paulo, 2002.

CHACON, Paulo. O que é rock?. Círculo do livro: São Paulo, 1993.

VINIL, Kid. Almanaque do rock. Ediouro: São Paulo, 1998.

Leitura complementar

Rockabilly é isso aqui!, por Vébis Jr;

Lead Belly | Homens que você deveria conhecer #36, por Luciano Ribeiro;

Obs: esse texto foi, um dia, um trabalho de faculdade. Posteriormente, foi transformado em um artigo publicado em outro site, que não existe mais. Como o conteúdo é ainda relevante e de interesse de muitos, trouxemos a publicação para o PdH e mantivemos as citações.

Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.