A obsessão pelo sexo bonito

Aprendemos o que é transar por meio da visão e depois pode ficar difícil entender que o melhor dos sentidos é o tato

Não aprendemos sexo na escola, muito menos com os nosso pais – que quando muito só nos ensinam breves conceitos de proteção e contracepção. Sexo mesmo a gente começa a imaginar o que é e como se faz quando vê a Alessandra Negrini se engraçar pra cima do primo na novela, quando a Mel Lisboa entra em cena na presença Anitta ou quando a Sharon Stone galopa classudamente sobre Michael Douglas em Instinto Selvagem.

Depois de alguns anos vendo os resumos da indústria do entretenimento, Sasha Grey, Stoya, Lexington Steele e outros mestres do pornô ensinam o passo a passo e todo o resto que a Globo não mostra.

As novelas nos ensinam a como fazer amor sem balançar a cama, sem transpirar e mantendo o lençol nas áreas adequadas, sempre. Que os diretores cinema que fizeram jus à realidade das transas me perdoem, mas os blockbusters, definem que os bons sabem transar como se aquela fosse a primeira e a última vez, sempre mantendo a postura de galã/mocinha e, claro, gozando sem fazer careta.

Os mandamentos da indústria pornô, por sua vez, proclamam que foda de verdade conta com ao menos 20 centímetros de pau, uma garganta profunda, cinco variações de posições, um par de próteses de silicone e três velocidades diferentes: o devagar-pra-câmera-filmar, o rápido e o muito-rápido-pra-caralho-mesmo.

Seja lá qual for a escola a que um se apegue mais, todas pregam um ideal de corpo acompanhado de um pacote de posições que o valorize e um padrão de comportamento que divide tudo entre sensual versus brochante.

Passamos uma juventude inteira vendo sexos encenados, esperando a nossa vez de protagonizar a sedução na cama. Nossas admirações adolescentes se transformam em aspirações e, sem nos dar conta, cultivamos uma neura discreta que nos cobra a responsabilidade não só de fazer, mas de fazer bonito. Queremos constatar nos espelhos de teto que sabemos praticar o Pecado Original tal qual Angelina Jolie e Antonio Banderas.

Por isso nos esforçamos. Homens aparam os pelos da base pra valorizar o comprimento do pau, as parceiras se entregam aos engasgos para levá-lo o mais fundo que possam. Eles se colocam de joelhos, enrijecendo o abdômen e, de quatro, elas se dedicam a curvar as costas com a bunda pra cima. E os seios? Assim pra baixo será que não ficam meio caídos? Deformados? Eles reposicionam uma das coxas ao estilo pensador, afinal, realça a sensualidade, em seguida abrem espaço pra câmera imaginária. Elas jogam os cabelos pra trás, semicerram os olhos, mordiscam uma ponta dos lábios e depois, entre suspiros, os projetam volumosos. Eles seguram os gemidos em carrancas enfezadas e aumentam a velocidade afim de mostrar eficiência. Elas, prestes a gozar, se controlam pra não deixar transparecer a animalidade babuína nas feições porque isso não é coisa bonita, não.

Não é que trocamos o prazer pela estética, mas a visão de nós mesmos é capaz de injetar altas doses de prazer ou de cortar ereções instantaneamente. Criamos nossos primeiros conceito sobre o que é excitante ou não vendo imagens, antes mesmo de experimentar o contato.

Tememos parecer ridículos porque nós mesmos desenhamos um ideal de como queremos ser e fazer, e nos decepciona não corresponder a ele. Ao desconfiar que não estamos cumprindo nossa meta, as inseguranças nos tiram do prazer. Apagar a luz e fechar os olhos ajudam muita gente, e nem sempre porque realça outros sentidos, mas porque fechar a visão afasta as expectativas e decepções que os olhos levam a nossa cabeça. Apagar os olhos é erguer mais alto a voz da pele.

A vida e as carnes reais vão desincrustrando essas noções estéticas à medida que passamos a associar o bom e o ruim mais com nossas próprias sensações e menos com o padrão que nos foi dado de criação.

Então, percebemos que pelos muitíssimo cortados podem penicar mais que matagais desgrenhados, que os engasgos da garganta profunda não agradam tanto quanto um oral raso, mas feito com gosto e muita língua. Largamos as curvaturas de lado porque melhor que a bunda empinada e os músculos enrijecidos são as costas bem corcundas grudadas numa metida aconchinhada. Felizmente percebemos que vale mais a pena comer cabelo do que fazer com que as mãos parem de se dedicar ao que quer que seja que elas estejam fazendo. E apesar de vídeo nenhum ter nos mostrado isso, aprendemos que é muito mais excitante ver um cara gemer com gosto do que manter a pose.

Por fim, descobre-se que nem os suspiros hollywoodianos agraciados por brisas frescas e nem os esguichos quilométricos do pornô representam os prazeres dos verdadeiros orgasmos.

É nas contorções esganiçadas, meio caninas, meio babuínas, mas sobretudo humanas, que mora o verdadeiro prazer. Fosse a arte sincera imitação da vida, os prazeres reais e suas grandes variedades de formas ficariam muito bem bonitos nas câmeras.


publicado em 26 de Julho de 2016, 11:07
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Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro "Amulherar-se" . Atualmente também sou mestranda da ECA USP, pesquisando a comunicação da sexualidade nas redes e curso segunda graduação, em psicologia.


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