A língua que tudo diz

Senti-me orgulhosa quando o pessoal do PdH me ligou pedindo umas linhas sobre o idioma alemão e suas palavras que traduzem sentimentos, que dizem muito com tão pouco. Dissertar sobre o alemão é algo que requer experiência, vivência do idioma. E, ao me dar conta que poderia escrever sobre o assunto, senti uma infladinha no ego.

Aprender a pensar em alemão não acontece da noite para o dia, mas é um processo de aprendizado muito gratificante. É um desafio e um teste de persistência. Eu achava que não conseguiria falar este idioma nunca. Hoje, fluente em alemão, é como se eu tivesse aberto um novo espaço dentro de mim, não somente aquele espaço que um idioma e uma nova cultura trazem, mas uma maneira de ver o mundo por outra perspectiva, de expressar sentimentos de uma maneira exata.

Falar alemão não somente me deu acesso a uma das maiores potências europeias, mas também me fez entender o comportamento deles, e acessar uma parte de mim e da minha família alemã que eu desconhecia.

Antes, um pouco de história

Portão de Brandemburgo: palco de grandes momentos da história alemã há mais de 200 anos

Apesar de uma parte da minha família ser da Alemanha, eu fui aprender o tal idioma somente quando fui morar em Viena, em meados de 2001. Estudei na universidade local onde aprendíamos Hochdeutsch, o alemão clássico. Mas, ao caminhar pelas ruas da capital austríaca, eu não ouvia exatamente a sonoridade que aprendi na universidade. Podia claramente identificar palavras e termos diferentes do que eu estava estudando, mas não era a mesma coisa. Quando me dei conta disso pensei:

“Nunca vou conseguir falar este negócio.”

Para piorar, além do idioma ser muito difícil em gramática e fonética, ele tem vários dialetos. Esses dialetos, muitas vezes incompreensíveis, foram utilizados por todo o Sacro Império Romano-Germânico durante a Idade Média. Isso porque, naqueles tempos, o que hoje chamamos de Alemanha estava dividida em muitos Estados e não havia um padrão. Até que Martinho Lutero traduziu a Bíblia (o Novo Testamento, em 1521, e o Velho Testamento, em 1534). E a variedade regional, o dialeto na qual Lutero traduziu a Bíblia é considerado, hoje em dia, o modelo sobre o qual foi construído o alemão padrão clássico, o Hochdeutsch. Ufa!

O alemão é falado, obviamente, na Alemanha, mas também na Áustria, Suíça, Luxemburgo, Liechtenstein, Itália, Namíbia e em 36 outros países. Inclusive em certas regiões do Brasil. Eu concordo com quem diz que o alemão falado no Brasil é de fato um regionalismo brasileiro e não simplesmente uma língua estrangeira. Muitas expressões usadas no alemão daqui não existem no alemão falado na Europa. Muitas destas famílias teuto-falantes moram no campo e estão ligados à agricultura. Estimativas apontam que 200 mil brasileiros possuem o alemão como língua materna. E são dois os dialetos mais difundidos no Brasil: o hunsriqueano rio-grandense (Riograndenser Hunsrückisch) e o pomerano (Pommersch/Pommeranisch).

Uma palavra para resumir um mundo

O mais curioso do alemão não são exatamente suas origens e dialetos, mas sim o fato deles conseguirem, em apenas uma palavra, resumir um pensamento. A coisa é tão precisa que há quem diga que só é possível filosofar de verdade em alemão. Ao contrário do que se pensa, esta característica do pensamento exato é na verdade uma facilidade para quem se propõe aprender tal idioma. Ela vem da possibilidade de se criar novas palavras juntando outras já existentes. Também por um traço cultural que marca uma exatidão de expressão que se manifesta numa gama de palavras com uma função específica para nomear algo muito individual.

Então, eu diria que para falar alemão, deve-se primeiro “pensar” como um alemão. É como se eles tivessem uma lógica diferente da gente. Uma maneira de comunicar sentimentos com uma exatidão que não deixa dúvida. Claro que num primeiro momento a gente olha aquela palavra imensa escrita e pensa: “como eles conseguem pronunciar isso?” Mas com o tempo e, claro, muito treino, esta capacidade de pensar juntando palavras que geram um significado único começa a aparecer.

Vocês não são casados, mas moram juntos. Que nome damos a esta relação?

Imagine que você queira dizer que mora com sua namorada, mas na verdade vocês não são casados, e que na realidade é como se fossem. Pois é, no alemão você diria apenas que ela é sua “Lebensabschnittspartner”. Traduzindo, isso significa parceiro, cônjuge em uma relação não-oficializada, com quem se passa uma parte da vida. É isso aí, para eles é simples assim. Eles apenas dizem que ela é minha “Lebensabschnittspartner” e está tudo entendido. Nós aqui nos trópicos precisamos de uma frase para explicar a situação. Diríamos algo como:

“Ela é minha namorada e estamos num relacionamento fixo. Inclusive moramos juntos. Mas não somos casados.”

São muitas as palavras que nos mostram a complexidade do alemão, como por exemplo, “Vorfreude”, que é a felicidade antecipada por algo que ainda está por vir. Já pensaram nisso? Em apenas uma palavrinha eles conseguem expressar todo este sentimento. Apenas uma palavra para algo tão grandioso. Talvez por isso os alemães sejam considerados, principalmente pelos latinos, pessoas frias. Eu, particularmente, não vejo frieza nenhuma. O que acontece é que eles não fazem rodeios, não colocam florzinhas nas frases. É pá-pum, direto e reto. Acho genial.

Há palavras em alemão que abrem extensas discussões filosóficas, como é o caso de “Umwelt”, que significa "ambiente" ou "mundo circundante”. Em tempos onde se fala em sustentabilidade, "Umwelt" é a palavra chave: ela traduz o meio-ambiente de maneira global. Se você já ouviu falar de Jakob von Uexküll, sabe do que estou falando. Uexküll era um biólogo da Estônia que estudou o comportamento animal e a cibernética da vida. Mas a sua contribuição mais notável é a noção de “Umwelt”, usado pelo semiótico Thomas Sebeok, que foi quem estabeleceu a biossemiótica.

O mundo e o contrário disso

Parece papo de maluco, mas este idioma é assim mesmo. Se formos mais longe vamos descobrir que, de acordo com Jakob von Uexküll e Thomas A. Sebeok, a noção de “Umwelt” ultrapassa o significado de “meio-ambiente” e vem a ser considerado como o fundamento biológico que está no epicentro do estudo da comunicação e significado dos seres humanos e animais. O termo é geralmente traduzido como "mundo autocentrado". Uexküll teorizou que os organismos podem ter "Umwelten" (plural de "Umwelt") diferentes,apesar de compartilharem o mesmo ambiente. Sendo assim, como termo, “Umwelt” também une todos os processos semióticos de um organismo em um todo. E a coisa não para por aqui não, pois o filósofo e sociólogo Josef Pieper, argumentou que a razão permite que os humanos vivam no "Welt" (mundo), enquanto que plantas e animais, vivem de fato em "Umwelt". A discussão sobre esta palavra nos dá a dimensão filosófica que este idioma pode alcançar.

Vejam só essa: “Schadenfreude”, que é a alegria sentida quando o outro sofre alguma perda. Já pensou? Sim, alegria com a desgraça alheia! Até para este sentimento eles tem uma palavra. Como a satisfação que os americanos que perderam parentes no 11 de setembro sentiram quando Bin Laden morreu.

Link YouTube | Uma boa definição de “Schadenfreude”

Outra expressão que eu gosto muito, que fala muito por si só, é “Weltgeist”. Traduzindo, seria o espírito que gere o mundo. Já a palavra “Dasein”, o “estar no mundo”, vem de Heidegger e significa “a vida humana em suas condições”. E “Weltbild” é a ideia subjetiva do mundo que cada um traz, a visão de mundo de cada um.

No momento em que começamos a nos dar conta dessa capacidade de síntese e abrangência do alemão, que sentimos que podemos dialogar neste nível de compreensão, é aí que nos apaixonamos pelo idioma. É essa força que o alemão tem em nos motivar a seguir aprendendo, pois ele exige do aluno uma capacidade que vai além do aprendizado de uma língua. É aprender a pensar de outro jeito.

Você já percebeu que o mundo – exterior e interior – é limitado pelas palavras que você sabe? Assim, confinamos sentimentos, sensações e ideias a vocábulos. O que você pensa sobre isso?

Mecenas: Goethe-Institut Brasil

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Assim como o alemão abriu um universo diferente para a Karen, ele pode te ajudar a alcançar seus sonhos, como conhecer uma nova cultura ou conseguir uma promoção no emprego. Pensando nisso, o Goethe Institut Brasil lançou a promoção "A oportunidade vale a viagem".

Como participar

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Boa sorte!


publicado em 07 de Dezembro de 2011, 05:08
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Karen Schneider

Karen Schneider é jornalista, fotógrafa, inventora de fotolivros infantis, blogueira no Kromakids, pianista, poliglota, mãe da Luiza, praticante budista... E a lista segue.


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