A guerra que acontece sob os nossos pés

Uma coisa engraçada que o cinema consegue fazer é dar aquele toque de hiper-realidade necessário para que as coisas deixem de ser cotidianas e se tornem maiores, mais épicas, mais alheias à nossa vida. Ele faz isso com o romance, que sempre acaba com um final feliz, ele faz isso com a ciência, que cria naves espaciais e encontra alienígenas de orelhas pontudas, e ele faz isso com a guerra, que, mesmo sangrenta, violenta e cruel, ainda é estilizada, visual e distante.

Por isso é chocante quando essa nossa visão da guerra enquanto “esmagamento de nazistas com tacos de beisebol” ou “John Rambo saindo de dentro da lama com armas gigantes” acaba se deparando com a guerra real, a guerra doméstica, a guerra totalmente desprovida de glamour.

Como no caso dos conflitos dos países vizinhos, das ex-colônias na África, das disputas na América Central. Porque aí a violência se torna real demais e num nível que mesmo a violência urbana – com a qual infelizmente já estamos mais acostumados – ainda não consegue alcançar.

O maior exemplo disso são as minas terrestres, espalhadas por diversos países da América Latina e das quais tão pouco ouvimos falar, mas que matam pessoas em países tão próximos quanto o Peru, a Venezuela e o Chile. Na Colômbia elas são um problema tão grave – apenas em 2006 foram registradas mais de mil mortes – que até medidas no mínimo “alternativas”, como o treinamento de ratos farejadores, vêm sendo tomadas para tentar localizar as minas colocadas durante os conflitos entre as Farcs e o exército.

No Windows, você perde uns minutos; no Chile, perde uma perna

Sim, “ratos farejadores localizando minas terrestres num país da América do Sul” realmente parece roteiro de um filme B que nem o Cinema em Casa teria coragem de passar. Mas saber que não tão longe daqui pessoas ainda estão sendo feridas por uma das mais cruéis e traiçoeiras ferramentas de uma guerra – uma mina terrestre não avisa, uma mina terrestre não permite defesa – nos faz lembrar que certas coisas não estão tão fora da nossa realidade quanto gostaríamos de pensar, e que definitivamente a vida não tem imitado tão bem assim a arte. No cinema estaríamos bem mais perto de um final feliz.

Saiba mais: Landmine Monitor


publicado em 28 de Fevereiro de 2012, 07:09
Selfie casa antiga

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (www.justwrapped.me/) e discute diariamente os grandes temas - pagode, flamengo, geopolítica contemporânea e modernidade líquida. No Twitter, é o (@joaoluisjr)


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