Essa semana, a Enciclopédia Britânica anunciou o fim da sua edição impressa. Depois de 244 anos em catálogo, a edição de 2010 será a última em papel.
Mas ela não está acabando: eles simplesmente vão concentrar suas atividades na internet, onde o conteúdo pode ser corrigido instantaneamente.
Em termos de vendagem, o melhor ano da Enciclopédia Britânica foi 1990, com 120 mil coleções vendidas só nos Estados Unidos. Quatro anos depois, comecei a acessar internet de casa, pelo Ibase/Alternex.
Cresci com uma Enciclopédia Britânica em casa. Edição de 1978, comprada com sacrifício pelos meus jovens pais, que nem falavam inglês tão bem assim, mas que acreditavam no ideal de que toda casa classe média tinha que ter uma Britânica. A cada ano que passava, a edição se tornava mais escandalosamente obsoleta mas, fazer o quê? Qual era a opção?
Eu gostava mesmo era da coleção que veio junto, a Britannica Great Books, que foi onde li pela primeira vez os autores que moldaram a minha vida, como Homero, Sófocles, Eurípides, Herótodo, Tucídides, Lucrécio, Virgílio, Tomás de Aquino, Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Descartes, Sterne, Gibbon, Marx, Darwin, Freud, Melville, Shakespeare, Tolstoi e Dostoievski.
Hoje, tenho todos esses livros no meu Kindle.
Alguns dinossauros mortos
Só nos últimos poucos anos, eis algumas instituições que importavam para mim e que se foram, em maior ou menor grau:
2008, outubro: meu jornal norte-americano favorito, de incrível cobertura internacional e sempre muito independente, o Christian Science Monitor, torna-se um dos primeiros grandes jornais do país a migrar para a internet. Eu era assinante até o ano anterior, mas tinha cancelado minha assinatura.
2009, janeiro: fecha a Virgin Megastore de Times Square, em Nova Iorque. Nas décadas de 80 e 90, ela foi importantíssima na minha vida. No meu aniversário de vinte anos, em 1994, me dei de presente uns 15 CDs de ska, para conhecer melhor o gênero. No século XXI, estive em Nova Iorque diversas vezes, mas não voltei mais lá.
2010, julho: o Jornal do Brasil, um dos principais e mais antigos do país, depois de uma longa agonia, torna-se o primeiro jornal importante a migrar para a internet. O Rio de Janeiro, agora, na prática, é uma metrópole de seis milhões de habitantes com um único jornal. Minha família já não assinava o JB desde 2000 e eu esporadicamente comprava às sextas, para ler a Revista Programa.
2011, janeiro: fecha a Modern Sound de Copacabana, no Rio de Janeiro, uma das maiores e mais importantes lojas de música no Brasil. Não tendo acesso à Virgin o ano inteiro, foi lá que comprei os CDs mais raros e interessantes. Houve época, ó jovens, que você ouvia uma música legal na rádio, às vezes tinha que ligar pra perguntar qual foi (porque não havia sites) e a sua única esperança de ouvir essa música de novo, e outras do mesmo artista, era indo a lojas com catálogo gigantesco, como a Virgin e a Modern Sound. Que eu saiba, também não pisei lá no século XXI.
O responsável sou eu... e não me sinto culpado
Quem matou esses dinossauros fui eu. Eu sou o típico cliente para quem essas empresas tinham significado e importância, e que mesmo assim foi lentamente abandonando-as.
E claro que não fiz isso sozinho. Você, leitor, provavelmente foi meu cúmplice.
Essas empresas acabaram (ou quase) porque se tornaram irrelevantes justamente para as pessoas que mais gostavam delas. Se a Virgin ou a Modern Sound fossem fazer falta na minha vida, eu não estaria sem visitá-las há mais de dez anos. Se o Jornal do Brasil ou o Christian Science Monitor fossem realmente importantes para mim, eu teria assinado até o último dia.
As pessoas querem música e notícia, não celulose e metal
As carpideiras da indústria fonográfica e da imprensa impressa parecem aquelas pessoas que lamentavam o fim das diligências quando inventaram os trens. Sim, como tem gosto pra tudo, acredito que houvesse pessoas que realmente gostassem das diligências em si, como objeto. Mas, convenhamos, a maioria das pessoas quer somente ir daqui pra ali. Se inventam um novo método, melhor e mais rápido, elas mudam para ele sem chorar e sem pensar duas vezes.
Não é à toa que a Modern Sound e a Virgin desapareceram, enquanto o Jornal do Brasil, o Christian Science Monitor e a Enciclopédia Britânica ainda estão vivos e tentando se reinventar. Os dois primeiros não produziam nada, eram apenas intermediários e, por isso, se tornaram totalmente irrelevantes. Os três últimos ficaram famosos justo pela qualidade do conteúdo que produziam e, mesmo se o antigo suporte desse conteúdo esteja em crise, o conteúdo em si continua interessando ao consumidor final.
(Ano passado, por exemplo, a Enciclopédia Britânica fechou acordo com a Capes e, agora, todo o conteúdo da enciclopédia está disponível para estudantes do ensino fundamental de escolas públicas brasileiras.)
As pessoas frequentavam a Virgin Megastore e assinavam o Jornal do Brasil porque gostavam de música e de informação, não necessariamente de discos de metal e folhas de papel. Ainda vamos ouvir muito chororô por parte dos amantes de disquinhos e papeizinhos, mas a grande maioria das pessoas estará muito feliz e satisfeita curtindo suas músicas e consumindo sua informação por outros meios.
publicado em 15 de Março de 2012, 07:12