A Criada: o suspense erótico do diretor de Oldboy é a coisa mais gostosa

Chan-wook Park continua se utilizando da nossa adoração por olhar e nos guia numa história muito bem contada

Tem alguns filmes que dificultam muito a criação de um título mais apropriado, que consiga fazer caber em poucas palavras ou em sentença única tudo o que dá pra falar sobre ele. Então, de saída, posso adiantar que A Criada, filme mais recente do diretor sul-coreano Chan-wook Park, é bem mais que um suspense e muito mais que um filme erótico.

Sabendo se tratar do mesmo cineasta que escreveu e dirigiu "a trilogia da vingança", com os clássicos Sympathy for Mr. Vengeance (2002), Oldboy (2003) e Lady Vingança (2005), fica mais fácil imaginar o que o filme pode ter de personagens complexos, situações devastadoras, engasgos e surpresas gráficas. Mas, nesta película, a violência dá espaço ao sensorial erótico.

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O roteiro é baseado no livro Na ponta dos Dedos - que inveja desse título -, da escritora feminista Sarah Waters, mas transferido da Inglaterra vitoriana para a Coreia dos anos 30, quando seu território fora dominado pelos japoneses.

Cheia de tramas a serem encaixadas, a história começa com o trato feito entre uma ladra e um vigarista. Ele, passando-se por conde, pretende seduzir uma menina rica e levar uma bolada. Ela, passando-se por uma criada, precisa ajudá-lo a ludibriar a pobre para que tudo corra bem. Dando certo, ela leva boa parte da bolada. Mas como ajudar a alavancar uma trapaça quando você começa a ter desejos pela pessoa que vai ser passada para trás? 

Park explora a ambientação clássica do começo do século e mantém uma direção tradicional e sóbria no começo, imputando um ritmo calmo de conhecimento e deleite para os olhos. Cenários maravilhosos e cores intensas, mas saturando só o que de fato importa - um vestido, um batom, uma língua preta -, deixando a atenção voltada para os olhares. Momento após momento, a ligação entre herdeira e serviçal vai ficando mais sensual e sensitivo. Toques e proximidades entre enganações e desabafos.

E vamos, como bons expectadores seduzidos pelo ilusionista, sendo conduzidos pelas enganações, pelo que se dissimula, e embebecidos pelo forte sensorial, a vontade de sentir o que sentem as mãos e o que toca, de sentir o que sentem as costas quando tocadas, o gelado dos tecidos, o abrasado enlace dos corpos na cama, os mamilos na água do banho, os dedos alisando cuidadosamente o dente pontiagudo, a parte interior da bochecha sentindo o vai e o vem do indicador. Os olhos.

O sexo.

Se antes o sangue e a brutalidade eram o gozo em seus filmes, agora o sexo ganha esse caráter de evidenciar o que temos de mais profundo e humano, a tentativa em evitá-lo, a urgência em consumá-lo, a disputa e a parceria. Os detalhes. Nada escapa e nem um só frame aparece de maneira gratuita. Lembramos que Park sabe muito bem como conduzir os nossos olhos em prol das reviravoltas da história.

Toda a enganação aqui é poética até o talo.


publicado em 14 de Março de 2017, 00:00
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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna Do Amor. Tem dois livros publicados, o livro Do Amor e o Ela Prefere as Uvas Verdes, além de escrever histórias de verdade no Cartas de Amor, em que ele escreve um conto exclusivo pra você.


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