A ciência desconstrói o humor: O que faz algo ser engraçado?

Com certeza não são as piadinhas de final de ano do tiozão da família – que pode até ser você mesmo

Eu não sou um cara com um senso de humor muito apurado, devo admitir, mas quando fiquei sabendo que o humor é uma forma de inteligência, procurei formas de trabalhar isso melhor.

Comecei buscando coisas na internet e até combinei com um amigo que, tão logo entreguemos os nossos respectivos TCCs, vamos nos matricular num curso de palhaço. O link já está salvo nos favoritos e o alarme programado pra tocar na época. Só falta juntar o dinheiro necessário, o que pode ser um problema. Se esse texto chegar até eles, quem sabe eu ganhe uma bolsa.

Acontece que nessa minha busca encontrei alguém que tinha começado a pensar a respeito do assunto também: o autor desse texto, Alex Borgella. No caso dele, porém, a curiosidade foi tão longe que fez disso sua linha de pesquisa e acabou publicando este artigo originalmente em inglês no The Conversation. Eu já disse, lá sempre tem coisas ótimas. Mais uma vez, pedi pra Julia Barreto traduzir e programei para sair perto da época de final de ano.

Estou de férias, mas este artigo foi originalmente programado pra sair no dia 18 de dezembro.

Minha intenção é de que, se colocado em situação constrangedora por tiozões com piadas do tipo 'é pavê ou pacumê?' neste final de ano, você possa, no mínimo, fazer um longo discurso como resposta recheado de argumentos técnicos fundamentos em teorias científicas que explique porque essa piada não é engraçada, repassando todo o constrangimento acumulado em anos de Natal em família por você e 'suas namoradinha', ao mesmo tempo em que se delicia internamente e dá um auto tapinha nas costas de parabéns.

Empodere-se. Desfrute. Faça bom uso.

Silvio Santos rachando o bico.

Cientistas desconstroem o humor: o que faz algo ser engraçado?

Pense no vídeo mais hilário que você já viu na internet. Por que ele é tão engraçado?

Como um pesquisador que investiga alguns dos potenciais efeitos colaterais do humor, gasto um tempo razoável verificando a graça das piadas, fotos e vídeos que apresentamos aos participantes dos nossos estudos. Quantificar a percepção de humor é essencial para garantir que nossas descobertas sejam válidas e confiáveis. Frequentemente dependemos do teste prévio – isto é, testar nossas piadas e outros estímulos em potencial em diferentes tipos de pessoas – para nos dar uma noção melhor do que irá funcionar em nossos estudos.

Para prever como materiais engraçados serão vistos pelo assunto do estudo, também nos voltamos para as – cada vez mais numerosas – teorias de humor, que especulam porque e quando certas situações são consideradas engraçadas. Da Grécia Antiga até hoje, muitos filósofos de todo o mundo tentaram entender o que nos faz rir. Não importa se suas razões eram estratégicas (como algumas das ideias de Platão para usar o humor para manipular as opiniões políticas das pessoas) ou simplesmente inquisitivas, suas descobertas foram cruciais para o desenvolvimento da pesquisa do humor dos dias de hoje.

Pegue o seguinte vídeo como um exemplo de estímulos engraçados que alguém talvez use em uma pesquisa sobre o humor:

Link Youtube – Homem vs Alce na Suécia.

Resumindo: Um homem e sua companheira mulher estão aproveitando um belo dia, observando um alce numa das florestas da Suécia. A mulher faz um movimento brusco, levando o alce a atacar o casal. O homem não recua, o que faz o alce parar. Depois de algumas fintas com um grande pedaço de pau e uma série de grunhidos típicos de um homem das cavernas, o alce derrotado recua enquanto o homem proclama sua vitória (com mais grunhidos).

O vídeo foi visto no Youtube quase três milhões de vezes, e os comentários deixam claro que muitas pessoas que o veem estão rindo. Mas por que ele é engraçado?

Teoria da superioridade: alce burro

Essa é a mais velhas das teorias sobre o humor: filósofos como Aristóteles e Platão versavam sobre a teoria da superioridade há mil anos. Ela sugere que todo o humor é derivado da desgraça dos outros — e, portanto, da nossa própria superioridade relativa. Thomas Hobbes também mencionou essa teoria em seu livro Leviatã, sugerindo que o humor surge em qualquer situação em que há um súbito reconhecimento de como somos muito melhores do que nossa competição direta.

Levando essa teoria em consideração, parece que o alce em retirada é o centro da piada nesse cenário. Charles Gruner, o mais recente especialista na teoria da superioridade, sugere que todo o humor é derivado de competição. Nesse caso, o alce perdeu a competição.

Teoria do alívio: ninguém morreu

A teoria do alívio origina-se da afirmação de Sigmund Freud que a risada nos permite aliviar a tensão e liberar “energia psíquica”. Em outras palavras, Freud e outros teóricos do alívio acreditam que alguma tensão acumulada é inerente em todos os cenários cômicos e a percepção do humor é diretamente relacionada à liberação dessa tensão.

Freud usou essa ideia para explicar nossa fascinação com tópicos tabu e porque talvez achemos engraçado reconhecê-lo. Por exemplo, minha própria linha de pesquisa lida com humor em interações interraciais e como isso pode ser usado para facilitar situações normalmente tensas. Muitos comediantes já abordaram esse tópico também, focando em como a linguagem é usada em cenários interraciais e a usando como um exemplo de como o alívio pode ser engraçado.

Link Youtube – Um vídeo cômico focado em interações interraciais cria o humor através do alívio quando uma situação tensa é resolvida.

Curiosamente, essa teoria serviu como um argumento por trás de muitos estudos que documentam os benefícios psicológicos e fisiológicos da risada. Em ambos os casos, a liberação da tensão (tensão fisiológica, no caso da risada) pode trazer resultados positivos na saúde de maneira geral, incluindo a diminuição do stress, da ansiedade e até da dor física.

No caso do nosso vídeo do alce: uma vez que o alce ataca, a tensão aumenta quando o homem e o animal se confrontam por um longo período de tempo. A tensão é liberada quando o alce desiste do seu terreno, abaixa as orelhas e eventualmente foge. Esse vídeo provavelmente seria bem menos engraçado se a tensão fosse resolvida com violência — por exemplo, se o alce esmagasse o homem ou se acabasse com pedaço de pau no olho.

Teoria da incongruência: é inesperado

A teoria da incongruência sugere que achamos conceitos fundamentalmente incompatíveis ou resultados inesperados engraçados. Basicamente, achamos cômica a incongruência entre nossas expectativas e realidades.

Resolver a incongruência também pode contribuir para a percepção do humor. Esse conceito é conhecido como a teoria de “resolução da incongruência”, e se refere fundamentalmente a piadas escritas. Identificando o que torna a situação cômica engraçada, essa teoria pode ser aplicada amplamente; pode justificar as risadas encontradas em vários conceitos diferentes justapostos.

Vejam essas piadinhas como exemplo:

“Eu tenho uma daquelas injeções de adrenalina, sabe? Meu amigo me deu ela quando estava morrendo. Parecia muito importante para ele que eu a tivesse.”

Posso resistir a tudo, menos à tentação.”

O humor em ambos os casos depende da incongruência na interpretação: na primeira, a pessoa claramente interpretou mal o pedido do seu amigo moribundo. Na segunda, a parte “menos à tentação” anula a primeira, invalidando a ideia inicial da frase.

No caso do vídeo do alce, a incongruência resulta na falsa expectativa que a interação entre homem e alce irá acabar em algum tipo de violência. Quando vemos nossas expectativas serem frustradas, isso ocasiona a percepção do humor.

A segurança de estar na plateia num show de comédia te permite se soltar.

Teoria das violações benignas: É ruim, mas inofensivo

Incongruência também é uma parte fundamental da teoria das violações benignas (BVT), uma das explicações mais recentemente desenvolvidas. Derivada da “teoria da violação” do linguista Thomas Veatch, que descreve várias maneiras da incongruência ser engraçada, a BVT procura criar uma teoria global para unificar todas as teorias anteriores do humor e reunir as questões de cada uma.

A teoria das violações benignas afirma que todo o humor deriva de três condições:

  1. A presença de algum tipo de violação da norma, seja uma violação da norma moral (roubar um asilo), uma violação da norma social (terminar uma relação de longo prazo por mensagem) ou uma violação da norma física (espirrar propositalmente numa criança).

  2. Um contexto “benigno” ou “seguro” em que a violação acontece (isso pode assumir muitas formas).

  3. A interpretação dos dois primeiros pontos simultaneamente. Em outras palavras, o indivíduo precisa ver, ler ou senão interpretar uma violação como relativamente inofensiva.

Com isso, pesquisadores que estudam a BVT demonstraram alguns cenários diferentes onde a percepção de uma violação benigna pode acontecer — por exemplo, quando o comprometimento com a norma sendo violada é fraco.

Pegue o exemplo de uma igreja sorteando um SUV Hummer. Eles descobriram que esse cenário é bem menos engraçado para frequentadores de igrejas (com seu forte comprometimento com a norma que a igreja é sagrada e incorpora valores de humildade e caridade) do que para não frequentadores (com um comprometimento relativamente fraco com as normas da igreja). Enquanto ambos os grupos acharam o conceito de arrecadação escolhido pela igreja repugnante, somente os não frequentadores também consideraram a situação engraçada. Ou seja, uma violação benigna é criada.

No caso do vídeo de alce, a violação é clara; um alce está prestes a atacar duas pessoas, e não temos certeza do que vai acontecer. A parte benigna da situação pode ser creditada a várias fontes diferentes, mas é provável que seja o fato de estarmos psicologicamente (e fisicamente, e temporariamente) distantes dos indivíduos do vídeo. Eles estão lá longe na Suécia, e estamos vendo esse dilema confortavelmente na tela.

Chegando ao engraçado

Num momento ou no outro, todos nós nos perguntamos por que alguma frase ou situação nos levou a quase explodir de tanto rir. De muitas maneiras, esse tipo de pergunta foi o que me levou a pesquisar os limites e consequências do humor em primeiro lugar. As pessoas são únicas e com frequência acham coisas diferentes engraçadas. A fim de examinar os efeitos do humor, é nosso trabalho como pesquisadores tentar selecionar e criar um estímulo que afete o maior número possível de pessoas. Os resultados de uma boa ciência originam-se tanto da validade quanto da confiabilidade do nosso estímulo, o que é importante para pensar criticamente nas razões de estarmos rindo.

A aplicação dessa pesquisa e teoria ainda em desenvolvimento sobre o humor é vista em qualquer lugar, influenciando desde discursos políticos até campanhas publicitárias. E enquanto a frase “rir é o melhor remédio” talvez seja um exagero (penicilina provavelmente é melhor, para começar), psicólogos ou profissionais médicos começaram a acreditar na ideia de que o humor e o riso talvez tenham alguns efeitos positivos para a saúde e felicidade. Essas aplicações enfatizam a importância de desenvolver o melhor entendimento possível do humor que pudermos.

No fiel da balança, às vezes, humor é coisa séria.


publicado em 18 de Dezembro de 2016, 00:05
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Breno França

Editor do PapodeHomem, é formado em jornalismo pela ECA-USP onde administrou a Jornalismo Júnior, organizou campeonatos da ECAtlética e presidiu o JUCA. Siga ele no Facebook e comente Brenão.


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