A arte da experimentação pessoal

Sobre como brincar consigo mesmo pode ser uma grande ferramenta de autoconhecimento

Quinta-feira. Chego da academia, abro o computador e começo a preencher minhas planilhas. Estou testando um antigo método de treino que consiste em treinos diários de agachamento.

Não encontrei artigos científicos que sustentem essa hipótese, mas mesmo assim resolvi colocar à prova.

No mês em que faço este pequeno teste, tive um ganho de 4kg de massa muscular, aumentei meus pesos em 60% e minha namorada perguntou se estava usando esteroides.

Este é apenas apenas um dos vários outros experimentos que venho fazendo ao longo de muitos anos, colecionando uma série de resultados interessantes no caminho.

Por que tratar o corpo como um laboratório?

Tenho muita curiosidade em saber como as coisas funcionam. Aprendi a trabalhar com computadores fuçando no desconhecido, estudando programação, quebrando proteção de programas e fazendo um monte de testes diferentes. No curso de Física, passamos centenas de horas em laboratório observando, medindo e comparando resultados. É uma longa busca pelo entendimento de como o universo se comporta. É isso que me atrai na ciência.

A mesma ideia é verdadeira quando crio meus experimentos pessoais. Tudo o que faço é para entender como meu corpo e mente reagem à diferentes estímulos. Café me faz bem ou mal? Como meu corpo se comporta sem carboidratos? Deixar de reclamar pode me fazer mais feliz? Existe muito ruído no jornalismo científico. Um dia ovo faz bem, no outro faz mal. Sendo assim, muitas vezes o melhor a se fazer é ver como você determinada ideia funciona para você.

Mas o objetivo não é apenas testar práticas novas, é interessante entender como seu corpo já está trabalhando. Quantas gramas de gordura você consome por semana? Quantas calorias? Quantos quilômetros anda por dia? Existem muitas informações que são importantíssimas para nossa saúde e que ter uma clara ideia de como estamos nos comportando pode nos ajudar bastante. Também não estou sugerindo virar um paranoico que mede tudo, mas vez ou outra é importante fazer uma avaliação de como estamos vivendo.

Mas e a ciência?

Sempre que comento sobre meus experimentos pessoais, existe alguém para dizer  “Mas a amostragem de uma única pessoa não serve de parâmetro para conclusões”.

Tem toda razão, não serve mesmo.

Existem outros pontos em questão. Não estou tentando publicar um estudo afirmando que banhos frios melhoram a qualidade de vida das pessoas. Estou apenas dizendo que banhos frios me ajudaram a construir mais disciplina e força de vontade. Não pretendo afirmar o que as outras pessoas devem fazer o mesmo, aponto apenas o que funcionou para mim.

Para os que me acompanham, sabem que venho tratando minha vida como um grande experimento, testando diversas formas de viver com mais qualidade. Pode parecer algo bem distante da ciência tradicional e dos especialistas de jaleco, mas não é tão diferente do método cientifico como vemos em laboratórios.

Na prática funciona assim:

Eu penso em alguma necessidade, um problema ou dificuldade que tenho no meu cotidiano. Faço uma pesquisa em bancos de dados de artigos científicos, consulto livros acadêmicos e profissionais da área, coletando informações para construir uma hipótese. Aí vem a parte mais legal, testar a hipótese experimentalmente. Durante o experimento é muito importante coletar dados e informações, servindo de base para o que guiará minha conclusão.

Se achou isso tudo muito complicado, a versão simplificada é:

  • Pense em algo que possa fazer sua vida melhor

  • Faça isso por um período de tempo

  • Mude seu comportamento para se adequar ao que descobriu

Lembre-se que você não está tentando provar nada, simplesmente buscar formas de viver melhor, brincar com sua curiosidade e aprender um bocado no processo.

No que posso focar meus experimentos?

A vida é repleta de elementos passiveis de serem testados. Basta começar a fazer pequenos experimentos, que logo novas ideias surgirão.

Abaixo segue uma lista de itens que acho interessante testar:

Saúde e Exercícios

  • Dieta: Talvez esse seja o tipo mais comum, foi onde comecei meus primeiros testes. Zerar carboidratos? Um mês sem comer besteira? Jejum intermitente? Um mês inteiro com alimentação vegana? Vegetariano? Teve uma vez testei ficar sem comer carne por uma semana. Acabei virando vegetariano por  2 anos.

  • Resistência corporal: O que é melhor para você? Correr 10km ou fazer dez tiros de cem metros? Muay Thai ou Natação? Treinar todos os dias ou dar intervalos periódicos?

  • Força Corporal: Quantas barras consegue fazer? É melhor aumentar os pesos e reduzir as repetições ou reduzir os pesos aumentando repetições? E se reduzir todos os pesos por um mês, apenas lapidando as técnicas de execução? Como treinos de mobilidade e flexibilidade refletem no levantamento de peso?

  • Habilidades Esportivas: O que acha de aprender a dar um mortal de costas? Subir muros? Gosta de futebol? Quantas embaixadinhas consegue fazer? Se já treina algo, quando foi a última vez que testou uma estratégia diferente?

Trabalho

  • Produtividade: Este é um dos principais tópicos de teste da maioria das pessoas. O que pode fazer você mais produtivo? Meditação? Técnica pomodoro? Intervalos de 30 minutos? Listas? Um amigo cobrando suas tarefas?

  • Metas: Você funciona melhor com objetivos de longo prazo ou é melhor dividir em pequenos objetivos de curto prazo? Que incentivos pode adicionar para manter foco? Dissonância Cognitiva, serve para você?

Estilo de Vida

  • Hobbies: Por algum motivo, sinto que as pessoas falham muito neste aspecto. Tente não ser muito intenso com seus hobbies, procure fazer várias coisas e entender como você aprende melhor em cada uma delas.

  • Vícios: Bebendo muito café? Talvez seja uma boa passar algumas semanas sem cafeína. Quantos dias consegue ficar sem fumar? Qualquer coisa que possa gerar dependência é passível de testes. Ano passado passei maus bocados tentando eliminar meu vício em soros nasais. Demorei mas consegui.

  • Relacionamentos: O que acha de puxar assunto com pessoas estranhas na rua por uma semana? Já pensou em eliminar sua timeline do facebook? Ficar sem smartphone? O que as pessoas acham atraentes? Como ler linguagem corporal?

  • Felicidade: O que te faz feliz? O que te deixa triste? Como manipular essas variáveis?

Estes são apenas alguns exemplos, a lista poderia ser muito maior. O ponto é fornecer ideias do que é testável, do que podemos experimentar e melhorar em nossas vidas. A partir disso as coisas vão ficando mais individuais.

Como coletar dados dos meus experimentos?

A parte boa disso tudo é que a tecnologia, principalmente com a evolução dos aparelhos celulares, tem proporcionado ferramentas incríveis para mensurar nossas vidas. No entanto, existem diversas formas de registrar seus experimentos sem necessidade de utilizar muita tecnologia.

  • Caderninho: Ter um caderno comigo o tempo todo me ajuda a registrar percepções assim que elas surgem. Essa necessidade se torna mais evidente durante experimentos mais psicológicos, como os 21 dias sem reclamar, mas acaba sendo útil para qualquer experimento.

  • Excel / Google Spreadsheet: Na faculdade de física, a primeira coisa que aprendemos em laboratório é construir tabelas. Elas servem como base para toda nossa análise de dados. Isso não é muito diferente com experimentos pessoais. Pode ser uma tabela com pesos, uma escala própria para medir felicidade, humor, atenção e consumo de alguma substância. Tudo pode ser tabelado e usado para gerar um gráfico maneiro.

  • Optmism: Este é um aplicativo muito interessante, mesmo achando que poderia ser melhor executado. O app fornece uma série de listas (personalizáveis) com diversos elementos como humor, consumo de café, níveis de raiva, qualidade do sono e diversas outras variáveis, gerando um gráfico para acompanhamento.

  • Daytum: Site dedicado a coletar e organizar todo tipo de informação sobre você.

  • HealthMonth: É um site repleto de experimentos mensais.

  • Pulseiras Inteligentes: Existe uma série de pulseiras inteligentes no mercado, mas sou suspeito para opinar. Cheguei a comprar uma Nike Fuelband, mas a experiência foi bem ruim. Existem as Fitbit que prometem fazer algo similar. O que importa para os experimentos é que elas são capazes de medir várias informações do seu corpo ao longo do dia, servindo como parâmetro para analises.

O que mais preciso saber?

Existem algumas coisas que podem arruinar experimentos pessoais, vou listá-las por aqui, mas é impossível englobar todas as probabilidades.

  1. Não ter uma base comparativa: É importante ter dados para comparar os resultados. Se quer testar uma dieta ou exercício, por exemplo, é importante se pesar e tirar medidas antes. Se possível avaliar percentual de gordura e massa corporal. Pode ser interessante fazer exames de sangue e uma consulta com um médico. Quanto mais informações conseguir levantar de base, mais preciso serão os resultados.

  1. Isole as variáveis: Você não pode concluir que banho frio melhorou seu humor, se conseguiu um trabalho novo na mesma semana. Não dá pra dizer que um suplemento alimentar ajudou no ganho de massa, se você mudou o treino e toda sua alimentação no mesmo período. Separe as variáveis para evitar correlações falsas.

  1. Desistir cedo demais: Alguns experimentos exigem mais tempo que outros para apresentar resultados. É interessante ter um certo nível de persistência, garantir que testou a hipótese por tempo suficiente.

  2. Não tirar medidas precisas: Para experimentos psicológicos, este item é mais complicado, mas para alimentação, produtividade e testes relacionados com o corpo, conseguimos ter métricas comparativas bem precisas. Não abra mão de registrar tudo com o máximo de rigor que conseguir.

  3. Não manter registros: Talvez você saiba o que quer medir, mas é importante registrar o máximo de detalhes que puder identificar. Muitas vezes descobrimos algumas relações que não esperávamos apenas quando comparamos todos os dados, até os que pareciam irrelevantes de inicio. Também não jogue suas informações antigas no lixo, elas podem servir de comparação no futuro.

O que você aprendeu até hoje com tudo isso?

Após quase 15 anos fazendo experimentos dos mais diversos, aprendi bastante sobre meu corpo e minha saúde. Alguns aprendizados são até óbvios para algumas pessoas, outros são um pouco mais empolgantes:

  • Se estiver me sentindo fraco e sem motivação, 200 flexões é o número exato para estimular minha autoestima. Não sei o que acontece, mas após 200 flexões me sinto incrivelmente forte. Sugeri este teste para alguns amigos todos disseram sentir o mesmo.

  • Tomar banhos frios influenciam diretamente minha disposição e força de vontade.

  • Não funciono com dietas moderadas. Se eu não cortar de uma vez eliminando total possibilidade de consumir alimentos ruins, certamente vou falhar.

  • Exercícios - mesmo aumentando intensidade, carga, e tudo mais - não promovem perda de peso em mim. Quando existem resultados, são muito pequenos, praticamente desprezíveis.

  • Restrição calórica e anular carboidratos, no entanto, promovem rápida perda de peso.

  • Ficar 21 dias sem reclamar revelou muitos vícios mentais.

  • Após 24 horas em jejum, minha mente funciona muito melhor. Consigo produzir com muita facilidade, mas existem alguns colaterais como a fácil irritabilidade.

  • Apesar do conforto, não dirigir para faculdade e trabalho tem impacto direto no meu humor.

Para concluir, é importante lembrar que testes são positivos, mas precisamos ficar atentos para não colocar nossa saúde em risco. Faça visitas periódicas ao médico, não tente nada que seja extremo sem um acompanhamento profissional. Experimentação pessoal não significa fazer tudo por conta própria, existem pessoas capacitadas que podem nos ajudar a entender melhor os resultados. Deixe sempre alguém avisado do que você está testando no momento, se não for por segurança, que seja para verificar seus métodos.

Caso queira acompanhar meus experimentos mais de perto, criei recentemente uma página no facebook onde passei a relatar alguns dos meus testes, ainda está no começo, mas a interação está bem bacana. Acesse a página aqui.

Caso tenha algum experimento pessoal, compartilhe nos comentários e vamos seguindo a conversa. 


publicado em 02 de Maio de 2016, 20:37
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Alberto Brandão

É analista de sistemas, estudante de física e escritor colunista do Papo de Homem. Escreve sobre tudo o que acha interessante no Mnenyie, e também produz uma newsletter semanal, a Caos (Con)textual, com textos exclusivos e curadoria de conteúdo. Ficaria honrado em ser seu amigo no Facebook e conversar com você por email.


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