Olá, leitores do Papo de Homem, aqui é Natalia Viana, co-fundadora e co-diretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. Ou, para os mais conhecedores, a Pública.
Muitos de vocês já nos conhecem mesmo sem querer: o Papo de Homem é um dos sites que republica as nossas reportagens, focadas em investigar e denunciar violações de direitos humanos, abuso de poder, corrupção e falta de transparência.
Quando eu fundei a Pública há seis anos, ao lado de duas grandes jornalistas, nossa ideia era essa mesmo: focar nosso esforço em fazer investigações mais longas, fugindo do zumzumzum das notícias do dia a dia para poder levantar documentos, bases de dados, testemunhos e provas inéditas para embasar grandes reportagens. É um tipo de jornalismo que leva tempo e exige muita dedicação e muito foco, que só conseguimos porque não ficamos indo atrás da fofoca do momento.
Todo o nosso trabalho é então distribuído gratuitamente para sites, blogs, jornais, revistas. Isso faz parte da nossa estratégia para que as histórias cheguem a bem mais pessoas e tenham maior impacto.
Nos últimos anos, dedicamos bastante energia a investigar o machismo reinante em diversas esferas da sociedade e as suas consequências. Algumas dessas histórias rodaram aqui no Papo de Homem – lembre sete delas!
1. Nós descobrimos como um malandro dava cursos de como “pegar mulher na rua”
E enviamos um dos nossos jornalistas para ir até lá fazer o curso. Uma das dicas do 'professor' foi:
“Não existe esse negócio de mulher ir pra balada pra se divertir. Mulher vai pra balada pra dar. Se quisesse se divertir ficava em casa vendo um filme com as amigas”.
2. Denunciamos a cultura machista (e bem tosca) dentro das agência de publicidade
Depois dessa reportagem o concurso “calota de ouro” foi abolido na agência de publicidade.
"As publicitárias ainda têm muito medo de se pronunciar. Elas normalmente se calam diante de piadas e colocações machistas para não perderem seus empregos. Tem uma grande agência que entrega, na festa de fim de ano, um prêmio chamado ‘calota de ouro’ referindo-se ao volume da vagina da mulher. E para sobreviver, elas acabam entrando no jogo.”
3. Fomos ouvir os policiais de todo o Brasil sobre o treinamento desumano que recebem, e sobre os níveis de stress alarmantes que eles têm que enfrentar
E ainda ouvimos um ex-policial que se tornou um assassino, autor do livro 'Como nascem os monstros' (a reportagem foi feita pelo primeiro homem a trabalhar na Pública!):
"O processo de perversão começa no início da formação. Quando cheguei no CFAP, o primeiro contato quando a gente sai do campo para a companhia é um caminho cercado por árvores. Do alto daquelas árvores, os policiais antigos começavam a disparar tiros de festim e soltar bombas. O camarada que deveria ser treinado desde o início pra policiar, já começa a ser apresentado a uma guerra."
4. Enviamos um correspondente para fazer o curso obrigatório para homens agressores de mulheres
A conclusão: “O agressor dorme no homem comum!”:
"Nas seis horas que passei na salinha durante os três encontros, quebrei todos os meus preconceitos. Esperava encontrar monstros agressores, sádicos contumazes, malfeitores violentos próximos ao 'estereótipo Datena'. Encontrei homens constrangedoramente comuns, uma amostra masculina fidedigna de toda a pirâmide social brasileira como raramente vi. O “homem brasileiro” estava ali em todas as suas nuances."
5. Também ouvimos os jogadores de futebol profissional de times pequenos que penam para conseguir viver com um salariozinho e muito trabalho
Enquanto poucos ganham aqueles sonhados milhões, muitos vivem com muito pouco:
“Na várzea, eu já peguei cinco mil pra assinar e mais 250 reais por jogo. É um dinheiro bom e sempre vem conforme o combinado. No profissional, muitas vezes eles te prometem um contrato e só pagam uma parte. O que vale mais a pena?”
6. E fomos nós que conseguimos entender e contar pra vocês o que realmente está por trás do “boom” do feminejo
O professor da UFPE disse em entrevista à reportagem:
"Uma música como ‘Alô porteiro‘, de Marília Mendonça, ou as de Maiara e Maraísa falando de suas noitadas de amor causam estranhamento? Porque, se a gente pega Roberta Miranda ou Paula Fernandes, ainda havia ali um discurso muito colado no ideal patriarcal, que colocava o homem, de alguma forma, num lugar de poder."
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No ano passado, a Pública ganhou mais prêmios de jornalismo que quase todos os jornais brasileiros, que têm muito mais grana. Ficamos em terceiro lugar no ranking, atrás apenas da TV Globo e do Jornal O Globo! Sinal de novos tempos, em que um site fundado por três jovens jornalistas mulheres consegue desbancar um monte de corporações.
Quer mais? Acha que está muito distante de você? Dá uma olhada no depoimento da nossa gerente de comunicação Marina Dias:
"Trabalho na Agência Pública desde 2014. Entrei quando estávamos publicando as últimas matérias financiadas pela primeira edição da Reportagem Pública, projeto financiado por crowdfunding.
Quando comecei a ler uma delas, sobre os carros Vectra que explodiam ou pegavam fogo devido a um defeito de fábrica não informado aos consumidores, senti calafrios. A denúncia era gravíssima, mas além disso, aquela história me era muito familiar.
Em 2004, o Vectra da minha mãe pegou fogo. Meu pai e minha avó estavam no carro, mas ninguém se feriu. O seguro acusou uma pane elétrica, deu perda total, sem muitas explicações. Dez anos depois e graças a uma reportagem feita através da Reportagem Pública, fomos descobrir o que realmente aconteceu. Era defeito de fábrica e poderia ter sido trágico.
Já tinha passado muito tempo desde o acidente para conseguirmos fazer algo. As fotos do carro pegando fogo sumiram na nossa mudança de casa. Mas de alguma forma, me confortou saber que depois da publicação da reportagem, o Ministério da Justiça passou a investigar a GM pelos defeitos de fábrica não informados.
Tudo isso só pra dizer que, se a Pública não tivesse feito seu primeiro crowdfunding e se as pessoas que colaboraram na primeira edição da Reportagem Pública não tivessem escolhido essa pauta, para nós, o carro da minha mãe teria tido uma simples pane elétrica. Eu não conheci a Pública a tempo de financiar essa reportagem, mas sou muito grata a quem financiou e escolheu.
E é dessa história que eu me lembro sempre que começa uma nova campanha pra financiar pautas escolhidas por quem contribui. Eu sempre pensei que jornalismo servia pra me informar de coisas que eu não presenciei. Mas nem sempre: tem jornalismo que vai naquele cantinho empoeirado que tá no nosso dia a dia mas ninguém nem pensa em mexer. É ali que a Pública vai.
Você pode ser responsável por uma descoberta que vai ser importantíssima para alguém"
Agora, nós estamos com uma campanha de crowdfunding aberta. Queremos levantar R$ 80 mil para realizar grandes reportagens. O projeto é bem divertido. Além de recompensa como HQs, fotos, adesivos, todo mundo que doar vai poder votar, todo mês, o que nós da Pública vamos investigar. Todo mês os doadores vão receber um email com três proposta de pautas, e também vão poder trocar ideias com nossas repórteres em um grupo fechado no Facebook.
O convite está feito.
Ajude a Pública a financiar o jornalismo investigativo de qualidade no Brasil
Para nós do Papo de Homem, a agência Pública é mais do que uma parceira de conteúdo é um grupo de amigos que está alinhado com o que nós pensamos e esperamos do jornalismo. Por isso, abrimos esse espaço para ajudar a divulgar a campanha de financiamento coletivo deles. Faz todo sentido. É feito com toda transparência. E, como pudemos ver, traz benefícios claros para todos nós.
Faltam apenas alguns dias para a campanha ser encerrada, precisamente: 10 dias a partir desse momento que escrevo; e ainda falta uma boa parcela para atingirmos a meta que é tudo ou nada.
Participe, contribua e nos ajude a ver mais iniciativas como essa florescendo no Brasil.
publicado em 16 de Outubro de 2017, 00:05